9. Conclusões:
1ª. O serviço de call center (teleatendimento), se devidamente estruturado, pode ser utilizado como meio útil para recebimento de queixa e pedidos de cancelamento, mas não pode ser a forma exclusiva de atendimento oferecido pelas operadoras de telefonia móvel, uma vez que normas regulamentares da Anatel impõem a obrigatoriedade de disponibilizarem serviço de atendimento pessoal (postos de atendimento ao público) aos seus usuários.
2ª. Ainda que não houvesse norma regulamentar estabelecendo essa obrigação, as operadoras teriam que disponibilizar, ao menos, postos de atendimento pessoal para os consumidores hipossuficientes (idosos, portadores de deficiência física e gestantes), por força do art. 2º. da Lei 10.048/00, que exige que as prestadoras privadas de serviço público dispensem tratamento diferenciado e prioritário a essa categoria específica de consumidores.
3ª. A utilização de "células de retenção" em sistemas de teleatendimento (call center), com funções de fidelização de clientes, configura prática comercial abusiva.
4ª. O Judiciário pode intervir para impor às operadoras de telefonia móvel o dever de oferecimento de postos de atendimento público e para obrigar que eliminem as "células de retenção" dos sistemas de call center.
Notas
01 Agência criada pela Lei 9.472, de 16 de julho de 1997 (art. 8o.).
02 O art. 5º. do Anexo à Resolução n. 316 de 2002, da Anatel, estabelece que "O SMP é prestado em regime privado, e sua exploração e o direito de uso das radiofreqüências necessárias dependem de prévia autorização da ANATEL".
03 Como explica Roberto Fontes Frederici Filho, em artigo publicado no site www.teleco.com.br, intitulado "A Regulação nas Telecomunicações Brasileiras e o Projeto de Lei n. 3.334 de 2004".
04 A doutrina costuma distinguir os serviços públicos em serviços essencialmente públicos e de utilidade pública. Os primeiros seriam aqueles que não admitem a transferência de sua execução, já os de mera utilidade pública podem ser transferidos, por contrato (concessão) ou ato unilateral (permissão ou autorização), para que sua execução seja feita por particulares, delegados que os presta em seu nome e por sua própria conta e risco, mas sempre sob a regulamentação e controle estatal. A transferência da execução de serviços públicos (de utilidade pública ou de interesse público) a agentes privados, na condição de delegados (concessionários, permissionários ou autorizatários), não desvirtua a natureza pública do serviço, tanto que continua sendo regulamentado e mantido sob o controle do Poder Público. Por conseqüência, o serviço continua sendo público ou de utilidade pública, apenas descentralizada sua execução. O fato de tais serviços serem delegado a terceiros, estranhos à Administração Pública, não retira do Estado o seu poder de regulamentá-los e controlá-los, exigindo sempre atualização e eficiência.
05 O art. 128 da Lei n. 9.472/97 consagra o princípio da intervenção mínima do Estado em relação aos serviços de telecomunicações explorados sob o regime privado, nesses termos: "Art. 128 – Ao impor condicionamentos administrativos ao direito de exploração das diversas modalidades de serviço no regime privado, sejam eles limites, encargos ou sujeições, a Agência observará a exigência de mínima intervenção na vida privada, assegurando que: I- a liberdade será a regra, constituindo exceção as proibições, restrições e interferências do Poder Público".
06 A própria definição do SMP, contida no art. 4º. do Anexo da Resolução 316 da Anatel deixa claro ser esse serviço de interesse público. A redação do artigo mencionado é a seguinte: "Art. 4º Serviço Móvel Pessoal - SMP é o serviço de telecomunicações móvel terrestre de interesse coletivo que possibilita a comunicação entre Estações Móveis e de Estações Móveis para outras estações, observado o disposto neste Regulamento.
07 O art. 1º. do Anexo da Resolução 316 da Anatel estabelece que "A prestação do Serviço Móvel Pessoal - SMP é regida pela Lei n.º 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações - LGT, por este Regulamento, por outros Regulamentos e Normas aplicáveis ao serviço.
