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A proteção da união homossexual no direito internacional

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Agenda 16/08/2007 às 00:00

1 – Introdução

Como preleciona Maria Berenice Dias, os países podem ser classificados em três grandes grupos quanto ao tratamento jurídico deferido ao comportamento homossexual, em seus variados aspectos. Neste sentido, há os países repressores, que ainda criminalizam e punem duramente a conduta homossexual; os indiferentes, que, embora não punam, tampouco implementam medidas favoráveis à causa; e os avançados, que adotam deliberadamente ações afirmativas, conquanto em graus distintos, para a promoção de direitos relativos à população homossexual (DIAS apud FERNANDES, 2004, p. 116).

Neste sentido, passa-se agora a analisar os principais avanços e mecanismos jurídicos que estão sendo adotados ao redor do globo no sentido de implementar a cidadania desta parcela vulnerável da população. Independentemente da cultura ou do grau de desenvolvimento econômico ou tecnológico de um povo, nele existirão homossexuais. E em praticamente todos os povos, em maior ou menor escala, essa parcela da população tem direitos negados em função de sua orientação sexual.

Como se verá, os países caminham gradualmente para o reconhecimento de efeitos jurídicos e para a tutela das uniões homossexuais, indo desde a negativa de direitos – passando pela viabilização de mecanismos de registro de uniões estáveis – até a própria permissão para o casamento, o que só acontece, até a conclusão deste trabalho, na Holanda, na Bélgica, na Espanha, no Canadá, na África do Sul e no estado norte-americano de Massachusetts.

A análise que se faz neste capítulo justifica-se por trazer à baila os avanços que tem sido perpetrados pelo mundo afora, a fim de arejar a discussão no Brasil e, porventura, oferecer subsídios para que o país possa dar melhores soluções à problemática dos direitos oriundos da união homoafetiva.

Isso porque as afinidades do Direito de Família no Ocidente são tão evidentes, que alguns autores já ousam propor uma unificação deste ramo do Direito nos países capitalistas industrializados. Neste particular, a observação da evolução dos direitos conferidos aos homossexuais no plano internacional pode oferecer valiosos parâmetros para a implementação desta proteção também em nosso país.

[...] dos anos 1960 para cá, nos países ocidentais, houve uma verdadeira revolução, para eles "um tornado que sopra de todos os horizontes, do Leste, quando era socialista, do Norte, países escandinavos e do Oeste, países anglo-saxões" que abalou a sociedade francesa tradicional. Assim, dizem, rebaixou o marido, igualou a mulher e os filhos, desestabilizou o casamento. Observam que não é fenômeno apenas da França, mas dos países industrializados e dizem que hoje poderia haver a unificação do direito de família, ao menos para os países ocidentais. Já a unificação do direito das obrigações fica para depois (MALAURIE E AYNÉS apud GLANZ, 2005, p. 27).

A revolução por que tem passado a família, a partir da década de 60, tem trazido conseqüências semelhantes na Europa e nas Américas, de modo a indicar que seria natural e desejável que as conquistas perpetradas por um povo, no campo do Direito Familiar, fossem assimiladas pelos demais, obviamente, adequando-se as mudanças a cada realidade regional.


2 - O casamento entre pessoas do mesmo sexo: the same sex marriage

Poucos países ocidentais, cultores do direito à liberdade e à diferença, ousaram normatizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Oficializando sua união perante o Estado, estes países dão um corajoso passo à frente e passam a permitir a tutela de direitos em função do laço matrimonial, tornando obsoleta e desnecessária a chicana processual probatória da união estável ou do esforço comum para a garantia de alguns direitos.

Ao redor do mundo, vale ressaltar, tal casamento tem recebido diferentes denominações:

Same-sex marriage

is the
union of two people who are of the same biological sex, or gender. Other, less common, terms include "gender-neutral marriage", "equal marriage", "gay marriage", "lesbian marriage," "homosexual marriage", "same-gender marriage", or simply "marriage" (Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em <http:www.wikipedia.org>. Acesso em: 03 set. 2006).

