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As re/construções do gênero feminino nos espaços de poder

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Agenda 08/11/2024 às 17:23

Conclusão

A partir da análise histórica da compreensão de gênero na história recente da humanidade, verificamos que houve a construção de papéis socioculturais45 em evidente desigualdade de poder, a qual, com maior ou menor intensidade a depender de marcadores sociais, está na origem da violência contra mulher.

Pois, representações desiguais de funções políticas eminentemente discriminatórias que reservam ao homem a primazia do espaço público de poder e relegam à mulher a subordinação do espaço doméstico privado geram relações de poder com valorações em sujeição, resultando em desigualdade e essa, por sua vez, em violência.

De fato, em verdade, a violência de gênero contra a mulher tem uma camada superficial que é importante, mas que não pode nos limitar: a camada da violência perceptível aos sentidos, seja ela física, seja moral, seja sexual, seja patrimonial ou ainda seja psíquica (todas não exaurientes da violência).

Verdadeiramente, a violência de gênero contra a mulher por razões contra o feminino46 é uma violência que tem sua parte de mais importante percepção de forma não aparente, a qual consiste no exercício da violência como exercício de poder, exatamente para manter a relação de poder desigual (existir para se manter).

Portanto, a violência existe não só para violar direitos, mas também para reafirmar a relação de poder desigual que autoriza e legitima a própria existência da violência, como podermos perceber a partir da análise da construção histórica, social e cultural de uma sociedade patriarcal e sexista.

Contudo, se tratamos de construções não inerentemente humanas47: se fomos ensinados moral, filosófica e historicamente que há uma naturalidade racional na inferioridade do gênero feminino, podemos reaprender a colocar a mulher como sujeito de direitos com direito à igualdade de gênero, como institui a Resolução 255 do CNJ48.

Finalmente, numa paráfrase da máxima atribuída ao Presidente sul-africano Nelson Mandela, se ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião [ou por seu gênero]. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar49.

Assim sendo, considerando que a re/construção dos modelos de feminino e de masculino é produto do aprendizado sociocultural, que sejamos todas e todos integrantes da cultura responsáveis pela reconstrução social, cultura e política do gênero feminino em fundamentos mais igualitárias, inclusive e principalmente dentro dos espaços de decisão como o Poder Judiciário. Afinal, bem expressou o cordelista Tião Simpatia:

Dizia o velho ditado; Que ninguém mete a colher. Em briga de namorado; Ou de marido e mulher; Não metia... agora, mete! Pois isso agora reflete; No mundo que a gente quer (grifo nosso)50.


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Sobre o autor
Nilson Dias de Assis Neto

Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, Diretor Adjunto do Departamento de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados da Paraíba, Coordenador Adjunto de Ensino à Distância da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, Mestrando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona, professor no ensino superior com experiência na área de Direito Público, especialmente Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS NETO, Nilson Dias. As re/construções do gênero feminino nos espaços de poder. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7800, 8 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100687. Acesso em: 22 dez. 2024.

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