Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A utilização da escala Likert na formulação dos quesitos do tribunal do júri.

Exibindo página 3 de 3
Agenda 15/04/2024 às 16:11

4. APLICAÇÃO CONCRETA E RESULTADOS

Neste Capítulo, pretende-se apresentar, por meio de exemplos fictícios, adaptados de casos reais, a aplicação concreta de todo o método proposto neste trabalho, ressaltando de forma expressa, os pormenores a serem considerados.

Cenário Hipotético 01: J. está sendo acusado de cometer o crime de homicídio em sua modalidade tentada em face de P. Devido a natureza do crime, J. foi julgado pela Vara do Tribunal do Júri da Comarca da Cidade de Contagem - MG. Após todas as etapas de acusação e defesa, inclusive as alegações finais, o magistrado deverá, caso não haja dúvida a ser esclarecida, conforme previsão artigo 485, se dirigir à sala especial para dar início da votação acompanhado dos jurados, do Ministério Público, do assistente, do defensor do acusado, do escrivão e do oficial de justiça. Neste momento, serão lidos os quesitos, um por um, para que o Conselho de Sentença realize a sua votação por meio de cédulas contendo as expressões sim e não.

O modelo de quesitação e o caso anteriormente exposto de forma simplificada foi baseado em um evento ocorrido na Comarca de Contagem-MG e a quesitação formulada pelo magistrado competente foi confecionada da seguinte forma:

  1. Quesito 01: Da Materialidade

Na data XX de XXX de XXXX, por volta das XXX, próximo ao número XX do endereço XXXX, a vítima P. foi atingida por golpes de faca, sofrendo lesões corporais que a levaram à morte?

[ ] Sim [ ] Não

Após a apuração dos votos, verificou-se que o número de respostas “sim” para o reconhecimento da materialidade do fato foram suficientes para avançar para o próximo quesito.

  1. Quesito 02: Da Autoria

O acusado(a) J. foi quem realizou os golpes de faca contra a vítima XXXX?

[ ] Sim [ ] Não

Após a apuração dos votos, verificou-se que o número de respostas “sim” para o reconhecimento da autoria de J. com relação à prática do crime foram suficientes para avançar para o próximo quesito.

  1. Quesito 03: Do Quesito Genérico

O jurado, absolve o(a) acusado(a) J. em relação aos atos praticados contra a vítima P. ?

[ ] Sim [ ] Não

Para o caso concreto, não houve absolvição com base no quesito genérico de redação obrigatória conforme disposição expressa pelo artigo 483, §2º do Código de Processo Penal.

  1. Quesito 04: Da Desclassificação

O(A) acusado(a), da forma como agiu, deu início à execução de um crime de homicídio que somente não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, sobretudo, devido à superficialidade dos cortes sofridos?

[ ] Sim [ ] Não

Neste momento, o Conselho de Sentença reconheceu por meio de votação a materialização do instituto da tentativa com relação ao crime de homicídio.

Conforme anteriormente mencionado, os quesitos transcritos foram utilizados pelo juízo da Vara do Tribunal do Júri da Comarca da Cidade de Contagem - MG. Algumas adaptações foram realizadas apenas para manter-se o sigilo do documento original , mas nada que prejudique a sua interpretação ou conteúdo central.

Observe que o quesito representado pela letra d) corresponde exatamente à possibilidade pelo Conselho de Sentença em reconhecer a materialização do instituto da tentativa previsto no art. 14, inciso II, do CP. Logo, em uma situação em que os jurados reconheçam a ocorrência do instituto da tentativa, o juiz togado deverá, conforme os ditames do parágrafo único do mesmo artigo, aplicar a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de ⅓ (um terço) a ⅔ (dois terços) na dosimetria tendo como norte de aplicação o entendimento do Superior Tribunal Federal quanto o valor fracionário a ser considerado.