Beto Jesus, do Instituto Edson Neris, em artigo publicado no site Mix Brasil, elenca os países que protegem o matrimônio entre homossexuais. Nestes países, o ordenamento jurídico confere ao casal homossexual, através do casamento, direitos praticamente idênticos aos dos casais heterossexuais. Dentre eles, destacam-se:

A Espanha é desde segunda-feira, 4/7, o terceiro país, depois da Holanda e Bélgica, que autoriza o matrimonio entre homossexuais. Uma lei similar no Canadá já foi aprovada na Câmara dos Comuns e deverá passar pelo Senado para entrar em vigor.

Holanda: em dezembro de 2002, o Senado aprovou uma lei que autoriza o matrimônio civil homossexual e o direito de casais do mesmo sexo adotar crianças, a condição é de que sejam de nacionalidade holandesa.

Bélgica: a lei que autoriza os matrimônios entre os homossexuais entrou em vigor em 1º de junho de 2003. Desde fevereiro de 2004 se aplica aos estrangeiros. Para que uma união seja válida, basta que um dos cônjuges seja belga ou resida na Bélgica. Os casais homossexuais têm os mesmo direito que os heterossexuais, especialmente em matéria de herança e de patrimônio, mas não podem adotar crianças.

Canadá: A Câmara dos Comuns de Ottawa aprovou em 28 de junho deste ano (2005) um projeto de lei que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo e lhes outorga o direito de adotar. Para que entre em vigor este texto deverá ser ratificado pelo Senado, formalidade que acontecerá antes do final de julho. Antes que se adote essa lei federal, a maioria das províncias canadenses autorizava a união entre os homossexuais.

[...]

Estados Unidos: somente um Estado, Massachusetts (noroeste dos USA), autoriza desde 2004 o casamento entre casais homossexuais. Vermount e Connecticut reconhecem as uniões civis e outorgam aos homossexuais alguns direitos similares dos casais heterossexuais. Em 2004 na Califórnia e em Oregon foram celebrados casamentos homossexuais que geraram uma viva polêmica antes de serem anulados pela Justiça (JESUS, Beto de. O casamento gay pelo mundo. Disponível em< http://www.mixbrasil.com.br>. Acesso em: 01 set. 2006).

A Holanda foi o primeiro país a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que é válido desde que um dos conjugues seja holandês ou pelo menos resida no país. Em 2002, homossexuais holandeses, que já podiam registrar suas uniões civis, passaram a poder casar-se ou converter sua união em casamento. Interessante notar a extensão dos mesmos requisitos e impedimentos do casamento a essa parceria registrada. A referida lei alterou o Código Civil holandês, inserindo nele, entre outros artigos, o dispositivo 30-1:

Preamble: considering that it is desirable to open up marriage for persons of the same sex and to amend Book 1 of the Civil Code accordingly; […] E – Article 30 shall read as follows: Article 30-1. A marriage can be contracted by two persons of different or of the same sex. 2. The law only considers marriage in its civil relations (MATOS, 2004, p. 96 –97).

A Bélgica foi o segundo país a implementar o casamento entre homossexuais, em 2003, estendendo o mesmo direito a casais nacionais ou àqueles em que pelo menos um dos futuros cônjuges tenha vivido pelo menos três meses em território belga.

Em 2004, o estado norte-americano de Massachusetts legalizou a união homossexual, com base na decisão de sua Suprema Corte, que julgou inconstitucional a permissão do casamento apenas a pessoas de sexos opostos, em virtude de uma ação movida por sete casais gays contra o Departamento de Saúde Pública. A decisão, passada em 18 de novembro de 2003, ganhou força de lei 180 dias depois, passando a permissão a vigorar em todo aquele estado a partir de 17 de maio de 2004.

