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A desvalia do advogado/estagiário perante a Previdência Social

Agenda 06/07/2007 às 00:00

I – Da casuística.

O INSS, ao que temos tido notícias pelo extenso rincão brasileiro, tem ofertado duas vexatórias nódoas aos advogados/estagiários, quais sejam:

a) eles se vêem obrigados a enfrentarem filas e se submeterem à entrega de fichas/senhas, quando do desempenho de atividade jurídica;

b) no momento em que ofertam recursos administrativos, têm lhes sido exigida a reprografia da carteira de identidade funcional.

Acerca desses dois itens, que dão a cor da ilegalidade que em bastas vezes têm sido o agir da Administração Pública – que deveria, ao revés, ser espelho de uma exemplar cumpridora das normas jurídicas (art. 37, caput, Constituição Federal) - voltaremos o nosso brado em linhas subseqüentes.


II – Da antijuridicidade quanto às filas, fichas ou senhas para atendimento do causídico/estagiário.

O cerne da questão posta estriba-se em saber se os advogados/estagiários possuem ou não prioridade de atendimento em repartições públicas quando do cumprimento de seus misteres.

Ora, a Lei n° 8.906/94, em seu art. 7°, VI, c, confere ao causídico um lídimo grau de diferenciação quanto ao seu atendimento em repartição pública, já que, inclusive, dá-lhe o direito de ter seu ingresso permitido ainda que fora do expediente, bastando que exista, dentro do órgão, apenas um funcionário ou empregado.

Cumpre realçar que este dispositivo legal sequer fora alvejado na ADI nº 1.127/94, julgada em 17/05/2006 (decisão publicada no D.J. e no D.O.U de 26/05/2006). Portanto, a dita faculdade não é gozada por quem não seja advogado ou estagiário regularmente inscrito nos quadros da OAB. Logo, o causídico é distinto dos demais no que tange à plenitude de exercício de seu respectivo labor. Seria isso um privilégio? Claro que não, mas, tão somente, o reconhecimento de que a atividade do advogado vai além de mera labuta privada.

Exerce ele, inegavelmente, uma função pública, como, aliás, decorre do art. 2°, § 1°, da legislação de regência dantes mencionada.

A esse tanto, por sinal, vale ser coligido o posicionamento do colendo Superior Tribunal de Justiça, agasalhável à espécie, embora lançado à égide do transato Estatuto da Advocacia, que, nesse tanto, fora repetido, integralmente, no novel diploma da classe, litteris: "ADMINISTRATIVO - ADVOGADO - DIREITO DE ACESSO A REPARTIÇÕES PÚBLICAS - (LEI 4215 - 89, VI, C). A advocacia é serviço público, igual aos demais, prestados pelo Estado. O advogado não é mero defensor de interesses privados, tampouco, é auxiliar do juiz. Sua atividade, como "particular em colaboração com o Estado" é livre de qualquer vínculo de subordinação para com magistrados e agentes do Ministério Público. O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas (art. 89, VI, c, da Lei n. 4215/63) pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição no horário de expediente ou fora dele basta para impor ao serventuário a obrigação de atender ao advogado. A recusa de atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o juiz vedar ou dificultar o atendimento de advogado, em horário reservado a. expediente interno. Recurso provido. Segurança concedida." (STJ. Processo nº 1275/RJ. 1ª Turma. Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS. RSTJ, vol. 30, p. 277).

Ao submeter o advogado/estagiário à utilização de senha/ficha/fila para serem atendidos, logicamente, que a Previdência Social está manietando a liberdade do exercício profissional de tais operadores do Direito, já que os mesmos, dependendo da extensividade da demanda, poderão ter de permanecer na repartição por horas a fio. E, como se dessume do julgado do Superior Tribunal de Justiça, é incompossível qualquer conduta que venha a dificultar a livre atuação profissional deles, isto porque, repisa-se, são exercentes de vera função pública, fato este que não se dá com a plêiade de segurados que se vêem na contingência de se subsumirem às intermináveis fileiras que marcam, em regra, o INSS.

