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Art. 311 do Código Penal: alterações promovidas pela Lei nº 14.562/2023

Agenda 01/05/2023 às 14:21

A Lei 14.562/2023 ampliou o tipo penal de adulteração de sinal identificador de veículo, incluindo veículos não automotores, como elétricos e reboques, gerando debate sobre a abrangência da norma.

O presente trabalho tem por objetivo fazer comentários sobre a inovação legislativa e a ampliação do tipo penal passando a incidir sobre veículos não categorizados como automotor.

Em 27 de abril de 2023, foi publicada a Lei 14.562, que alterou dispositivos do artigo 311 que tem como título “Adulteração de sinal identificador de veículo” passando a prever novas condutas e ampliar a aplicação do tipo penal para veículo não categorizados com automotores.

Inicialmente cumpre transcrever o caput do artigo antes da citada alteração:

“Adulteração de sinal identificador de veículo automotor”

“Art. 311. – Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento:

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.”

Na redação anterior a previsão era de adulterar ou remarcar chassi ou qualquer outro sinal identificador de veículo automotor ou componente.

Na nova redação foram inseridas as seguintes modificações:

“Art. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023)

Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)”

De imediato podemos observar que foi inserido o verbo suprimir no caput, além da inclusão de veículo elétrico, híbrido, de reboque, semi-reboque ou suas combinações.

Ademais deve ser mencionado que há uma norma penal em branco que necessita ser complementada para ser obtida a definição do que seria veículo automotor e demais itens mencionados no supracitado artigo.

Neste ponto devemos buscar a conceituação na Lei 9503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, que contém em seu anexo I as definições a seguir expostas:

REBOQUE - veículo destinado a ser engatado atrás de um veículo automotor.

SEMI-REBOQUE - veículo de um ou mais eixos que se apóia na sua unidade tratora ou é a ela ligado por meio de articulação.

VEÍCULO AUTOMOTOR - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).

Neste contexto observamos que a alteração legislativa visa fazer incidir a conduta a não apenas os veículos automotores, mas nas demais situações.

Também foram efetuadas modificações no §2° do dispositivo passando a trazer três incisos, sendo que o inciso já estava previsto antes da alteração:

§ 2º Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023)

I – o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial; (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)

II – aquele que adquire, recebe, transporta, oculta, mantém em depósito, fabrica, fornece, a título oneroso ou gratuito, possui ou guarda maquinismo, aparelho, instrumento ou objeto especialmente destinado à falsificação e/ou adulteração de que trata o caput deste artigo; ou (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)

III – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado. (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)

Importante destacar o inciso III que passa a punir a conduta de quem pratica qualquer um dos verbos do tipo com a pena do caput, inclusive quem utiliza veículo automotor e outros componentes que devesse saber estar adulterado ou remarcado.

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Neste ponto há a criminalização da conduta de quem adquire um bem destacado no tipo penal nestas condições.

Neste ponto havia discussão na doutrina sobre a conduta praticada por pessoa que circulava com veículo automotor nestas condições, sem que fosse a pessoa responsável pela adulteração/remarcação.

Uma corrente defendia a atipicidade da conduta, enquanto outra corrente defendia a prática do crime de receptação, desde que o bem fosse produto de crime.

Com a inovação legislativa passou a punir a conduta de utilizar o bem se estiver adulterado ou remarcado.

Percebam que ao contrário do caput que inseriu também o verbo suprimir, no inciso III estão previstas apenas as condutas de adulterar e remarcar.

Outro ponto importante da alteração é justamente o final do inciso que cita “que devesse saber”.

Neste ponto, respeitando opiniões contrárias, incide o dolo eventual sendo assim admitida a criminalização da pessoa abordada nestas condições.

Nova discussão pode surgir em razão da atecnia do legislador ao mencionar apenas a expressão “devesse saber” e assim gerar o debate se admite apenas o dolo eventual e não o dolo direto na estrutura da voluntariedade na prática da conduta.

Entendemos que apesar da redação mencionar o devesse saber é intrínseco que está contido neste o saber, sendo assim punida a conduta a título de dolo direto ou eventual.

Nas palavras de CUNHA “Prevalece a orientação de que “sabe” está contido em “deve saber”, pois, se o legislador pretende punir mais severamente o agente que deveria ter conhecimento da origem criminosa do bem, é óbvia sua intenção em punir também aquele que tem conhecimento direto sobre a proveniência da coisa.”

Apesar da recente alteração, já se discutem algumas questões como se a conduta de conduzir o veículo sem a placa ensejaria a tipificação em comento.

Entendemos que a conduta continua atípica, sendo sancionada de forma administrativa, salvo se ficar demonstrado que a pessoa efetivamente retirou a placa com vistas a não permitir a identificação correta do bem incidindo na conduta de suprimir.

Neste sentido também se questiona se a pessoa que insere uma fita sobre um dos caracteres seria capaz da incidência do tipo penal, o que respondemos afirmativamente em razão de ao modificar um dos caracteres identificadores, mesmo sem caráter definitivo, estaríamos diante da conduta de adulterar.

