1 INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1998, acrescentou o parágrafo 3º ao art. 114, estabelecendo a competência da Justiça do Trabalho para executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a" e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. Tal competência abrange apenas as contribuições sociais cujo fato gerador esteja inserido na matéria de competência da Justiça do Trabalho (CF, art. 114), ou seja, advindas da relação patrão/empregado.
As contribuições do empregador, aqui denominadas de contribuições "patronais", são aquelas incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe presta serviço, mesmo sem vínculo empregatício, como é o caso dos trabalhadores avulsos, os quais, apesar de não terem vínculo de emprego, também se inserem na competência da Justiça do Trabalho (art. 643 e 652, alínea "a", inciso V, da CLT). Já as devidas pelo trabalhador são extraídas da sua remuneração pelo empregador e por este recolhidas ao INSS.
Cumpre ressaltar que essa competência da Justiça do Trabalho abrange tão somente as espécies "previdenciárias", ou seja, aquelas devidas ao INSS, e decorrentes das sentenças que proferir, não se estendendo, portanto, às contribuições devidas à SRF (COFINS, CSLL, PIS, etc.), pois estas não se incluem em matéria trabalhista. Com isto, podemos afirmar, como, aliás, faz Machado Jr. (2002: p. 674), que, "de agora em diante, temos duas competências para a execução das contribuições sociais. Uma, genérica, da Justiça Federal, e outra, da Justiça do Trabalho, quanto às contribuições sociais derivadas das sentenças que proferir".
2 A JUSTIÇA DO TRABALHO COMO ÓRGÃO DE ARRECADAÇÃO
Com a EC nº 20/98, sanou-se um problema que se arrastava desde a vigência da Lei nº 7787, de 30/06/89. Esta previa o recolhimento incontinenti das contribuições previdenciárias na extinção dos processos trabalhistas. Veio a Lei nº 8212, de 24/06/91, que cuida da Organização da Seguridade Social e institui o Plano de Custeio, e no seu art. 43, com a nova redação dada pela Lei nº 8620, de 05/01/93, previa e ainda prevê que "nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social".
O parágrafo único do mencionado artigo, acrescentado pela Lei nº 8620/93, dispõe que "nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado".
A princípio, a grande discussão era quanto ao juiz poder ou não exigir a contribuição, no sentido de cobrá-la nos próprios autos. Essa polêmica não teve muita duração, pois esbarraria na questão da competência estabelecida no art. 114 da Constituição Federal. E aí restaria obstado o intento do legislador ordinário de otimizar o recolhimento das contribuições sociais constantes de processos trabalhistas, simplesmente por não constar tal procedimento do rol de competência do Juiz do Trabalho. Competia-lhe velar pelo pagamento da contribuição, fiscalizar (art. 44, da Lei nº 8.212/91), porém, jamais exigi-la. E isso, diga-se de passagem, não fazia qualquer sentido no plano da realidade prática, porquanto, pela falta de um simples comando do magistrado, que não o prolatava por não lhe ser outorgado poder, o crédito previdenciário, de tão elevada relevância social, arrastar-se-ia por tempo indefinido.
Nesse contexto, o grande objetivo da norma constitucional reformadora era atribuir efeitos práticos à norma e ao Judiciário Trabalhista, enfatizando a função do juiz de colaborar com o Poder Executivo no tocante ao interesse público e, sobretudo, buscando suprimir a tão combatida sonegação fiscal. Se a norma é "atravancadora" (Carrion: 2001, p. 475), se ainda falta algo a ser feito, ou se pecou a referida Emenda Constitucional determinando a execução de oficio pelo juiz, ou em não prevendo sua complementação por lei ordinária, estas são outras questões – que hão de ser objeto de novas reformas até que se chegue a um aspecto satisfatório do ponto de vista jurídico. No entanto, neste comenos, o que ressaltamos é a questão da "competência" em muitas das vezes operar como obstáculo para a real efetivação das leis, tornando-as sem préstimos, quando sabemos que não faz sentido uma norma desprovida dos seus respectivos efeitos práticos, servindo tão somente como empecilho na vida das pessoas ou, ainda, como abrigo àqueles que vivem a investigar as possíveis brechas das leis para se locupletar.
Assim, não se pode negar a grande importância da Justiça do Trabalho em mais um dos seus papéis sociais – desta feita, arrecadando, a custo zero, montantes consideráveis para a Previdência Social.
3 REGRAS GERAIS SOBRE EXECUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PELA JUSTIÇA DO TRABALHO
Antes da EC nº 20/98, os Juízes do Trabalho não tinham muito o que fazer quanto às contribuições sociais devidas. Conforme anotamos no item anterior, a previsão contida no art. 44 da Lei 8212/91 se restringia à simples atribuição ao Juiz do Trabalho de velar pelo pagamento da contribuição, ou seja, o papel de fiscalizar. No máximo, era expedida comunicação ao INSS sobre as decisões judiciais, para que este procedesse à eventual cobrança.
O novo regramento, a princípio, trouxe grande dúvida no tocante à sua eficácia, muitos defendendo tratar-se de norma de eficácia plena, e outros tantos, de norma de eficácia limitada. A questão foi superada com a edição de Lei nº 10035, de 25/10/2000. Esta inseriu importantes alterações na CLT: acrescentou o parágrafo único ao art. 831; os §§ 3º e 4º ao art. 832; o parágrafo único ao art. 876; o art. 878-A; os §§ 1º-A, 1º-B e § 4º ao art. 879, e alterou a redação do art. 880, todos da CLT.