O que está ocorrendo com essa indevida igualitarização de atendimento, com a horizontalização de todos, sejam advogados/estagiários ou não, é uma afronta - literal e direta - à Lei n° 8.906/94, proporcionadora, por isso mesmo, de impetração de mandado de segurança por parte da OAB, como órgão de classe dos advogados.

Quer me parecer que tal atitude, ou seja, a necessidade de aviar um writ para que, somente ao depois disso, possam os advogados/estagiários receberem, nada mais, nada menos, que a dignidade de tratamento que o seus status lhes conferem, não pode ser o almejado por uma Administração Pública, que há de fincar-se nos cânones da legalidade e da eficiência de seu agir, como querido pelo art. 37, caput, da Carta Política.

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Valendo ser repetido que o estagiário, ou seja, aquele devidamente inscrito nos quadros da OAB, tem que ter para consigo a mesma tratativa que se é conferida ao advogado no pálio da Administração Pública, porque se autorizado por este (seja de forma expressa ou através de substabelecimento em mandato), terá o direito de, isoladamente, praticar quaisquer atos em sede extrajudicial, como já restou evidenciado pelo art. 29, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, exarado pelo peculiar Conselho Federal.

Por derradeiro, a processualística vigente tem se enveredado pelo franqueamento da máxima acessibilidade e não se pode imaginar que a Administração Pública, aqui fulcrada no átrio do INSS, se contente com uma antidemocrática limitação. Evoca-se, então, as lições de Mauro Cappelletti e Garth Bryant, na obra "acesso à justiça" - tradução Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre: Fabris, 1988, pp. 12/13, onde ajuntam, respectivamente, que: "O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (...) O "acesso" não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também necessariamente, o ponto central da moderna processualística." (apusemos parênteses e reticências).


III – Da indébita reivindicação, pelo INSS, da apresentação da carteira de advogado/estagiário quando firmatário de recurso administrativo.

Vige, no Estado Democrático de Direito, o que se dá na República Federativa do Brasil, o princípio da legalidade, isto é, somente pode-se exigir que alguém pratique determinada conduta se a mesma, previamente, estiver preconizada em ato normativo, ainda que se esteja frente à Administração Pública (art. 5º, II, da Lei Mater).

A obrigação legal, quanto ao advogado, para que ele postule em juízo ou fora dele é, salvante casos de urgência excepcional, a imediata apresentação do instrumento de mandato. Aliás, assim giza estas normas jurídicas: "Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado se obrigará independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do juiz." (CPC) e "Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato." (Lei nº 8.906/94).

Portanto, ressai que, em nenhum momento, existe qualquer regra jurídica que compila o advogado/estagiário a, conjuntamente com a procuração, apor a respectiva carteira de identidade funcional.

Não fosse isso o suficiente, ainda voltando os olhos quanto à procuração, exatamente no pálio do INSS, o Decreto nº 3.048/99, agrega que: "Art. 157. O Instituto Nacional do Seguro Social apenas poderá negar-se a aceitar procuração quando se manifestar indício de inidoneidade do documento ou do mandatário, sem prejuízo, no entanto, das providências que se fizerem necessárias".

O que a Previdência Social poderá fazer, isto sim, é se direcionar no que pertine à higidez do instrumento do mandato, se, obviamente, detiver algum elemento suficiente que o coloque em plano de merecedor de alguma dúvida. Em caso tal, por óbvio, haverá de facultar ao interessado o livre manejo do contraditório e da ampla defesa, antes de proferir juízo sobre a validade ou não acerca do instrumento procuratório.

Lamentavelmente, a Previdência Social, malgradas exceções, tem, quanto aos segurados, sido ditatorial, ou seja, mera suspeita de um ato fraudulento, no que se refere à consecução de um benefício previdenciário, vem engendrar sua pronta cassação, sem qualquer oitiva prévia do beneficiário. Talvez esta autarquia queira relembrar as epopéias peculiares aos tempos que grassavam neste país o regime militar.

