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Regulamentação jurídica do acesso à biodiversidade

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13. Desenvolvimento e transferência de tecnologia

            A legislação estadual deve criar mecanismos que assegurem e facilitem aos pesquisadores nacionais o acesso e a transferência de tecnologias pertinentes para conservação e utilização sustentável da diversidade biológica ou que utilizem recursos genéticos.

            A regulamentação jurídica do acesso à biodiversidade é medida protetiva dos interesses sociais do povo brasileiro e nada mais conveniente do que garantir que a prospecção que se realiza em nosso patrimônio seja acompanhada por pesquisadores nacionais. A medida tem como objetivo desenvolver a tecnologia nacional. Para que tal desenvolvimento aconteça é necessário que o Poder Público tenha acesso às amostras de material obtido com a atividade de bioprospecção, bem como possa conhecer a tecnologia utilizada para manuseio dos recursos biológicos. Se a megadiversidade brasileira é riqueza, interessa ao povo brasileiro o domínio da tecnologia adequada à exploração sustentável de nossas riquezas naturais.

            O interesse do desenvolvimento tecnológico conduz a discussão novamente às portas da universidade. É na universidade que os pesquisadores brasileiros podem desenvolver as tecnologias indispensáveis à utilização sustentável dos nossos recursos genéticos. O acesso aos recursos genéticos conservados em universidades, a troca de informações entre os centros de pesquisa nacionais e a cooperação institucional para o desenvolvimento tecnológico são atividades que se conciliam com os interesses sociais maiores.

            Portanto, a legislação estadual que regulamenta o acesso aos recursos genéticos, embora deva considerar que as trocas de material entre as universidades constituem modalidades especiais de acesso, também deve saber estimular a cooperação institucional, atenuando as dificuldades para a pesquisa conjunta, de modo a promover o desenvolvimento nacional. Nos termos da Medida provisória, art. 19, a remessa de amostra de componentes do patrimônio genético é condicionanda e deve se materializar por Termo de Transferência de Material perante o CGEN.


14.Proteção do conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos

            O conhecimento tradicional das comunidades locais ou indígenas, muitas vezes, indica a utilização industrial de determinado recurso natural. O acesso a esses recursos importa verdadeira intervenção na cultura das comunidades que incorporaram às suas tradições conhecimentos sobre a potencialidade dos recursos naturais.

            É necessário reconhecer os direitos das comunidades locais de se beneficiar coletivamente por suas tradições e conhecimentos, bem como de serem devidamente compensadas pelo acesso aos recursos biológicos e genéticos, seja mediante a proteção conferida pelo direito de propriedade intelectual ou por outros mecanismos a serem previstos no contrato de acesso.

            Em respeito ao patrimônio cultural das comunidades locais ou indígenas, a regulamentação jurídica para o acesso aos recursos da biodiversidade deve assegurar a essas comunidades o direito de não permitir a coleta de recursos biológicos e genéticos e o acesso ao conhecimento tradicional em seus territórios, bem como o de exigir restrições a essas atividades fora de seus territórios, quando se demonstre que estas atividades ameacem a integridade de seu patrimônio natural ou cultural.

            Quando os conhecimentos, inovações e práticas desenvolvidas pelas comunidades locais ou indígenas resultarem de processos cumulativos de conservação e melhoramento da biodiversidade, nos quais não seja possível identificar um indivíduo responsável diretamente por sua geração, deve-se obedecer às regras específicas para direitos coletivos de propriedade intelectual.

            O respeito às comunidades locais ou indígenas talvez seja um dos maiores desafios à sociedade pós-moderna, que é conduzida pela lógica da globalização das oportunidades de ganhos. Lamentavelmente, o Brasil nunca se caracterizou por respeitar tais comunidades. Na Medida Provisória, a preocupação com as comunidades indígenas está consagrada nos artigos 8°, §§ 1° e 3°, 9°, 16, § 9°, inciso I, e 27.

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15. Conclusão

            De todo o exposto pode-se chegar às seguintes conclusões:

            a) A regulamentação jurídica do acesso à biodiversidade, em todas as suas peculiaridades, é exigência de garantia aos interesses maiores de cada sociedade. A biodiversidade constitui o maior patrimônio do Brasil e este fato é francamente conhecido pelos países em adiantado estágio de desenvolvimento.

            b) O patrimônio genético não é bem da União.

            c) Os Estados-Membros não podem se sujeitar a uma intervenção abusiva da União no que diz respeito à regulamentação jurídica do acesso aos componentes do patrimônio genético. No exercício de sua competência legislativa concorrente, cada Estado-Membro da Federação brasileira deve estabelecer os mecanismos de proteção dos recursos naturais existentes nos limites de seu território.

            d) A atividade de bioprospecção, devido à potencialidade dos impactos produzidos, deve ser autorizada mediante processo administrativo regular de licenciamento ambiental, no qual se estabeleça como condições os cuidados com o meio ambiente e a repartição justa dos benefícios decorrentes da exploração econômica dos componentes do patrimônio genético.