Em seguida, a legalização veio da Espanha, no ano de 2005. Aprovada pelas Cortes Generales, a lei do casamento homossexual entrou em vigor no dia 2 de julho daquele ano, causando polêmica sobre a possibilidade de um espanhol, nato ou residente, desposar um companheiro de outra nacionalidade. Após análise pela Junta de Fiscales de Sala, foi publicada na imprensa oficial uma regra persmissiva do casamento binacional nos seguintes termos:

a marriage between a Spaniard and a foreigner, or between foreigners of the same sex resident in Spain, shall be valid as a result of applying Spanish material law, even if the foreigner''s national legislation does not allow or recognize the validity of such marriages (WIKIPEDIA,THE FREE ENCYCLOPEDIA. Disponível em < http://en.wikipedia.org/wiki/Same-sex_marriage_in_Spain#_note-8>. Acesso em: 05 set. 2006).

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No dia 20 de julho do mesmo ano, o Canadá legaliza casamento homossexual através do Civil Marriage Act, a aprovação nacional da bula C-38 (Bill C-38), proposta pelo governo liberal de Paul Martin. Assim, as uniões do mesmo sexo, que já vinham sendo judicialmente reconhecidas no nível das províncias desde 1999, foram trazidas à legalidade em todo o país.

A enciclopédia virtual Wikipedia confirma estes dados, apontando para o fato de que também a África do Sul implementará o casamento homossexual, a partir de dezembro de 2006:

In the late 1990s and early 2000s, opposing efforts to legalize or ban same-sex civil marriage made it a topic of debate all over the world. At present, same-sex marriages are recognized in the Netherlands, Belgium, Spain, Canada, and the U.S. state of Masachussetts for same-sex marriages performed within that state under its laws. On December 1, 2005, South Africa’s Constitutional Court extended marriage to include same-sex couples. The court mandated that changes go into effect by the end of 2006 (grifamos) (Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em <http:www.wikipedia.org>. Acesso em: 03 set. 2006).

Vale notar que, no ano de 2005, a Inglaterra também estendeu aos casais homossexuais o direito de oficializarem sua união perante o Estado. A lei, que foi publicada no dia 05 de dezembro daquele ano, passou por um curto período de vacatio, entrando plenamente em vigor no dia 19 do mesmo mês. Interessante frisar que a Inglaterra permite a oficialização da união binacional, desde que pelo menos um dos cônjuges tenha nacionalidade inglesa. O convivente estrangeiro, após um período de três anos, pode requerer a nacionalidade inglesa (CUSHMAN, 2005. Disponível em: <http: //mixbrasil.uol.com.br/ id/ politica/ casamento_ingles/ casamento_ingles.shtm>. Acesso em: 04 set. 2006).

Não obstante o governo inglês insistir em afirmar que não se trata, na verdade, de um casamento, mas tão somente da possibilidade de um registro de parceria civil, o casamento gay, segundo alguns, pode ser considerado instituído na Inglaterra, em face da análise dos efeitos jurídicos desta contratação e de seu registro:

Under the Civil Partnerships Bill to be published on Wednesday, same-sex couples will be able to sign a register held by the register office in a procedure similar to a marriage. Although the Government will insist it is not officially a ''marriage'' but rather a contract between two people, the fact that couples will have to announce their intentions beforehand in a similar way to the reading of the banns before a wedding reveals its true effect. (Disponível em < http:// www.guardian.co.uk /gayrights /story /0,12592,1179714,00.html >. Acesso em: 05 set. 2006).

Ronald Dworkin também manifesta-se favoravelmente à permissão de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Partindo dos pressupostos principiológicos da democracia, da dignidade da pessoa humana e da liberdade, Dworkin conclui que a proibição à formalização da união entre pessoas do mesmo sexo é inconsistente e se apóia em argumentos político- culturais altamente relativos:

The cultural argument against gay marriage is therefore inconsistent with the instincts and insight captured in the shared idea of human dignity. The argument supposes that the culture that shapes our values is the property only of some of us – those who happen to enjoy political power for the moment – to sculpt an protect in the shape they admire. That is a deep mistake: in a genuinely free society the world of ideas and values belongs to no one and to everyone. Who will argue – not just declare – that I am wrong? (DWORKIN, 2006. p. 7).