Neste sentido já caminhavam STF e STJ:

“A conduta de adulterar a placa de veículo automotor mediante a colocação de fita adesiva é típica, nos termos do art. 311 do CP (…) O recorrente reiterava alegação de falsidade grosseira, percebida a olho nu, ocorrida apenas na placa traseira, e reafirmava que a adulteração visaria a burlar o rodízio de carros existente na municipalidade, a constituir mera irregularidade administrativa. O Colegiado pontuou que o bem jurídico protegido pela norma penal teria sido atingido. Destacou-se que o tipo penal não exigiria elemento subjetivo especial ou alguma intenção específica. Asseverou-se que a conduta do paciente objetivara frustrar a fiscalização, ou seja, os meios legítimos de controle do trânsito. Concluiu-se que as placas automotivas seriam consideradas sinais identificadores externos do veículo, também obrigatórios conforme o art. 115 do Código de Trânsito Brasileiro”

(STF – RHC 116.371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 22/08/2013).

“A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se que a norma contida no art. 311. do Código Penal busca resguardar autenticidade dos sinais identificadores dos veículos automotores, sendo, pois, típica a simples conduta de alterar, com fita adesiva, a placa do automóvel, ainda que não caracterizada a finalidade específica de fraudar a fé pública.”

(STJ – AgRg no REsp 2.009.836/MG, Rel. Min. João Batista Moreira (Desembargador Convocado Do TRF1, j. 20/03/2023).

O inciso I pune o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, o que se mostra razoável e digno de sanção para aquele que exerce um cargo público e diante do acesso aos registros que o cargo possibilita propicia a “legalização” do bem, o que já estava prevista antes da alteração.

O inciso II pune a questão de petrechos utilizados para adulteração/falsificação que devem ser comprovados que podem ser destinados a este fim mediante perícia técnica.

No tocante a pessoa eventualmente surpreendida com estes petrechos, se ela foi a responsável pela adulteração a conduta é absorvida pelo caput.

No parágrafo §3° trouxe a seguinte previsão:

“§ 3º Praticar as condutas de que tratam os incisos II ou III do § 2º deste artigo no exercício de atividade comercial ou industrial: (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)”

Busca o dispositivo punir com mais rigor aquele que pratica as condutas descritas nos incisos II e III por justamente exercer atividade comercial ou industrial e o §4° equipara a conduta a qualquer comércio irregular ou clandestino, ainda que mantido em residência.

“§ 4º Equipara-se a atividade comercial, para efeito do disposto no § 3º deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive aquele exercido em residência. (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)

Os dispositivos têm clara inspiração no crime de receptação em sua forma qualificada, devendo ser mantido que neste caso se trata de crime próprio devendo responder quem efetivamente exerce a atividade comercial ou industrial.

Neste sentido, destacamos recente decisão do STJ veiculada no informativo 771 que para a configuração da receptação em sua forma qualificada exige a habitualidade, o que nos parece que seja no mesmo sentido do dispositivo em comento para mesma ratio decidendi:

“Crime de receptação qualificada. Habitualidade. Não comprovação. Concurso de pessoas. Afastamento. Atividade que não se enquadra no conceito legal de atividade comercial ou industrial. Art. 180, § 1º, do Código Penal.

AgRg no AREsp 2.259.297-MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 18/4/2023, DJe 24/4/2023.


Conclusão

A alteração legislativa teve por escopo de ampliar a incidência do artigo em comento com vista a reprimir a atuação de associações criminosas e organizações criminosas que atuam no roubo e furto de veículos e demais componentes até então não descritos no tipo penal, bem como reprimir a prática de receptação com a reinserção destes bens no mercado, sendo auxiliados por pessoas "de boa fé" que acabam por criar as condições "favoráveis" para a continuidade e incremento das práticas criminosas aqui descritas.


Referências

Brasil. Código Penal. Decreto-lei 2848/4. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 01 mai 2023.

Brasil. Código de Trânsito Brasileiro. Lei 9503/1997.Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503compilado.htm. Acesso em 01 mai 2023.

Brasil. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/. Acesso em 01 mai 2023.

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio. Acesso em 01 mai 2023.

CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14562/23: Altera o art. 311. do CP para ampliar as condutas puníveis na adulteração de sinal identificador de veículo. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/27/lei-14-562-23-altera-o-art-311-do-cp-para-ampliar-as-condutas-puniveis-na-adulteracao-de-sinal-identificador-de-veiculo/. Acesso em 01 mai 2023.

Sobre o autor
Felipe Gonçalves Martins

Delegado de Polícia do Estado do Paraná. Ex-Delegado de Polícia do Estado do Acre. Ex-inspetor de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Professor de cursos de graduação, pós-graduação e cursos preparatórios. Escritor. Especialista em Direito Penal e Criminal pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Única (MG). Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade Única (MG). Especialista em Criminologia pela Faculdade Focus (PR). Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Graduado em Teologia pela Universidade Unicesumar (PR). Graduado em Criminologia pela Universidade Anhanguera Unopar (SP).

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