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Caso de usufruto que não se extingue por morte no direito brasileiro

Agenda 23/09/2007 às 00:00

INTRODUÇÃO

É assente, na doutrina e jurisprudência brasileira, que o usufruto é direito real (art. 1225, IV CC), marcado pela temporariedade, pois se extingue com a morte do usufrutuário (CC. Art. 1410, I CC), inalienável (embora seu exercício possa ser cedido – art. 1393), que se constitui pelos seguintes modos: 1 – lei; 2 - vontade (contrato ou testamento, 1946 CC); 3 – usucapião; 4 - judicial.

Contudo, o usufruto indígena, previsto na CRFB/88, contém algumas peculiaridades, as quais, para melhor compreensão, precisam ser aclaradas por um prévio estudo sobre o usufruto.


TIPOS DE USUFRUTO

1 – Usufruto Legal.

Como exemplos de usufruto legal, citamos:

A - Usufruto indígena das terras da União que tradicionalmente ocupam.

O usufruto indígena é exemplo de usufruto legal, que dispensa registro.

CRFB/88 - DA UNIÃO

Art. 20. São bens da União:

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

CAPÍTULO VIII

DOS ÍNDIOS

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

B - Usufruto dos pais sobre os bens dos filhos

O usufruto dos pais sobre os bens dos filhos é exemplo de usufruto legal, que dispensa registro.

CC/2002

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:

I - são usufrutuários dos bens dos filhos;

C – USUFRUTO VIDUAL

Mais um exemplo de usufruto legal, que dispensa registro portanto, é o vidual.

Lei 8971-1994 Regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.

Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;

II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;

INF 314 STJ – Terceira Turma

USUFRUTO VIDUAL. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA.

A questão está em saber se a concessão do usufruto ao cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação legal de bens é possível na sucessão testamentária. Isso posto, a Turma conheceu do recurso e deu-lhe provimento para reconhecer à viúva o direito ao usufruto legal, enquanto durar a viuvez, sobre a metade dos bens do cônjuge falecido, por considerar que o usufruto vidual é instituto do direito sucessório, independente da situação financeira do cônjuge sobrevivo. O art. 1.611, § 1º, do CC/1916 não restringe a respectiva aplicação à sucessão legítima. A previsão legal do usufruto vidual é previsão sem restrições, bastando que ocorram os pressupostos para sua configuração, isto é, ausência de comunhão total, constância da sociedade conjugal e não contemplação do cônjuge supérstite, pelo testador, com a propriedade da herança. Os únicos requisitos são o regime do casamento diferente da comunhão universal e o estado de viuvez. REsp 648.072-RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 20/3/2007.

2 – Usufruto voluntário.

Dá-se por alienação, retenção ou disposição de última vontade.

Por alienação, o proprietário concedente o direito real de usufruto a outrem por meio de contrato, embora mantenha para si a nua-propriedade.

Por retenção , quando o doador reserva para si o usufruto ao efetuar a doação.

Por disposição de última vontade, a seguinte previsão do CC/2002:

Art. 1.921. O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida.   

3 – Usufruto pela usucapião;

Caso um possuidor tenha obtido posse direta da coisa em virtude de uma relação de usufruto travada com o proprietário, mas, tempos depois, vem a saber que havia recebido a posse a non domino, pois o concedente não era o verdadeiro proprietário. Pelo fato de desenvolver posse mansa e pacífica, com justo título e boa-fé, pelo prazo assinalado para usucapião ordinário, terá direito a uma sentença que lhe declare esse direito, a ser respeitado pelo verdadeiro proprietário.

4 – Usufruto judicial

Pela combinação dos dois preceitos seguintes do CPC, o credor poderá requerer o usufruto do imóvel ou empresa do devedor por prazo determinado para satisfazer seu crédito, se isso for menos oneroso ao devedor.

CPC Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

Art. 716. O juiz da execução pode conceder ao credor o usufruto de imóvel ou de empresa, quando o reputar menos gravoso ao devedor e eficiente para o recebimento da dívida.

CC Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.

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Outro exemplo de usufruto judicial está na Lei do Divórcio, 6515/1977:

Art. 21 - Para assegurar o pagamento da pensão alimentícia, o juiz poderá determinar a constituição de garantia real ou fidejussória.

§ 1º - Se o cônjuge credor preferir, o juiz poderá determinar que a pensão consista no usufruto de determinados bens do cônjuge devedor.

§ 2º - Aplica-se, também, o disposto no parágrafo anterior, se o cônjuge credor justificar a possibilidade do não-recebimento regular da pensão.

No entanto, preceitua o artigo 1391 do CC que:

Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Ocorre que, também o usufruto legal dispensa registro para constituir-se. Também o usufruto decorrente de lei dispensa registro.

Sucessão de Usufruto – Usufruto Perpétuo

Existem os usufrutos simultâneo (reconhecido o direito de acrescer) e sucessivo, mas nosso direito não reconhece este último, que é o instituído em favor de uma pessoa, para que depois de sua morte transmita-se a terceiro, já que nosso ordenamento prevê a extinção do usufruto pela morte do usufrutuário (1410, I CC).

Mas, e esse é o ponto da discussão, o usufruto legal dos índios é perpétuo, não se extingue pela morte deles, mantendo-se, em sucessão, aos mesmos.

Claro, ele não é transferido causa mortis, mas indubitável que a morte não é causa de sua extinção, como habitualmente ocorre com os outros tipos de usufruto.

CC/2002 Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:

I - pela renúncia ou morte do usufrutuário;


CONCLUSÃO

Portanto, e finalizando, forçoso reconhecer que o usufruto previsto na CRFB/88 para os índios excepciona a regra de que o usufruto extingue-se pela morte, e que o usufruto não se transmite aos sucessores. O usufruto dos índios transmite-se aos seus sucessores, não em virtude da sucessão em si, mas em virtude da condição de índio e da previsão constitucional. O usufruto dos índios é o único usufruto perpétuo previsto em nosso ordenamento.


BIBLIOGRAFIA

:

ROSENVALD, Nelson, "Direitos Reais", 2ª edição, Rio de Janeiro, Impetus, 2003.

GONÇALVES, Carlos Roberto, "Sinopses Jurídicas – Direito das Coisas 3", 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003.

Sobre o autor
Sandro Alexander Ferreira

delegado da Polícia Federal em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Sandro Alexander. Caso de usufruto que não se extingue por morte no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1544, 23 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10439. Acesso em: 5 nov. 2024.

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