Neste momento, os autores propõem a apresentação ao conselho de sentença de um quesito adicional para que o Conselho de Sentença apenas identifique o momento da materialização do instituto da tentativa na forma apresentada a seguir:

Quesito: Identificação do Momento em que Ocorreu a Materialização do Instituto da Tentativa

  1. Determinação do Quantum de Pena

Reconhecido o instituto da tentativa e tendo como base as informações alegadas neste tribunal acerca do caso concreto em discussão, você, jurado, acerca do quão próximo do resultado almejado o acusado chegou, considera que este:

Como são 7 (sete) jurados que compõem o Conselho de Sentença, o voto de 4 (quatro) deles reconhecendo o mesmo momento dos atos executórios, implica no reconhecimento, inequívoco, de que aquele quantum de diminuição de pena deverá ser utilizado na dosimetria de pena.

Outra possibilidade seria a verificação de um empate com relação ao reconhecimento de momentos executivos diferentes. Neste caso, como solução, os autores propõem a utilização daquele mais favorável ao réu, tendo como fundamento básico a obediência de um dos maiores vetores axiológicos que perpassam todo o sistema jurídico penal, o princípio do in dubio pro reo, amplamente estudado no âmbito do Direito Penal.

4.2 Exemplos de Cálculos a Partir dos Coeficientes Propostos

A partir dos coeficientes apresentados, serão apresentados exemplos concretos com relação à aplicação do método proposto. Para tanto, serão apresentados tópicos com diversas situações hipotéticas.

  1. Homicídio Simples Tentado

Considere que na primeira fase da dosimetria, circunstância judiciais, a culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; à personalidade; os motivos; às circunstâncias; às consequências; o comportamento da vítima, sejam todas favoráveis ao acusado.Na segunda fase, atenuantes e agravantes, tenha mantido a pena do acusado no mínimo legal, não podendo ser reduzida conforme enunciado da Súmula 231 do STJ. Na terceira fase, causas de diminuição e aumento de pena, tenha-se reconhecido a tentativa como uma causa de diminuição de pena.

Para o crime de homicídio, a pena mínima base é de 6 (seis) anos, portanto temos as seguintes possibilidades com relação aos cálculos propostos:

Tabela 03 - Cálculo do Quantum de Diminuição de Pena Deve ser Aplicado para Reconhecimento da Tentativa para o Crime de Homicídio Tentado pelo Método Proposto

Momento 1

Momento 2

Momento 3

Momento 4

Momento 5

6 anos

Homicídio Simples Tentado

6x0,67=4,0

ou seja

4,0 anos (redução)

6*0,585=3,51

ou seja

3,0 anos, 6 meses e 3 dias (redução)

6*0,50=3,0

ou seja

3,0 anos (redução)

6*0,415=2,49

ou seja

2 anos, 5 meses e 26 dias (redução)

6*0,33=1,98

ou seja

1 ano, 11 meses e 22 dias (redução)

Importante mencionar que os resultados apresentados pela multiplicação para cada momento possuem dois algarismos significativos, sendo, portanto, aplicada as regras de arredondamento matemático para resultados com 3 (três) ou mais.

Para o cálculo da redução da pena pela tentativa para o crime de homicídio simples tendo como referência a pena base, não houveram como resultado frações de dias, mas se isto tivesse ocorrido, deve-se seguir a máxima prevista pela art. 11, do CP, que alude sobre a obrigatoriedade do desprezo em relação às frações de dias.

  1. Infanticídio

Para o crime de infanticídiotentado fixado em sua pena base, verifica-se os seguintes cálculos e reduções:

Tabela 04 - Cálculo do Quantum de Diminuição de Pena Deve ser Aplicado para Reconhecimento da Tentativa para o Crime de Infanticídio Tentado pelo Método Proposto

Momento 1

Momento 2

Momento 3

Momento 4

Momento 5

Detenção de 2 a 6 anos

Infanticídio Tentado

2x0,67=1,34

ou seja

1 ano, 4 meses e 12 dias (redução)

2*0,585=1,17

ou seja

1 ano, 2 meses e 6 dias (redução)

2*0,50=1,0

ou seja

1 ano (redução)

