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Sistema penitenciário brasileiro: aspectos sociológicos

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Agenda 23/12/1998 às 00:00

JUSTIÇA CRIMINAL ALTERNATIVA - ALTERNATIVAS PARA A PRISÃO


A prisão em si, é uma violência à sombra da lei. O problema da prisão tem sua raiz na estrutura econômica, política e social do país.

A legislação brasileira autoriza a aplicação de somente 03 tipos de penas alternativas: a prestação de serviços comunitários, a limitação de algum direito, e a reclusão no fim de semana. Porém, apenas 1.2% dos condenados brasileiros cumprem penas alternativas.

Na Inglaterra, o índice é de 50%. Nos EUA, 68% e na Alemanha, só 2% dos condenados estão na prisão, todos os outros cumprem penas alternativas.

O governo brasileiro está concluindo um projeto que amplia para 19 os tipos de penas alternativas, o que aumenta a possibilidade de sua aplicação para condenações de até 04 anos. O projeto resultaria na retirada de 44.000 presos das penitenciárias brasileiras.

O pretendido tratamento, a ressocialização, é incompatível ao encarceramento. O que se observa, em toda parte, é que a prisão exerce um efeito devastador sobre a personalidade, reforça valores negativos, cria e agrava distúrbios de conduta, é uma escola do crime.

O isolamento forçado, o controle total da pessoa do preso não podem constituir treinamento para a vida livre, posterior ao cárcere. Para tudo agravar, o estigma da prisão acompanha o egresso, dificultando seu retorno à vida social.

Congressos de especialistas, documentos internacionais de direitos humanos e vozes autorizadas de grupos, vem recomendando, incansavelmente, que se elimine, ou que se reduza drasticamente o aprisionamento de pessoas, substituindo-o por outros mecanismos, como a prisão provisória ou somente como medida de sanção.

Na 1ª Vara Criminal de Vila Velha - PR, o Juiz de Direito Dr. João Batista Herkenhoff, acolheu este clamor de ciência e humanidade reduzindo o aprisionamento de pessoas a casos extremos, de gravidade excepcional, já pensando em realizar uma pesquisa sócio-jurídica, com base em sua experiência.



AS REBELIÕES


As prisões são cenários de constantes violações dos direitos humanos e consequentemente dos direitos dos presos. São freqüentes o enfrentamento entre presos e carcereiros, assim como brigas de ajuste de contas entre os próprios presos.

O desespero dos presos acaba gerando conflitos, onde milhares deles amotinam-se para exigir melhores condições de vida em troca da liberdade de reféns.

Há um pequeno número de delegados da Polícia Federal com treinamentos feitos em grupos tarimbados no exterior, como Swat americana, a SAS inglesa ou a GSG9, da Alemanha. Em alguns estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul, há grupos especializados, mas em geral, eles somente são chamados para dar palpite, nunca para comandar a cena.

As blitz ou "batidas" são realizadas periodicamente nas prisões com o intuito de retirar armas brancas, vulgarmente chamadas de "estoques" pelos presos.



CENSO PENITENCIÁRIO BRASILEIRO


A revista VEJA, publicada em 23 de outubro de 1996, apresenta em 1ª mão os resultados do censo penitenciário feito pelo Ministério da Justiça, sob a responsabilidade de Paulo Tonet Camargo, esclarecendo os principais problemas enfrentados pela atual realidade do sistema carcerário brasileiro: " são números horripilantes e vergonhosos, com dados estarrecedores. O senso mostra que os presos brasileiros são tratados feito animais" ressaltando que "a construção de penitenciárias, além do custo muito elevado, é um sistema comprovadamente ineficaz" e destaca:

- O país tem hoje 150.000 presos, 15% a mais do que em 1994, data em que fora realizada a última pesquisa;

- A massa carcerária cresce ao ritmo de um preso a cada trinta minutos;

- A AIDS prolifera entre os detentos com a rapidez de uma peste. Cerca de 10% a 20% dos presos estão contaminados. Um número tão assustador que o governo evita divulgá-lo para não provocar rebeliões;

- 48.4% dos seqüestradores presos estão no Rio de Janeiro - RJ;

- Os homens representam 95.5% da massa carcerária, e a maioria cumpre pena por assalto, furto ou tráfico de drogas.

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- Hoje existem 50.000 - homens e mulheres - estão confinados irregularmente em celas de delegacias e cadeias públicas.

- Há outro tipo de prisão irregular no brasil, mas o censo não tabulou, são aquelas pessoas que já deveriam ser libertadas embora continuem presas.

Uma pesquisa realizada em 1964, demonstra-nos que 90% dos ex-detentos pesquisados procuram trabalho nos 02 primeiros meses, após a conquista da liberdade. Depois de encontrarem fechadas todas as portas, voltaram a praticar novos delitos. Estudos mostram que, em média, 70% daqueles que saem das cadeias, reincidem no crime.

A questão para mais este problema é: Para um ex-preso, sem documentos, com antepassado criminal, viciados em nada fazer, rejeitados pela sociedade, o que resta?



