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Projeto de Lei SF nº 552/07 (castração química) e a (im)possibilidade de recepção do princípio da incapacitação do infrator no direito brasileiro

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5. UMA PROPOSTA: TESTE DE DIREITO CONSTITUCIONAL PARA OS CANDIDATOS.

"Ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio."

Diante do quadro ora traçado, de se propor a instituição de um teste de Direito Constitucional como requisito à elegibilidade dos parlamentares, visto ser dever destes agirem em conformidade para com a Constituição da República e contra a mesma não atentarem, conduta esta cujo pressuposto é o conhecimento mínimo do teor do Direito Constitucional positivo vigente no país.

Como deixa claro o brocardo latino que inaugura o presente item, onde há a mesma razão legal, aí se justifica a adoção do mesmo dispositivo.

Evidentemente tal medida, isoladamente, não será suficiente para a garantia de que não mais se avancem propostas legislativas inconstitucionais, muitas vezes de caráter populista e com claro intuito de promover eleitoralmente o parlamentar proponente. Mas talvez servisse para chamar a atenção dos parlamentares acerca da necessidade de manterem-se dentro dos limites da constitucionalidade em seu proceder.

Afinal, e não é demais lembrar, os Senadores, assim como os demais detentores dos cargos políticos mais proeminentes do País, juram solenemente, por ocasião de sua posse, guardar a Constituição.

O juramento solenemente proferido têm o seguinte teor:

"Juro guardar a Constituição e as leis do país, desempenhar fiel e lealmente o mandato de senador que o povo me conferiu e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil".

Não são admissíveis, portanto, investidas contra a Carta Magna por parte de quem jurou guardá-la. Talvez a medida ora proposta seja eficaz na hipótese de, numa demonstração de seriedade para com as instituições, se passar a considerar como quebra do decoro parlamentar a violação franca e aberta do juramento de fidelidade à Constituição. Vejamos um conceito adequado de decoro parlamentar, que extraímos da doutrina de Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro:

"... antes de mais nada, deve-se consignar que a idéia mesma de decoro parlamentar insere-se dentro do conjunto das regras constitucionais que compõem o Estatuto dos Congressistas, ou seja, daquelas normas que estabelecem as prerrogativas e as vedações incidentes aos titulares de mandato parlamentar" (destaques ausentes do original). [25]

Ora, a propositura de projeto legislativo francamente colidente com a Constituição, que o parlamentar jurou solenemente guardar, isto é, respeitar, defender, proteger [26], é ato que vai contra os limites do exercício legítimo da atividade parlamentar, e ato público de descumprimento de tal dever e compromisso jurídico-político, de modo a configurar-se muito mais grave do que outras situações caracterizadoras da quebra de decoro parlamentar, de modo a estar mais do que apta a caracterizá-la.


CONCLUSÃO

Vimos que se pretende operar recepção de direito, introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da incapacitação do ofensor, vigente em outros ordenamentos jurídicos. Vimos que tal intento, haja vista a necessária interferência na integridade física do condenado, implica em violação a diversos direitos e garantias fundamentais e que tais normas constitucionais são imodificáveis.

A propositura e o seguimento de projetos de lei francamente inconstitucionais revela-se, além de inútil e dispendiosa, uma prática que vilipendia a Carta Magna e que deseduca os cidadãos e agentes públicos, e, notadamente, as autoridades, no que se refere à submissão aos ditames constitucionais.

Uma tal proposta traz consigo mais problemas do que soluções, haja vista serem superestimadas as expectativas de solução do problema por tal meio, posto radicar o problema sobretudo na psiqué do indivíduo ofensor, de modo que poderá continuar a violar eventuais vítimas, uma vez que, para a perpetração de atos tais quais os tipificados no art. 214 do Código Penal brasileiro – atentado violento ao pudor – não é indispensável a potência ou virilidade sexual ou potentia coendi.

Beccaria já demonstrou que a gravidade da pena é pouco influente no sentido de desestimular o agente da prática do ilícito, razão da falência das penas de morte e outras penas cruéis, desumanas ou degradantes no combate ao crime, fato este amplamente comprovado.

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O mesmo Beccaria também já demonstrou que outros fatores, como a certeza da punição, são consideravelmente mais influentes sobre o ânimo do agente, pelo que a eficiência na prevenção e na investigação têm uma influência consideravelmente maior na prevenção e no desestímulo à prática delituosa.

Uma proposta como a ora em comento produz é uma falsa expectativa na sociedade, em geral desinformada acerca das reais possibilidades do Direito Penal e das políticas criminais mais eficazes. Por outro lado, gera, uma vez mais, aquela discussão absurda sobre o não deliberável: uma discussão política acerca da conveniência e oportunidade de direitos e garantias fundamentais, e da possibilidade de seu afastamento ad hoc.

Abre-se assim o campo para outras propostas absurdas, não sendo surreal imaginar o ressurgimento de temas felizmente já superados – ao menos no âmbito do Direito positivo – como aquele da tortura.

Afinal, se a cada caso grave e que gere comoção se pretender rediscutir todas as possibilidades, inclusive aquelas "soluções" excluídas pela Constituição, não raro surgirão propostas para tornar admissível a tortura, e.g., quando necessária à solução de "casos extremamente graves", como aqueles do tráfico ilícito de entorpecentes, organizações criminosas e outros.

Em nível internacional temos Guantánamo, o exemplar execrável dos campos de concentração na contemporaneidade, para demonstrar até que ponto de insanidade e irracionalidade pode levar a política do terror e do Estado de exceção permanente a que se refere Giorgio Agamben, pela qual criam-se ou alardeiam com exagero situações de insegurança para legitimar absurdos. [27]

Combater os crimes em geral, os crimes contra os costumes em particular e, sobretudo, aqueles perpetrados barbaramente contra crianças e adolescentes é, sem sombra de dúvida, urgente. Cabe à sociedade em geral, ao Sistema de Segurança Pública e, dentre outros, aos parlamentares, atuar nesse sentido, criando mecanismos efetivos de proteção, prevenção e repressão.