2*0,415=0,83

ou seja

9 meses e 25 dias (redução)

2*0,33=0,66

ou seja

7 meses e 20 dias (redução)

Para os demais crimes, o método de aplicação será sempre o mesmo, sendo necessário:

  1. o reconhecimento da tentativa para crime em análise;

  2. a identificação do momento em que de fato foi possível reconhecer a tentativa;

  3. a aplicação do respectivo Coeficiente de Diminuição de pena calculado para o momento identificado;

  4. cálculo matemático para a identificação da diminuição da pena no caso concreto.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como base a premissa de que o julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri devem ser realizados por meio do Conselho de Sentença, incluindo a este também a atribuição relacionada à decisão do quantum de pena que deve ser aplicada no caso de reconhecimento da causa de diminuição de pena relativa à tentativa, mas sem deixar de reconhecer as limitações técnicas que este conselho possui em relação a aplicação da dosimetria, atribuição esta privativa do magistrado, este trabalho propõe a utilização de um método para que o próprio Conselho possa decidir sobre essa questão.

O método foi proposto tendo como referência o entendimento do Superior Tribunal Federal, no qual a causa de diminuição de pena relativa à tentativa deve ser realizada conforme o iter criminis percorrido pelo agente, sendo que a redução a ser aplicada será inversamente proporcional à maior proximidade do resultado almejado (HC 95.960, Rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, DJe-094 de 21-5-2009; HC 110.021, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe-119 de 18-6-2012; HC 85.834, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ de 12-8-2005; etc.)

Portanto, tendo como base o posicionamento consolidado do Superior Tribunal Federal, somado a utilização de uma ferramenta de fácil aplicação, além de reconhecida e solidificada academicamente, a escala Likert (LIKERT, 1932), foi confeccionado uma proposta de quesitação para que seja possível o reconhecimento de 5 (cinco) momentos que contemplam a fase de execução inserida no iter criminis .

Os 5 (cinco) momentos referidos anteriormente utilizaram-se do formato Likert de respostas assimétricas positivas (positively-packed), uma vez que, desta forma, estaríamos privilegiando o acusado no sentido de que 3 (três) momentos estão deslocados no sentido do reconhecimento de um maior quantum de diminuição de pena e 2 (dois) momentos relacionados ao menor quantum de diminuição de pena.

Como resultado deste trabalho, tem-se como proposta final a inserção do seguinte quesito que deve ser apresentado ao Conselho de Sentença após o reconhecimento do instituto da tentativa:

Quadro 03: Proposta do Quesito a Ser Apresentado ao Conselho de Sentença para Avaliar o Momento em que se Materializou o Instituto da Tentativa

Quesito Proposto - Reconhecido o instituto da tentativa e tendo como base as informações alegadas neste tribunal acerca do caso concreto em discussão, você, jurado, acerca do quão próximo do resultado almejado o acusado chegou, considera que este:

  • Cessou todos os seus atos praticamente no início de sua conduta

  • Cessou todos os seus atos antes de atingir a metade de sua conduta

  • Cessou todos os seus atos pouco antes de atingir a metade de sua conduta

  • Cessou todos os seus atos na pouco antes de finalizar a sua conduta

  • Cessou todos os seus atos executórios de sua conduta

Para cada uma das possíveis alternativas de marcação, ou seja, para cada um dos momentos propostos para o(s) ato(s) de execução, está associado a este um coeficiente multiplicador utilizado para o cálculo final da pena. Estes coeficientes são: 0,67; 0,585; 0,50; 0,415; 0,33, calculados a partir da utilização de preceitos matemáticos simples, com arredondamentos realizados sempre considerando 2 (dois) algarismos significativos, cujo multiplicador 0,67, representa a maior diminuição de pena possível e o número 0,33 a menor diminuição de pena possível.