No Brasil, não se pode realizar o casamento de pessoas do mesmo sexo, mesmo se os nubentes forem ambos oriundos de país onde já se permita o casamento homossexual. Isso porque, além de o art. 1514 do CC definir a diversidade de sexos como requisito fático inarredável para a própria existência deste negócio jurídico, a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto lei nº 4.657/42, ou LICC) determina que aos casamentos realizados em nosso país aplique-se a lei brasileira relativa aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. [01]

Questiona-se, entretanto, se o casamento homossexual poderia ser realizado pelos consulados daqueles países onde já se permite essa celebração. A resposta poderia, em princípio, ser positiva, desde que ambos os nubentes fossem da mesma nacionalidade [02], caso contrário, tal casamento resultaria nulo, por ofensa à soberania brasileira. Doutrinando sobre o casamento consular celebrado no Brasil, Nadia de Araújo preleciona:

A possibilidade da realização de um casamento, segundo leis estrangeiras, remonta à ficção da extraterritorialidade das repartições diplomáticas, teoria concebida por Hugo Grotius no século XVII, mas abandonada no século XIX. Esta ficção de extraterritorialidade permanece no casamento consular, ao permitir-se, como única exceção à norma geral da lex loci celebrationis sua realização aqui segundo as leis de outro Estado (grifamos) (ARAUJO, 2006, p. 406).

Este casamento, para ter eficácia no Brasil, deveria ser levado a registro no Cartório de Títulos e Documentos, conforme art. 129, §6º, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) [03]. Não obstante, nem mesmo os consulados podem realizar o casamento homossexual, ainda que os nubentes sejam da mesma nacionalidade. Isto porque, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, da qual é signatário o Brasil, aqui promulgada pelo Decreto nº 61.078, de 26 de julho de 1967, determina que os consulados, em sua função notarial e registral, respeitem a lei do país receptor [04]. Por conseguinte, os consulados e as autoridades diplomáticas destes países, como a Bélgica ou a Espanha, não estão aptos a realizar o casamento de homossexuais em nosso país.

Nessa toada, não é demais lembrar que, pelo princípio internacional da Reunião Familiar [05], é direito da família viver em união, numa mesma pátria e sob um mesmo teto, independentemente da orientação sexual de seus membros. Nesses termos, o Conselho Nacional de Imigração (CNI) concede ao casal binacional em que um dos cônjuges seja brasileiro o visto de permanência no Brasil para o cônjuge de outra nacionalidade, desde que façam prova de seu matrimônio. Em Resolução Normativa de nº 36, datada de 28 de setembro de 1999, o CNI determina os requisitos para a concessão do visto permanente a estrangeiro [06].

Parece-nos que não deve haver óbice algum em estender o alcance desta resolução aos homossexuais casados no exterior, desde que um dos cônjuges seja brasileiro. Conforme se estudará mais à frente, se o visto de permanência, por força da Resolução n. 05/03 do CNI, pode ser conferido a casais homossexuais que comprovem tão somente a estabilidade de sua união, com muito mais razão deve tal visto ser franqueado aos casais que fizerem prova do matrimônio. Negar o visto de permanência, nestes termos, seria uma afronta aos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.


3 - A união civil entre pessoas do mesmo sexo: the same sex unions

Outra forma internacional de proteção aos direitos oriundos da união homossexual, dentre eles, os sucessórios, são as uniões civis. Tais uniões assemelham-se ao conceito de união estável do Direito brasileiro, podendo também ser chamadas de "parcerias civis" – civil partnerships, na Inglaterra –, "parcerias registradas" – registered partnerships, nos países escandinavos – ou "parcerias domésticas" – domestic partnerships, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Vale notar que união civil tem se mostrado gênero do qual fazem parte as espécies supramencionadas, que garantem, cada uma a seu modo, um rol mais ou menos semelhante ao dos direitos oriundos do casamento.