Das inovações introduzidas, uma requer particular atenção. Diz respeito à possibilidade do INSS interpor recurso contra acordos realizados perante o Juiz do Trabalho, nos termos do parágrafo único do art. 831, uma vez que tais acordos, de regra irrecorríveis, não o serão para a Previdência Social quanto às contribuições sociais que lhe forem devidas, impondo que se intime o INSS, por via postal, das decisões homologatórias de acordos que contenham parcelas indenizatórias (art. 832, § 4º, da CLT).
A mencionada previsão legal veio para coibir certas irregularidades praticadas com base na não incidência de contribuições previdenciárias sobre parcelas indenizatórias, inspirando os patrões a formalizar acordos com seus ex-empregados, fazendo constar, literalmente, do termo do acordo, apenas parcelas de natureza indenizatória, excluindo possíveis débitos de natureza salarial, ou seja, transformavam parcelas de incidência tributária (salariais) em parcelas de não incidência (indenizatórias) esquivando-se das contribuições sociais. Agora, com o § 4º do art. 832 da CLT, sempre que o acordo contiver parcela indenizatória, o INSS será intimado para, querendo, recorrer, em discordando da natureza jurídica atribuída a tais parcelas.
Reforçando ainda mais essa idéia, o legislador estabeleceu que não apenas as decisões homologatórias, mas também as cognitivas, deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação, inclusive, se for o caso, o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da respectiva contribuição previdenciária (art. 832, § 3º, CLT).
De todo modo, em não se manifestando o INSS no prazo legal, ou após o trânsito em julgado, os créditos previdenciários devidos em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, serão executados ex officio, como prevê o parágrafo único do art. 876, da CLT, devendo as Varas do Trabalho encaminhar ao INSS, mensalmente, cópias das GPS (Guia da Previdência Social) relativas aos recolhimentos efetivados nos autos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A execução das contribuições sociais a cargo da Justiça do Trabalho terá sempre como base um título executivo judicial, constante de uma sentença ou de um acordo homologado. No que toca à sentença (ou acórdão), não vemos muito problema, pois se trata de um julgamento conforme o conteúdo dos autos e a convicção do julgador. Porém, quanto aos acordos judiciais, os quais ainda se mantêm com a força de coisa julgada entre as partes (CLT, art. 831), e também prosseguem como fim precípuo da Justiça do Trabalho sob o manto da conciliação, vemos com certa reserva.
A questão se inicia no abuso dos empregadores na proposição de acordos. Segue pela inocência ou conluio do obreiro, passa pelo magistrado menos atento e esbarra nos princípios específicos do Direito do Trabalho e do Direito Tributário, nos princípios gerais do Direito e na norma legal (CLT, art. 9º). Sim, pois apesar de se buscar a todo custo a conciliação entre as partes, há que se observar o princípio da proteção, ícone principal do Direito do Trabalho, e a impossibilidade de renúncia por parte do trabalhador [01].
Assim é que, sob o manto da transação, o trabalhador abre mão de parcelas, muitas das vezes até mesmo incontroversas, e a lide culmina num acordo homologado. Ressalte-se que a transação, diferente da renúncia, é admitida, pois se tratam de concessões mútuas. Porém, cumpre lembrar que só podem ser objeto de transação direitos patrimoniais de caráter privado (CC, art. 841), o que a torna impossível quando envolver pleitos sobre os quais incidem contribuições sociais, haja vista o interesse público.
Outro obstáculo à transação sobre verbas que integram o salário-de-contribuição do empregado, corroborando o entendimento já esposado, é a natureza jurídica das contribuições sociais, definida por diversas teorias [02], predominando a teoria que a qualifica como espécies tributárias, tratando-se, portanto, as verbas salariais, indiscutivelmente, de direitos indisponíveis, sendo nulo qualquer acordo envolvendo-as. Daí, a razão do crescente número de demandas patrocinadas pelo INSS, quase sempre trazendo prejuízos, face aos valores discutidos. Para tal problema não vemos outra solução senão a estrita observância do Direito, condicionando-se as homologações de acordos judiciais somente sobre parcelas indenizatórias, posto que sobre estas não incidem contribuições sociais.
5 REFERÊNCIAS
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DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 2 ed. São Paulo: LTR, 2003.
FELIPE, J. Franklin. Previdência social na prática forense. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
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HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário, 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2002.
LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de Direito do Trabalho e Processo Trabalhista. 9. ed. São Paulo: LTr, 2000.
MACHADO JR, C. P. S. A execução das contribuições previdenciárias. In.: BARROS, Alice Monteiro de (Coord.). Compêndio de Direito Processual do Trabalho, 3. ed. São Paulo: LTr, 2002.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MALTA, Christóvão Piragibe Tostes. Prática do Processo Trabalhista. 30. ed. São Paulo: LTr, 2000.
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MAXILILLIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
Notas
01 Amauri Mascaro Nascimento, Iniciação ao Direito do Trabalho. 29 ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 287.
02Sérgio Pinto Martins (2002, p. 90) estuda as seguintes teorias que buscam definir a natureza jurídica das contribuições para a seguridade social em: teoria do prêmio de seguro; teoria do salário diferido; teoria do salário atual; teoria fiscal; teoria parafiscal e teoria da exação "sui generis".