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A promotora, a juíza, a advogada e processo penal

Agenda 06/04/2023 às 11:10

Comentamos o caso da promotora que retirou-se de uma audiência de instrução na tentativa de convencer o réu a não seguir a estratégia traçada pela defesa referente ao seu silêncio parcial.

Quem, assim como eu, escolheu o Direito como profissão, já deve ter descoberto, ou logo descobrirá, que a redoma jurídica não tem espaço para covardia, sobretudo para o(a) advogado(a). Na semana que passou, uma Promotora ganhou fama ao retirar-se de uma audiência de instrução na tentativa ridícula de convencer o réu a não seguir a estratégia traçada pela defesa referente ao seu silêncio parcial.

Antes de tudo, registro meus parabéns a coragem e altivez da Advogada em manter a sua estratégia técnico-defensiva, mesmo diante da atitude arbitrária, abusiva e desrespeitosa do Parquet e a condescendência da juíza, de quem se espera, nessas circunstâncias, uma atitude mais enfática e combativa frente a tentativa de abuso de poder perpetrada.

De hoje em diante, caros colegas advogados(as), mais do que nunca, não devemos ceder aos caprichos delirantes e devaneios absurdos dessas autoridades públicas que julgam estar acima da lei. Esses sujeitos precisam ser cobrados do lugar de poder que ocupam e responsabilizados pelas atitudes que adotam. A igualdade formal entre juízes, promotores e advogados celebrada na Constituição Federal tem que começar a se materializar na labuta nossa de cada dia.

Vamos ao caso, após a Advogada informar ao juízo que o réu utilizaria de seu direito constitucional ao silêncio de forma parcial, a Promotora achou por bem interromper a Advogada e dizer que o réu responderia sim as perguntas dela ou que pelo menos ela as faria em audiência. A Juíza, embora não tenha assumido uma postura ativa de concordar com a Promotora, fez ressalvas em relação a consignar as perguntas em ata, para evitar uma futura nulidade e, segundo ela mesma, preservar a Promotora da acusação de abuso de autoridade. Ora, vocês conseguem imaginar essa postura de cuidado e complacência com a defesa? Eu também não, pelo contrário, a regra são as violações as prerrogativas da advocacia que vemos todos os dias.

A Promotora, se conseguisse seguir seu intento, poderia ter incurso nas iras do art. 15, parágrafo único, inciso I da Lei de Abuso de Autoridade. Nesse tipo penal, o elemento subjetivo é sempre o dolo, não havendo modalidade culposa.

O crime de abuso de autoridade é um crime próprio em relação ao sujeito ativo e passivo. Exige um especial fim de agir em relação ao elemento subjetivo, não sendo o elemento subjetivo geral suficiente para caracterizar o delito. Pode ser unissubsistente ou plurissubsistente a depender da modalidade, o que interfere também na admissão ou não da tentativa, assim como na consumação.

Não vou adentrar na celeuma se o réu pode ou não exercer o direito ao silêncio parcialmente, pois a questão já foi dirimida nas instâncias superiores e a jurisprudência do STF e STJ é assente no sentido de que ele pode responder as perguntas que lhe melhor aprouverem, de acordo com a estratégia defensiva. Ou seja, por falta de atualização ou mesmo desleixo, resolveu a Promotora, na audiência de instrução, afrontar as orientações do pretório excelso e da corte da cidadania no que tange a matéria.

Com isso bem posto, convoco vocês a refletirem sobre uma questão que orbita o ponto central desse caso concreto. Quero chamar atenção de quem lê para como a certeza da impunidade faz com que determinados agentes públicos ajam conforme lhe convém, ainda que a revelia da lei.

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A mentalidade inquisitiva é tão arraigada na cultura jurídica brasileira e do próprio MP, que faz com que o Promotor acredite que o seu papel é, pura e simplesmente, acusar. A bem da verdade, essa ausência de responsabilização faz com que eles - membros do MP - durante a sua atuação, cruzem todos os limites que a boa prática do sistema acusatório e a racionalidade impõem. Essa presunção de prevalência da acusação sobre todas coisas é tão forte que os membros do “dono da ação penal” se esquecem do seu objetivo primeiro, que é a promoção da justiça.

Vejam, a exclusividade do Ministério Público para o oferecimento da ação penal na maioria dos crimes, não deve ser encarada como sendo o seu mister a busca pela concretização da acusação, mas sim a promoção da justiça diante da violação de direitos decorrente da prática criminosa. A prerrogativa de exclusividade de suportar esse múnus público foi criada na perspectiva de que a instituição busque justiça e não vingança, pautando a sua atuação em um paradigma de solução contramajoritária.

Não sou alheio que a índole do órgão ministerial é repressivo-acusatório, contudo, o seu agir deve ter como objetivo norteador, e acima de todos os outros, a busca por justiça. A rigor, esse comportamento passivo-agressivo demonstrado pela douta Promotora, embora não seja a regra, está longe de ser um caso isolado. Ele é um reflexo do nosso olhar sobre esses agentes, bem como o nosso hábito de superestimar esses cargos e menosprezar quem escolhe fazer carreira na advocacia, pois as pessoas acreditam - ainda que instintivamente - que alguém que seguiu na advocacia o fez por ausência de competência para ser aprovado nos concursos públicos para acesso aos cargos de promotor e juiz. Todavia, isso não se verifica na prática. Existem pessoas incompetentes e competentes em todas os ofícios e profissões, além de que a aprovação em um concurso não é sinônimo de equilíbrio, inteligência ou raciocínio crítico, tal qual vimos nesse caso.

Por fim, a tentativa patética da ilustre membro do Ministério Público traz à tona algumas condutas que violam a lei e que estão postos na nossa sociedade como verdades inerentes ao processo e ao exercício e obtenção da atividade jurisdicional. Revelam que as nossas instituições estão calcadas nessa ideia de superioridade hierárquica - e até mesmo intelectual - de quem veste a toga e de quem se senta ao seu lado. Esse paradigma é um reflexo do lugar em que nós, enquanto coletivo, os colocamos. O juiz é Excelência. O promotor é Ilustríssimo. E o advogado é só o advogado.

É possível notar, na atitude da promotora, que ela interpreta como dever profissional uma atuação voltada para o lugar de que à acusação deve sempre prevalecer. Em nome da condenação vale tudo, até mesmo violar a lei. Até quando isso será tolerado? As coisas estão assim, mas precisam urgentemente mudar. Mais do que nunca, todos precisam entender, absorver e pôr em prática essa mudança de postura e tratamento, pois a advocacia nunca se curvou não será agora que o fará.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Robson Silva. A promotora, a juíza, a advogada e processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7218, 6 abr. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103350. Acesso em: 21 nov. 2024.

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