Referências Bibliográficas

            BRASIL. Medida Provisória nº 2.052, 21 jun. 2000.

            BRASIL. Medida Provisória nº 2.186-16, 23 ago. 2001.

            CORREA, Carlos M. Indústria farmacêutica y biotecnológia: oportunidades y desafíos para los países en desarollo. Comércio Exterior. México, v.4, n.11, 1992.

            HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

            CARVALHO NETO, Menelick e outros. Delimitacão do quadro de pressupostos norteadores do trabalho de sistematização da legislação ambiental do Estado de Minas Gerais. Texto não publicado, de responsabilidade da Equipe de Consultoria Técnica constituída para dar apoio ao Grupo Parlamentar instituído pela Mesa da Assembléia Legislativa para coordenar o trabalho de consolidação da legislação estadual, elaborado em outubro de 1998, sob a orientação do Prof. Menelick de Carvalho Neto, da UFMG.

            VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade intelectual de setores emergentes. São Paulo: Atlas, 1996.

            SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1994.

            SILVA, Marina, SILVA, Fernando A. Lyrio e ARCANJO, Francisco Eugênio M. A biodiversidade e o jogo do poder. Brasília: http://www.senado. gov. br/ web/senador/marinasi/marinasi.htm.


Notas

            01

Acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPs, segundo sigla em inglês). Entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995 e obriga a todos os Estados-Membros da OMC. Implica obrigações em sete categorias dos direitos de propriedade intelectual e em todos os campos da tecnologia.

            02

VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade intelectual de setores emergentes. São Paulo: Atlas, 1996, p.165.

            03

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1994, p.718-719.

            04

CORREA, Carlos M. Indústria farmacêutica y biotecnológia: oportunidades y desafíos para los países en desarollo. Comércio Exterior. México, v. 4, n.11, 1992, p.1009.

            05

CORREA, Carlos M. Op. cit., p.1009.

            06

Conforme o inciso VII, do art. 7° da MP, deve-se entender por bioprospecção a atividade exploratória que visa identificar componentes do patrimônio genético e informações sobre o conhecimento tradicional associado, com potencialidade de uso comercial.

            07

Conforme o inciso III, do art. 7° da MP, por comunidade tradicional, local ou indígena, deve-se entender todo grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e econômicas.

            08

Regras para Acesso Legal ao Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado do CGEN, disponível em http://www.mma.gov.br/port/cgen/doc/cartilha.pdf.

            09

VARELLA, Marcelo Dias. Op. cit., p.147-148.

            10

VARELLA, Marcelo Dias. Op.cit., p.143-144.

            11

SILVA, Marina, SILVA, Fernando A. Lyrio e ARCANJO, Francisco Eugênio M. A biodiversidade e o jogo do poder.Brasília:http://www.senado.gov.br/web/senador/marinasi/marinasi.htm.

            12

HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p.366.

            13

CARVALHO NETO, Menelick de e outros. Delimitacão do quadro de pressupostos norteadores do trabalho de sistematização da legislação ambiental do Estado de Minas Gerais. Texto de responsabilidade da Equipe de Consultoria Técnica constituída para dar apoio ao Grupo Parlamentar instituído pela Mesa da Assembléia Legislativa para coordenar o trabalho de consolidação da legislação estadual, elaborado em outubro de 1998, sob a orientação do Prof. Menelick de Carvalho Neto, da UFMG, p.3.

            14

HORTA, Raul Machado. Op. cit., p.367.

            15

STF – Ag. Rg. no AI 147.111-6 – RJ – 2ª T. – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 13.08.1993; e STF – RE 144.884-9 – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 07.02.1997.

            16

A Resolução nº 234/99 foi publicada no Minas Gerais nº 197, de 16 de outubro de 1999, Caderno I, p.01.

            A comissão encarregada do anteprojeto foi constituída pelos Drs. Antonio Joaquim Fernandes Neto, Cleines de Faria e Silva, Edna Cardoso Dias, Fernando Galvão da Rocha, Floriano Bernardino da Costa Santos, Geraldo de Faria Martins da Costa, José Aleixo Ribeiro, José Alfredo Baracho Júnior, Menelick de Carvalho Neto e Sérgio Augusto Dias Florêncio.

            17

A Medida Provisória é regulamentada pelo Decreto nº 3.945 de 2001.

            18

Por provedor de recursos genéticos deve-se entender a entidade que está capacitada, segundo os termos da lei estadual e por meio de contrato de acesso, para participar do processo decisório a respeito do provimento do recurso genético ou material genético.

            19

O laudo pericial está disponível na Internet, site http://200.198.62.9/cppc/.
Sobre o autor
Fernando Antonio Nogueira Galvão da Rocha

juiz civil do Tribunal de Justiça Militar, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Fernando Antonio Nogueira Galvão. Regulamentação jurídica do acesso à biodiversidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1465, 6 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10103. Acesso em: 23 dez. 2024.

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