ESTATUTO JURÍDICO DO PRESO


O art. 41 da LEP enuncia os direitos do preso. Os direitos humanos do preso estão previstos em vários documentos internacionais e nas Constituições modernas. A Constituição Brasileira nada cita em seu contexto, somente o Código Penal, em seu art. 38 que reza:

Direitos do Preso


Art. 38. O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

O preso não só tem deveres a cumprir, mas é sujeito de direitos, que devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. O recluso não está fora do direito, pois encontra-se numa relação jurídica em face do Estado, e exceto os direitos perdidos e limitados a sua condenação, sua condição jurídica é igual à das pessoas não condenadas. São direitos e deveres que derivam da sentença do condenado com relação a administração penitenciária.

Numa visão global da situação carcerária brasileira, hoje destacam-se dois grupos com as principais violências contra o preso:

1. Violência quanto à ilegalidade da prisão, ou duração excessiva da pena;

2. Violência quanto à maneira de execução da prisão;

No 1º caso, enquadram-se as prisões absolutamente arbitrárias, praticadas pela polícia: falta de documentos, prisão para averiguações, prisões correcionais, por suposta vadiagem, e por batidas ou blitz policiais; prisões que ultrapassam o cumprimento da pena; prisões que se prolongam por simples falta de conveniência do advogado; etc.

No 2º caso, enquadram-se: superlotação das celas; falta de higiene e sanitários; ociosidade dos presos; castigos arbitrários; o estupro; os espancamentos, maus tratos, torturas; etc.

Contemplando uma análise sociológica-política da prisão, constatamos que: os pobres e/ou negros constituíam quase que absolutamente o quadro de detentos. Só a prisão política atingiu, no Brasil, as famílias de classe média e superior. Os presos políticos contribuíram para que os presos comuns adquirissem a consciência de seus direitos humanos e deram repercussão à denúncia da barbaridade do sistema carcerário, sobretudo através de greves de fome e de livros publicados após a reconquista da liberdade. Hoje, o censo carcerário demonstra que 54% dos presos são brancos, 27.5% mulatos e 18.5% negros.

DI GENNARO e VETERE diferenciam os direitos inerentes ao "status" de cidadão dos direitos do preso: os presos conservam o gozo dos direitos civis e sociais que lhes competiam como cidadãos antes da condenação, cujo exercício não se torne materialmente impossível pelo estado da prisão.



DO TRATAMENTO REEDUCATIVO


A educação tem por objetivo formar a pessoa humana do recluso, segundo sua própria vocação, para reinserí-lo na comunidade humana, no sentido de sua contribuição na realização do bem comum.

O tratamento reeducativo é uma educação tardia do recluso, que não a obteve na época oportuna. A esse direito corresponde a obrigação da assistência educativa, prevista no art. 17 da LEP.

O legislador não adotou o termo "Tratamento Penitenciário", preferindo a denominação "Assistência Penitenciária" que, segundo o art. 10 da LEP, tem por objetivo a reinserção social do preso e prevenção da reincidência. São instrumentos do tratamento penal:
 

1. Assistência;

2. Educação;

3. Trabalho;

4. Disciplina.

O tratamento reeducativo é o termo técnico usado no Direito Penitenciário, na Criminologia Clínica e na Legislação Positiva da ONU. Segundo a concepção científica, o condenado é a base do tratamento reeducativo e nele observa-se: sua personalidade, através de exames médico-biológico, psicológico, psiquiátrico; e um estudo social do caso, mediante uma visão interdisciplinar e com a aplicação dos métodos da Criminologia Clínica. É ponto de união entre o Direito Penal e a Criminologia.

Com efeito, o tratamento compreende um conjunto de medidas sociológicas, penais, educativas, psicológicas, e métodos científicos que são utilizados numa ação compreendida junto ao delinqüente, com o objetivo de tentar modelar a sua personalidade para preparar a sua reincersão social e prevenir a reincidência.

"Não haverá desenvolvimento na personalidade do delinqüente sem condições materiais, de saúde ou proteção de seus direitos, bem como instrução escolar e profissional e assistência religiosa."



AS REALIDADES DO SISTEMA:


O criminologista Gresham Sykes, o qual é autor de "Sofrimentos no Cárcere", enumera que: o primeiro sofrimento do preso está na privação de liberdade; o segundo sofrimento é aquele no qual o preso está privado de todos os bons serviços que o "outro lado do mundo" oferece, o que poderia reeducá-lo naturalmente; o terceiro e maior sofrimento está na abstenção de relações heterossexuais; o quarto sofrimento é aquele em que o preso está submetido a regras institucionais designadas a controlar todo os seus movimentos; e o quinto e último sofrimento enumerado por Sykes é aquele causado pelo preso, ou seja, a cultura da prisão refletirá na cultura da sociedade, quando aquele levá-la consigo para fora do estabelecimento penal.

Sobre a autora
Danielle Magnabosco

acadêmica de Direito no Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGNABOSCO, Danielle. Sistema penitenciário brasileiro: aspectos sociológicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1010. Acesso em: 4 mai. 2024.

Mais informações

Este trabalho é parte da tese apresentada pela autora como trabalho da disciplina Sociologia Jurídica

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