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Ação penal nos crimes contra os costumes:

inaplicabilidade da Súmula 608 do STF

Agenda 01/08/2000 às 00:00

CONSIDERAÇÕES GERAIS

O Código Penal Brasileiro, no Título VI, trata dos Crimes Contra os Costumes, disciplinados nos Capítulos I, II, III, IV, V e VI, daquele título, compreendendo o capítulo IV - das disposições gerais - as formas qualificadas, a presunção de violência, a ação penal e, por fim, as causas de aumento de pena, respectivamente, arts. 223, 224, 225 e 226.

Será alvo de análise, no presente trabalho, a disciplina do artigo 225, referente a ação penal nos crimes contra os costumes que, se encontram açambarcados pelos Capítulos I, II e III, do Diploma Penal, em cotejo com o artigo 101 do mesmo Estatuto, bem como a constatação da inaplicabilidade da Súmula 608 do STF, ao crime de estupro e atentado violento ao pudor, cometido mediante violência real, consistente em lesão corporal leve, face a redação do artigo 88 da Lei federal nº 9.099 de 26/09/1995.


AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES

Nos crimes contra os costumes, a ação penal, em regra, é exclusivamente privada, conforme se pode aferir do disposto no art. 225, caput, do CP; no entanto, o mesmo dispositivo, traz em seus parágrafos 1º e 2º , um abrandamento da regra geral. Senão vejamos:

          "Art. 225. Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.

          "Parágrafo 1º- Procede-se, entretanto, mediante ação pública: I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da familia; II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.(grifei)

          "Parágrafo 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação".

Pode-se tirar por ilação lógica que, o caput do artigo 225, estatui, a regra, e seus parágrafos, a exceção, permitindo que a ação penal possa ser pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima ou de que tem qualidade para representá-la.

Assim, será pública incondicionada quando o crime for cometido com abuso de pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador; será pública condicionada à representação, caso a vítima ou seus pais não possuam recursos suficientes para prover às despesas do trâmite processual, sem que fique privada de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família.

Conforme se vê, não é preciso muito esforço, para se verificar que nos crimes contra os costumes, açambarcados pelos capítulos I, II e III, do Título VI, do Código Penal, a ação penal será deflagrada mediante queixa, por iniciativa do querelante, admitindo-se de forma explícita, mas excepcional, o oferecimento de denúncia pelo Parquet.

No entanto, a matéria não se exaure aqui, outras hipóteses há, além destas previstas nos parágrafos 1º e 2º do art.225 do CP, em que a persecução penal em juízo, nos crimes contra os costumes, será desencadeada pelo Órgão Ministerial, mediante o oferecimento de denúncia.

A primeira hipótese ocorre quando da prática de crime de estupro ou atentado violento ao pudor, definidos nos artigos 213 e 214, resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, conforme artigo 223 e parágrafo único, todos do CP, verbis:

"Art. 223.Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave:

          Pena - reclusão, de 8(oito) a 12(doze) anos.

          "Parágrafo único. Se do fato resulta a morte:

          Pena - reclusão, de 12(doze) a 25(vinte e cinco) anos".

O artigo supraliteralizado encontra-se situado no capítulo IV, do Título VI, do CP, não sendo encartado pelo disposto no artigo 225 do mesmo capítulo, vez que, este último, ao se referir a ação penal, faz menção expressa aos delitos sexuais dos capítulos precedentes, apenados na sua forma simples.

Nestes termos, aos crimes contra os costumes (rectiu: estupro e atentado violento ao pudor), qualificados na forma do artigo 223 e parágrafo único, não se aplica a disciplina do artigo 225 e seus parágrafos, mas tão-somente, a regra geral, estabelecida no comando do artigo 100, caput, do CP, que estatui ser pública incondicionada a ação penal nos crimes onde não haja expressa dicção legal para que se proceda mediante queixa.

A hipótese acima verificada, demonstra que, se do estupro ou atentado violento ao pudor, resultar lesão corporal grave ou morte, a ação penal será pública incondicionada. Trata-se de resultado qualificador do crime sexual, obtido a título de culpa, configurando, portanto, crime preterdoloso, atuando o sujeito com dolo no crime antecedente e com culpa no resultado qualificador consequente.

Calha, ressaltar que, se o sujeito ativo do delito, pretendendo, inicialmente, cometer o crime de estupro, desvia no curso da empreitada delituosa, seu ânimo subjetivo, e acaba, também, matando ou lesionando gravemente a vítima, teremos típico concurso de crimes, devendo neste caso formar-se um litisconsórcio entre o Ministério Público e o querelante. Oferecerá o Promotor de Justiça, denúncia pelo homicídio ou lesão corporal grave, conforme o caso, e o acusador particular, a queixa-crime quanto ao delito inicialmente querido, qual seja, o estupro. Destarte, não se aplica o artigo 223, mas o artigo 100, caput, quanto ao homicídio ou lesão corporal, e o artigo 225, caput, em relação ao estupro, não sendo permitido ao Órgão Ministerial incluir na denúncia o crime de ação penal exclusivamente privada. Os dois delitos, caso haja litisconsórcio, serão levados a Júri, ante a existência de continência por cumulação objetiva, devendo ser oferecido um libelo-crime acusatório pelo Ministério Público, quanto ao crime de ação penal pública e outro libelo-crime, pelo querelante, em relação ao crime continente de ação penal privada, não sendo possível, mais uma vez, ao Parquet, incluir em seu libelo o crime de ação penal privada, posto que em relação a este último, vige o princípio da disponibilidade da ação penal.