As parcerias civis, ou parcerias registradas, garantem aos conviventes a titularidade de uma série de direitos, similares aos oferecidos aos casais matrimonializados, tais como os direitos à herança, ao benefício da pensão por morte, à guarda do filho do companheiro, ao seguro de vida do parceiro, à adoção de um mesmo sobrenome, a acompanhamento hospitalar, dentre outros. Em alguns casos, o casal tem o direito à adoção conjunta, como na Suécia (WIKIPEDIA, THE FREE ENCYCLOPEDIA. Disponível em: <http// en.wikipedia. org /wiki / Civil_partnerships_in_the_United_Kingdom>. Acesso em: 05 set. 2006).

As parcerias domésticas, entretanto, são um pouco diferentes das parcerias civis. Trata-se de uma situação de fato, de vida em comum, de convivência more uxorio, estando ausentes quaisquer formas de oficialização do laço conjugal, embora seja facultada a utilização de Acordos de Parceria Doméstica, com o fim de regular relações pessoais e patrimoniais nos moldes do casamento. Para configurá-las, o casal que não dispuser de um Acordo de Parceria Doméstica precisa provar judicialmente a estabilidade e a durabilidade da convivência.

Autores apontam que, na Europa, embora a opção pela união livre talvez não se submeta nem mesmo aos pactos registrados, justamente porque tais casais de fato pretendem-se livres de amarras jurídicas explícitas, tais pactos têm obtido larga aceitação pelos casais homossexuais (GLANZ, 2005, p. 398).

A Dinamarca, já em 1989, foi o primeiro país a regulamentar a união civil entre homossexuais. Sob pressão de grupos gays militantes, os partidos socialistas propuseram um projeto de lei, que deu origem à registeret partnerskab: o registro oficial de uma união civil em que os conviventes não estivessem sujeitos aos estigmas de poder e dominação que ainda há no casamento. Eram, agora, partners: companheiros, parceiros. Tratava-se de um instituto sui generis, que atendia aos anseios da população homossexual, às voltas com problemas relacionados aos direitos habitacional e sucessório. O modelo dinamarquês, aos poucos, foi se difundindo por outros países da Europa (MATOS, 2004, p. 90 – 95).

A Espanha, antes de permitir o casamento homossexual, também regulamentou a união civil na região da Catalunha, através da Llei 10/98, de 15 de juliol, d´unions estables de parella. Aplicando-se-lhes as mesmas restrições que vigoram para o enlace matrimonial, a Catalunha permitiu o registro de uniões civis, e o fez independentemente da orientação sexual do casal. A lei, que estende efeitos patrimoniais até mesmo àqueles casais que optarem por manter o status de fato de sua relação, trouxe notáveis disposições quanto ao direito sucessório:

Artículo 33. Extinción por defunción. En caso de defunción de uno de los miembros de la pareja cuya convivencia conste, el superviviente tiene los derechos siguientes: a) A la propiedad de las prendas, del mobiliario y de los utensilios que constituyen el ajuar de la vivienda común, sin computarlos, si procede, en su haber hereditario. Sin embargo, no accede a la propiedad de los bienes que consistan en joyas u objetos artísticos o históricos, y otros que tengan un valor extraordinario considerando el nivel de vida de la pareja y el patrimonio relicto, en especial los muebles de precedencia familiar, de propiedade del conviviente premuerto o en la parte que le pertenezcan. b) A residir en la vivienda común durante el año siguiente a la muerte del conviviente. Este derecho se pierde si, durante el año, el interesado contrae matrimonio o pasa a convivir maritalmente con otra persona. c) A subrogar-se si el difunto era arrendatario de la vivienda, en los términos que establezca la legislación de arrendamientos urbanos (MATOS, 2004, p. 102).