08 O Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) é o serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia. São modalidades do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral o serviço local, o serviço de longa distância nacional e o serviço de longa distância internacional.
09 Como já tivemos oportunidade de fundamentar em item anterior.
10 A transferência ao particular da execução dos serviços de telecomunicações pode assumir diferentes formas de delegação, dependendo do regime jurídico do serviço descentralizado. A Lei n. 9.472/97 cuidou da classificação quanto ao regime da prestação dos serviços de telecomunicações em seu art. 63, dividindo-os em dois tipos: o público e o privado. Naquele os serviços são prestados em regime de concessão ou permissão (art 63, parágrafo único), enquanto no regime privado o serviço é prestado mediante autorização (art 131). Como o serviço de telefonia fixa (STFC) é prestado sob a égide do regime público, as operadoras recebem concessão para a prestação desse serviço; já as operadoras de telefonia móvel (SMP) recebem uma mera autorização do Poder Público. Essa diferença de espécie da delegação não impede concluir que os serviços cuja execução é transferida ao particular mantenham a natureza pública (as características de utilidade ou interesse público), o que justifica a similitude na imposição de obrigações de atendimento aos usuários.
11 É importante observar que, embora o dispositivo se refira a concessionárias de serviços públicos, pretende abranger com essa expressão qualquer empresa privada que execute ou preste um serviço de interesse público.
12 O art. 12 do Anexo da Res. 316/2002 (Regulamento do SMP) estabelece que: "A prestadora deve cumprir as metas de qualidade fixadas no Plano Geral de Metas de Qualidade para o SMP (PGMQ-SMP), bem como nos respectivos Termos de Autorização".
13 Em ação civil pública que tramitou na 32ª. Vara Cível do Recife (proc. n. 001.2007.001.2005.022784-6), a operadora de telefonia móvel BSE S.A. (CLARO) informou, em sua peça de contestação, que no mês de fevereiro deste ano, o percentual de usuários que desistiu do cancelamento, depois de passarem pela "célula de retenção", foi de 78% (setenta e oito por cento).
14 A regra geral de abusividade em relação às cláusulas contratuais é complementada pelo § 1º. e incisos do art. 51 do CDC, que indica (nos seus incisos I a II) o que se presume ser uma vantagem exagerada.
15 Redação atribuída ao caput do art. 39 do CDC pela Lei n. 8.884, de 11.6.94.
16 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
17 Uma versão em português do texto dessa Diretiva pode ser acessado em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/oj/2005/l_149/l_14920050611pt00220039.pdf
18 O art. 5º., item 2, da Diretiva Européia 2005/29/CE, que define o que é considerado prática comercial desleal, tem a seguinte redação:
"2. Uma prática comercial é desleal se:
a) For contrária às exigências relativas à diligência profissional;
e
b) Distorcer ou for susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afecta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores".
19 Para possibilitar a aferição de uma determinada prática comercial como abusiva ou não, a doutrina européia se vale do conceito de consumidor médio (average consumer) como o consumidor padrão, afastando qualquer outro conceito relacionado à idéia de consumidor vulnerável ou consumidor atípico. Esse modelo de consumidor, que é uma expressão do princípio da proporcionalidade e tem sido utilizado pela Corte Européia de Justiça, aplica-se quando a prática comercial alcança a generalidade dos consumidores. Ele, no entanto, pode ser temperado quando a prática comercial atingir um grupo particular de consumidores (com, p. ex., crianças), hipótese em que o membro médio desse grupo específico é que deve ser considerado. Esse sistema de adoção do conceito de "consumidor padrão médio" facilitará o trabalho dos tribunais, quando tiverem de definir a natureza de uma determinada prática comercial, na medida em que confere os meios para se levar em consideração relevantes aspectos sociais, culturais ou lingüísticos de um determinado grupo de consumidores.