Como perspectivas de trabalho futuro, têm-se:

  1. a revisão e aperfeiçoamento do método proposto por meio de um aprofundamento ainda maior sobre a temática e utilização da escala Likert assimétrica;

  2. expandir a utilização do método para a aplicação além do instituto do Tribunal do Júri, fornecendo assim ao juiz togado uma ferramenta para análise do quantum de pena que poderia ser aplicada no caso concreto para institutos relativos à majorantes ou minorantes de pena, uma vez que em todos eles é possível verificar um intervalo cuja aplicação é, a princípio, abstrata e de competência do magistrado;

  3. a validação e consequente melhoria, por meio de estudos de casos concretos, dos coeficientes apresentados neste trabalho; e

  4. a confecção de uma ferramenta automática para o cálculo da dosimetria da pena para o seu cálculo final.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, B.; CORREIA, W.; CAMPOS, F. Uso da Escala Likert na Análise de Jogos. SIMPÓSIO BRASILEIRO DE GAMES (SBGAMES), 10., 2011, [s.l]. Anais... [s.l.], 2011. p. 1-5.

APPOLINÁRIO, F.; ATLAS, (Ed.) Dicionário de Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2007.

BANDEIRA, L. A. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964). Civilização Brasileira, 2000.

BERMUDES, Wanderson Lyrio et al. Tipos de escalas utilizadas em pesquisas e suas aplicações. Revista Vértices, v. 18, n. 2, p. 7-20, 2016.

BONFIM, Edilson Mougenot. Júri do inquérito ao plenário. Saraiva Educação SA, 2018.

BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Altera a legislação penal e processual penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm>. Acesso em: 10 março de 2023.

CARVALHO, J. M. de. A ditadura envergonhada. Companhia das Letras, 2002.

COSTA, Adriano dos Santos. Tribunal do Júri: a história e a evolução de sua regulamentação no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 870, 30 dez. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7676/a-desenfreada-avidez-por-condenacao-no-crime-de-porte-de-substancia-entorpecente>

DE ARAÚJO, Marília da Silva. A Decisão Manifestamente Contrária às Provas dos Autos e o Quesito Genérico de Absolvição: (I) Legitimidade do Recurso Ministerial. O Ativismo Judicial e a Judicialização da Política, p. 376, 2019

ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado–parte geral. Saraiva Educação SA, 2012.

HUGO, Victor. A clemência no Tribunal do Júri no Brasil. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº, v. 71, p. 49, 2019.

LENZA, PEDRO; GONÇALVES, VICTOR EDUARDO RIOS. Direito Penal Esquematizado-Parte Especial. Saraiva Educação SA, 2022.

LIKERT, Rensis. A technique for the measurement of attitudes. Archives of psychology, 1932.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MUSSALIM, Fernanda. Análise do discurso. Introdução à linguística: domínios e fronteiras, v. 2, n. 2, p. 101-142, 2001.

NOGUEIRA, Conceição. Análise do discurso. 2001.

SILVA JUNIOR, S.D.; COSTA, F. J. Mensuração e Escalas de Verificação: uma Análise Comparativa das Escalas de Likert e Phrase Completion. PMKT – Revista Brasileira de Pesquisas de Marketing, Opinião e Mídia, São Paulo, Brasil, v. 15, p. 1-16, out. 2014.

SILVA, J. F. da. Direito Processual Penal. Atlas, 2010.

STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos & rituais. Livraria do Advogado Editora, 2001.


Notas

  1. ...

  2. ....

  3. Metodologia desenvolvida por Rensis Likert, denominada escala Likert. Consiste em um formato de resposta utilizado em questionários. O valor singular desse formato é a ordinalidade não ambígua, ou seja, as respostas são previamente determinadas evitando assim que os respondentes criem suas próprias respostas. (BABBIE, 1999).

  4. Os coeficientes foram apresentados apenas com fins didáticos para reconhecimento da opção Likert e sua relação com a diminuição da pena proposta neste trabalho. Logo, os coeficientes não devem e não serão apresentados aos jurados.

Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELO, Galvão; ANDRADE, Douglas. A utilização da escala Likert na formulação dos quesitos do tribunal do júri.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7593, 15 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103782. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!