Vê-se que, semelhantemente a lei brasileira, a lei espanhola conferiu ao companheiro supérstite direito aos bens móveis que usualmente guarnecem o lar do casal, direito real de habitação durante o ano seguinte à morte do companheiro, e direito a sub-rogar-se no contrato de locação do imóvel em que residiam, se seu titular era o falecido [07]. No artigo 34 desta lei, registram-se direitos relativos à sucessão ab intestato [08]:

Artículo 34. Sucesión intestada. En caso de defunción de uno de los miembros de la pareja de la cual consta la convivencia, el supérstite tiene, en la sucesión intestada los derechos siguientes: a) En concurrencia con descendientes o ascendientes, el conviviente supérstite que no tenga medios económicos suficientes para su adecuado sustento puede ejercer una acción personal para exigir a los herederos del premuerto bienes hereditarios o su equivalencia en dinero, a elección de los herederos, hasta la cuarta parte del valor de la herencia. También puede reclamar la parte proporcional de los frutos y las rentas de la herencia percibidos desde el día de la muerte del conviviente o de su valor en dinero. b) Sin no hay descendientes ni ascendientes del premuerto, en concurrencia con colaterales de éste, dentro del segundo grado de consanguinidad o adopción, o hijos o hijas de éstos, si han premeuerto, tiene derecho a la mitad de la herencia. c) A falta de las personas indicadas en el apartado b), tiene derecho a la totalidad de la herencia (MATOS, 2004, p. 103).

O referido artigo, como se vê, em muito se aproxima da atual sucessão do cônjuge no art. 1829 do Código Civil brasileiro, e da revogada sucessão do companheiro pela lei nº 8971/94. Em concorrência com ascendentes e descendentes, o companheiro homo ou heterossexual espanhol tem direito à quarta parte da herança. Concorrendo com colaterais, leva metade do acervo hereditário. Não havendo sucessores de nenhuma destas classes, leva a totalidade da herança [09].

Segundo Semy Glanz (2005, p. 400-401), também a França, em 1999, passou a proteger a união civil, independentemente do sexo do casal. No dia 15 de novembro daquele ano, por força da lei 99.944, os casais homossexuais ou heterossexuais puderam passar a registrar contrato regulando sua convivência: estava instituído o Pacte Civil de Solidarité (PACS), que em seu preâmbulo determina: "Art. 515-1. Un pacte civil de solidarité est un contrat conclu par deux personnes physiques majeures, de sexe différent ou de même sexe, pour organiser leur vie commune" (MATOS, 2004, p. 106).

Limitado pelos requisitos e impedimentos próprios do matrimônio, o PACS deve ser requerido conjuntamente pelo casal. Depois de registrado, é oponível erga omnes, e regulamenta direitos e deveres relativos à assistência mútua, ao regime de bens, e até mesmo às hipóteses de ruptura da união.

Atualmente, as uniões civis entre homossexuais são reconhecidas de forma desigual ao redor do globo. São países que passaram a reconhecer nacionalmente a possibilidade de formação oficial de uma das espécies das same sex unions: em 1989, na Dinamarca; em 1993, na Noruega; em 1994, em Israel; em 1995, na Suécia; em 1996, na Groenlândia, na Hungria e na Islândia; em 1999, na França e na África do Sul; em 2001, na Alemanha e em Portugal; em 2002, na Inglaterra; em 2003, na Croácia; em 2004, em Luxemburgo; em 2005, na Nova Zelândia e no Reino Unido; em 2006, em Andorra, na República Tcheca e na Eslovênia; e, a partir de 2007, na Suíça (WIKIPEDIA, THE FREE ENCYCLOPEDIA. Disponível em < http:// en.wikipedia.org /wiki /Domestic_partnership >. Acesso em: 04 set. 2006).

Outros países reconhecem expressamente a união civil entre casais homossexuais apenas em nível regional. Dentre eles, destacam-se: Estados Unidos, em 10 estados (1997); Argentina, em Buenos Aires e Rio Negro (2003); Austrália, na Tasmânia (2004); Itália, em dez regiões (2004); e o Brasil, no Rio Grande do Sul (2004).