Seja como for, a orientação do Superior Tribunal de Justiça tem sido a seguinte: "Em tema de suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário devido à suspeita e ocorrência de fraude, esta Corte consolidou o entendimento segundo o qual não pode a autarquia adotar a medida extrema sem ouvir o interessado." (STJ. Processo nº 514251/RJ. 6ª Turma. Rel. Min. PAULO GALLOTTI. Data da Publicação/fonte: 27.03.2006, DJ - p. 356).

Dito isso, uma coisa é certa: inocorre qualquer embasamento jurídico para que a Previdência Social determine que com o recurso administrativo, além do instrumento de mandato, haja a reprografia da carteira funcional do operador do Direito. Essa prática, como se denota, é lidimamente antijurídica, deslembra a função social daquele que milita na área normativa, colocando-o em permanente condição de virtual perpetrador de exercício ilegal de profissão, invertendo o ancilar princípio da inocência, porque, em bom vernáculo, para o INSS, até prova em contrário, o subscritor do recurso não é advogado ou estagiário.

Toma-se de empréstimo genuína lição da mestre Fabiana Cristina Severi, na matéria cognominada "Breves considerações sobre a função sócio-política do advogado", publicada em: http://jus.com.br/artigos/7158, acessada em 04/05/2007, onde, peremptoriamente, escande que: "No interior dessa configuração de crise, importante se faz uma nítida definição do papel a ser desempenhado por cada um dos sujeitos sociais, para que se evite as atitudes do cinismo ou da apatia. O cinismo seria a disponibilidade do sujeito social de fazer-se cúmplice de qualquer coisa, a qualquer preço. A apatia seria condição de passividade e descompromisso com a mudança causado pela naturalização do conflito social e pela indiferença diante do sofrimento humano. (...) Tanto a postura cínica como a apática parecem ser facetas de um mesmo processo: a perda do senso crítico dos sujeitos sociais. Tal perda configura-se em um déficit essencial à medida que traz um esvaziamento da substância constitutiva da atividade intelectual. (...) Indispensável que o advogado possa ser capaz de reconhecer, dentro de uma pluralidade de grupos e sujeitos coletivos, quais aqueles que carregam legitimidade para defender interesses que são da própria coletividade, ou mesmo de toda a sociedade. E essa legitimidade, não em seu aspecto formal, apenas, mas sobretudo, sua legitimidade material apreendida no confronto dos interesses de uma sociedade plural e democrática e os interesses que tais entidades carregam. Daí exigir-se uma advocacia ativista, comprometida com a busca de uma sociedade mais justa, humana e solidária, contando, para isso com instrumentos processuais mais eficientes, hábeis e eficazes, que priorizam o social." (inexistente parênteses, reticências e grifos na fonte).

O que tenho observado, com muito pesar, é que a massificação que assola o mundo globalizado não deixara de perpassar sobre os profissionais liberais, de jeito que os advogados/estagiários que não se deram ao trabalho de estudar com afinco o Estatuto que os governam ou os que ainda são tíbios no proceder, têm sofrido grandemente com esse movimento, mormente não se rebelando quanto à proliferação de condutas ilegais pela Administração Pública, que põe terra abaixo as indeléveis prerrogativas profissionais.

Volto-me, sem qualquer pretensão de me tornar um jacobino, com excerto de meu livro intitulado "Direito Processual Civil na Prática e suas Distorções", ed. 1 – São Paulo: LTr, 1999, p. 138, onde grafo que: "Advocacia é possuir uma postura crítica, auscultando-se a estrutura e a funcionalidade da norma, questionando se referido regramento está cumprindo o seu desiderato, é sair do mero e frio tecnicismo."