Mas deve-se fazê-lo dentro dos limites da constitucionalidade e da legalidade, evitando-se, sobretudo, propostas populistas inconstitucionais e absurdas, vulnerando ainda mais a já parca tradição e vontade de sujeição à Constituição e às leis de nossas autoridades.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Homo sacer, II, I. Trad. Iraci D. Poletti. São Paulo: Boitempo, 2004.

_____. O poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

AGOSTINI, Éric. Droit Comparé. Paris: Presses Universitaires de France, 1988.

DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. 4. ed. Trad. Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A cassação do mandato político por quebra de decoro parlamentar. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1449, 20 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10038>. Acesso em: 07 out. 2007.

PRADEL, Jean. Comentário sobre a obra de PETERS, Rudolf. "Crime and Punishment in Islamic Law. Theory and Practice from the Sixteenth to the Twenty-First Century. Cambridge: Cambridge Univesity Press, 2005, In: Revue Internationale de Droit Comparé, n. 1, jan./mars. 2007, Paris: Société de Législation Comparée, pp. 216-219.

SGARBOSSA, Luís Fernando. JENSEN, Geziela. Elementos de Direito Comparado. Ciência, política legislativa, integração e prática judiciária. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008 (prelo).


Notas

01 PRADEL, Jean. Comentário sobre a obra de PETERS, Rudolf. "Crime and Punishment in Islamic Law. Theory and Practice from the Sixteenth to the Twenty-First Century. Cambridge: Cambridge Univesity Press, 2005, In: Revue Internationale de Droit Comparé, n. 1, jan./mars. 2007, Paris: Société de Législation Comparée, p. 216.

02 AGOSTINI, Éric. Droit Comparé. Paris: Presses Universitaires de France, 1988, p. 44.

03 AGOSTINI, Éric… p. 48.

04 DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. 4. ed. Trad. Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 511.

05 AGOSTINI, Éric, op. cit. p. 52, PRADEL, Jean, op. cit. p. 216.

06 AGOSTINI, Éric, op. cit. p. 53.

07 Idem, p. 53, PRADEL, Jean, op. cit. p. 217.

08 AGOSTINI, Éric, op. cit. pp. 53-54.

09 Idem, p. 54.

10 PRADEL, Jean, op. cit. p. 217.

11 AGOSTINI, Éric, op. cit. p. 55.

12 Idem, p. 56.

13 Idem, p. 57.

14 PRADEL, Jean, op. cit. p. 217.

15 Ibidem.

16 SGARBOSSA, Luís Fernando. JENSEN, Geziela. Elementos de Direito Comparado. Ciência, política legislativa, integração e prática judiciária. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008 (prelo), p. 152.

17 Ibidem.

18 Idem, p. 214-215.

19 Idem, p. 168.

20 Idem, p. 216.

21 Para uma visão geral da teoria das recepções de direito ou circulação de modelos jurídicos, assim como para um estudo de alguns casos de recepções jurídicas no Brasil e exterior, ver nosso Elementos de Direito Comparado (Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, prelo), Capítulo V (vide referências bibliográficas).

22 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004, p. 23.

23 Lobotomia ou leucotomia pode ser definida como uma intervenção cirúrgica neurológica irreversível que consiste na secção produzida voluntariamente de um lobo cerebral (simples corte da conexão ou ablação total ou parcial dos lobos cerebrais frontais), outrora utilizada para tratamento de condições mórbidas mentais severas, hoje reservada para situações extraordinárias e banida em muitos países, haja vista a gravidade de seus efeitos (mudança de personalidade, sociabilidade, espontaneidade e comportamento e até mesmo retardamento mental).

24 Outros acórdãos: Acórdão TSE n. 12.827 – GO (1992), Acórdão TSE n. 13.158-C – TO (1996), Acórdão TSE n. 13.379-C – TO (1996), Acórdão TSE n. 13.898C – SP (1996).

25 PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A cassação do mandato político por quebra de decoro parlamentar. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1449, 20 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10038>. Acesso em: 07 out. 2007.

26 Dicionário Aurélio, verbete guardar: "1. Vigiar, com o fim de defender, proteger ou preservar. 2. Pôr em lugar conveniente; acondicionar, arrecadar, conservar. 3. Tomar conta de; zelar por; conduzir vigiando. [...] 7. Ter a seu cuidado; defender, proteger, resguardar. 8. Observar, cumprir, praticar. [...] 10. Observar, cumprir as prescrições ou preceitos de. [...] 12. Conservar, manter, gravar na memória. [...]" (destaques nossos).

27 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Homo sacer, II, I. Trad. Iraci D. Poletti. São Paulo: Boitempo, 2004. E também AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004, pp. 22-36.

Sobre os autores
Geziela Jensen

Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Membro da Société de Législation Comparée (SLC), em Paris (França) e da Associazione Italiana di Diritto Comparato (AIDC), em Florença (Itália), seção italiana da Association Internationale des Sciences Juridiques (AISJ), em Paris (França). Especialista em Direito Constitucional. Professora de Graduação e Pós-graduação em Direito.

Luis Fernando Sgarbossa

Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor do Mestrado em Direito da UFMS. Professor da Graduação em Direito da UFMS/CPTL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JENSEN, Geziela; SGARBOSSA, Luis Fernando. Projeto de Lei SF nº 552/07 (castração química) e a (im)possibilidade de recepção do princípio da incapacitação do infrator no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1566, 15 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10523. Acesso em: 23 dez. 2024.

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