No Brasil, foi o Provimento nº 06, de 17 de fevereiro de 2004, da Corregedoria-Geral de Justiça do TJ do Rio Grande do Sul que pacificou entendimento no sentido da possibilidade de registro de documentos relativos à convivência estável de duas pessoas maiores, independentemente do sexo dos conviventes (DIAS, 2006, p. 57). O dito provimento acresceu parágrafo único ao art. 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral do Rio Grande do Sul, que passou a vigorar nos seguintes termos:

Art. 215 – No Registro de Títulos e Documentos proceder-se-á ao registro:

I – dos instrumentos particulares, para a prova das obrigações convencionais de qualquer valor;

II – do penhor comum sobre coisas móveis;

III – da caução de títulos de crédito pessoal e da dívida pública federal, estadual ou municipal, ou de bolsa ao portador;

IV – do contrato de penhor de animais, não-compreendido nas disposições do art. 10 da Lei nº 492, de 30-08-34;

V – do contrato de parceria agrícola ou pecuária;

VI – do mandado judicial de renovação de contrato de arrendamento;

VII – facultativamente, de quaisquer documentos, para sua conservação.

Parágrafo único. As pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou oposição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na forma anteriormente referida também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito (grifamos) (TJRS. Disponível em < http://www. tj.rs.gov. br /legisla /indice_leg.html>. Acesso em: 10 set. 2006).

Como se viu, não se trata, em verdade, de um casamento. Em termos jurídicos, a união civil consiste, fundamentalmente, em um contrato de parceria, normalmente baseado em lei, pelo qual duas pessoas unidas estavelmente outorgam-se reciprocamente, e de forma oficial, direitos e deveres similares aos do casamento, inclusive os sucessórios [10]. É bom frisar que, em alguns países, o contrato de união civil pode também ser manejado por casais heterossexuais, conforme se infere do seguinte excerto:

A civil union is a legal partnership agreement between two persons. They are typically created for same-sex couples with the purpose of granting them benefits that are found in marriage. Some jurisdictions, however, also allow entry by opposite-sex couples. Unions that are similar to or synonymous with civil unions include civil partnerships, registered partnerships, and domestic partnerships. Some jurisdictions, such as the United Kingdom, have unions that on the paper are similar to marriage, while some only allow minimal reciprocal benefits (Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em <http:www.wikipedia.org>. Acesso em: 03 set. 2006).

As uniões civis, entretanto, podem também ser reconhecidas judicialmente, caso não haja uma maneira oficial de estabelecê-las por meio de contrato. È o que tem ocorrido com as parcerias domésticas (domestic partnership), nas quais a convivência more uxorio tem sido reconhecida pelos tribunais a fim de se assegurarem direitos patrimoniais sobre o acervo de bens amealhado pelo casal.

Some jurisdictions established domestic partnership relations by statute rather through judicial decisions. One of the purposes of domestic partnership relation is to recognize the contribution of one partner to the property of the other. In the common law, devices such as the constructive trust are available to protect spouses in legal or common-law marriages. In civil law jurisdictions, such trusts are generally not available, prompting courts to find alternative ways to protect the partner who contributes to the other''s property (Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em < http:// en.wikipedia.org /wiki /Domestic_partnership >. Acesso em: 04 set. 2006).

Neste sentido, até mesmo o Brasil enquadra-se no rol dos países mais avançados na tutela dos direitos dos casais homossexuais, como bem o tem demonstrado a jurisprudência mais recente dos tribunais pátrios, com destaque para o TJ do Rio Grande do Sul, conforme já demonstrado.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Vargas

advogado, mestre em Direito e Globalização pela UNINCOR/MG, professor de Direito Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARGAS, Fábio Oliveira. A proteção da união homossexual no direito internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1506, 16 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10266. Acesso em: 17 nov. 2024.

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