Todavia, para que se ocorra uma apreensão, com grau de profundidade sobre uma norma, o seu estudioso deverá colimar o anelo de seu alcance social, máxime diante da tergiversação que os modernos Estados têm se direcionado, ou seja, os mesmos, em nome de um virtual interesse público, amesquinham direitos de seus súditos, criando razões bem divorciadas do arcabouço jurídico, para que esta cortina de fumaça obumbre os olhares dos administrados, confundindo-os.

A lição doutrinária oriunda do jurista Alexandre Santos de ARAGÃO, [et. al], org. Daniel Sarmento, in "Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público", 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, pp. 02, 08/09, enfatiza que "o grande paradoxo da teoria alemã do Estado de direito, que enfraquecia a noção do seu controle: o Estado só se subordinava ao que ele próprio estabelecia, o que era considerado por Duguit como uma institucionalização da "barbárie" (...) se preocupar com os desvios que a excessiva subjetividade daquela metodologia pode trazer à decisão judicial, visando evitar que a mera invocação de valores metajurídicos como segurança nacional, combate à criminalidade, ao terrorismo, etc., possa tornar plausível qualquer decisão. Vejamos, a respeito, as advertências feitas por HUMBERTO BERGMANN ÁVILA: "Deixar de fazer as devidas distinções entre os argumentos pode levar à arbitrariedade argumentativa; e a arbitrariedade argumentativa conduz à não-fundamentação das premissas utilizadas na interpretação jurídica. Com efeito, tanto a ausência de definição dos argumentos utilizados, quanto a falta de diferenciação entre eles inserem, na interpretação jurídica, o germe da ambigüidade e, com ele, a fonte da arbitrariedade"" (parênteses e reticências não figuram no texto primígino, enquanto os grifos ao mesmo pertencem).

Bem por isso é que a Previdência Social, na verdade usando razões de Estado totalmente metajurídicas, deambula numa pseudo conduta com o viés de coibir crimes, já que constantes as fraudes advindas de seu próprio descontrole interno, pespegando aos olhares de seus beneficiários a figura emblemática de que, em exigindo a carteira profissional do advogado/estagiário, estaria impedindo virtuais delitos.

Essa falsa discricionariedade que os órgãos públicos vêm lançando mão, é bom que se diga, cria sério risco aos administrados, como bem pondera Daniel Sarmento, ob. cit., p. 96: "fato é que restrições a direitos fundamentais erigidas em termos muito vagos são consideradas inválidas, porque permitem ingerências imprevisiveis no âmbito de proteção do direito, conferindo ao aplicador da norma uma discricionaridade exagerada, que pode resvalar para o arbítrio. Elas fazem com que penda sobre a cabeça dos titulares dos direitos verdadeira "espada de Dâmocles", já que o cidadão só pode programar sua própria vida se souber de antemão quais são os limites para sua liberdade de ação consentidos pela ordem jurídica."


IV – Das conclusões.

Infere-se, com clareza, que:

a) é inacreditável que o INSS, autarquia federal que é, deslembre que o advogado/estagiário, possuinte de atividade socialmente relevante, tenha de permanecer em fila, ou, ainda, ver-se agraciado com fichas/senhas, quando no desempenho de sua labuta, como se o art. 7º, VI, c, da Lei nº 8.906/94, inexistisse no cenário normativo brasileiro;

b) é igualmente indesculpável que se obrigue o advogado/estagiário, ao ofertar recurso administrativo em nome de um seu constituinte, que tenha de arrolar não só o mandato, mas, também, xérox da carteira funcional, com vistas a se provar que é um operador do Direito, sob pena de, ao que parece, desde logo, senão restar escravizado a este ditame, ser alçado à vala da desconfiança;

c) é de todo aconselhável que a OAB, a nível da respectiva seccional, se ocorrentes uma das situações retromencionadas, utilize o caminho do mandado de segurança coletivo para extirpar essas malévolas situações, arrimando-se no art. 54, II, da Lei nº 8.906/94 e art. 5º, LXX, b, da Carta Política.

Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. A desvalia do advogado/estagiário perante a Previdência Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1465, 6 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10067. Acesso em: 22 nov. 2024.

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