A outra hipótese, em relação a qual será permitido ao Ministério Público ofertar denúncia, por crime sexual, encontra-se na Súmula 608 do STF, verbis: "no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada."

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Em que pese, a clareza da súmula, divergências há em relação a sua aplicabilidade, discutindo a doutrina, se a ação penal, nos crimes de estupro com violência real é pública ou privada.

Tadicionalmente, os autores pátrios, bem como a jurisprudência, vêm dando dupla interpretação quanto a aplicabilidade da Súmula 608 do STF aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados mediante violência real. Senão vejamos:

a) Primeira corrente: nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos com violência real (vias de fato ou lesão corporal leve), aplica-se a Súmula 608 do STF, plenamente em vigor. O adeptos desta corrente, utilizam-se do que dispõe o artigo 101 do Código Penal, parte geral, que se refere a ação penal no crime complexo, para justificar a aplicação da súmula supraliteralizada. Assim, praticado o crime de estupro mediante violência real, consistente, v.g., em lesão corporal leve, estar-se-ia diante de um crime complexo, autorizando o Ministério Público a intentar ação penal pública, justificada pelo crime componente em relação ao qual cabe denúncia (lesão corporal leve - art. 129, caput, do CP.).

Com a edição da Súmula 608 o Supremo Tribunal Federal confirmou sua posição de que o artigo 101 do CP deve prevalecer sobre o artigo 225. Havendo violência real no crime de estupro, a lesão corporal leve, estaria dando condições ao Parquet, para que ajuizasse a ação penal, in casu, pública incondicionada, ante a, irrestrita, aplicabilidade da súmula em apreço.

Sectários desta corrente, que acreditamos ser pouco coerente, em que pese a autoridade de seus seguidores, encontram-se os seguintes doutrinadores: Eugenio Raúl Zaffaroni; José Henrique Pierangeli; Flávio Augusto Monteiro de Barros e Julio Fabbrini Mirabete. Vejamos de forma concisa a opinião de cada um:

ZAFFARONI e PIERANGELI (Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2º edição, 1999, Editora Revista dos Tribunais) - "Os crimes contra a honra e contra os costumes são, em regra, submetidos à ação penal privada, mas é o próprio código que estabelece a exceção. Quanto aos crimes sexuais violentos, o art. 101 prevalece sobre o art. 225, e, nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal chegou a editar a Súmula 608, verbis: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada." Arrematam dizendo que, "pouco importa, pois, que se trate de lesão corporal de natureza grave ou leve. Aqui, a ação penal é sempre pública."

          FLÁVIO AUGUSTO MONTEIRO DE BARROS (Direito Penal, Parte Geral, 1999, Editora Saraiva) - Este autor reconhece que a relevância do estudo da ação penal no crime complexo é arrefecida pelo que dispõe a regra do art. 100, mas assevera que o ponto fulcral se liga à forma de composição dos crime de estupro. Assim diz o referido autor que, "na linguagem do art.101 do CP, crime complexo é o que tem como elemento ou circunstância do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes. Nos arts. 213 e 214, cometidos com violência real, desfilam, dentro dos respectivos tipos penais, fatos que, isoladamente constituem crimes, quais sejam, arts. 129(lesão corporal), 146(constrangimento ilegal) e 147(ameaça)."(grifei)

JULIO FABBRINI MIRABETE (Manual de direito Penal, Parte Geral, 15º edição, 1999, Editora Atlas S.A.) - O afamado autor, ante a discussão acerca da ação penal no crime de estupro praticado com violência real, bem como dá aplicabilidade da Súmula 608 do STF e sua justificação, assevera que, "a solução mais adequada é a manutenção da Súmula 608, não com fundamento no art. 129 do Código Penal, em que se exige a representação para a ação penal pelo crime de lesões corporais leves, mas com base no art. 146 do mesmo Estatuto, uma vez que o constrangimento ilegal, apurado mediante ação penal pública incondicionada é, indiscutivelmente, elemento constitutivo do crime de estupro e atentado violento ao pudor. "

b) Segunda corrente: para os adeptos desta corrente a ação penal no crime de estupro com violência real é sempre de iniciativa privada (salvo as exceções do parágrafo 1º e 2º do art. 225), vez que as lesões corporais leves e as vias de fato, seriam absorvidas pelo crime sexual praticado. Demais, o crime de estupro não é crime complexo, daí não se justificar a aplicação do art. 101 ao crime de estupro praticado com violência real, resultando, portanto, de flagrante impropriedade a Súmula 608 do STF.

Adeptos desta segunda corrente, encontramos os seguintes autores, cuja posição adotada na interpretação da matéria em tela, nos filiamos: Celso Delmanto e Damásio Evangelista de Jesus. Calha trazer a baila, neste momento, o judicioso ponto de vista de cada um destes autores. Então vejamos:

CELSO DELMANTO (Código Penal Comentado e legislação complementar, 3º edição, 1991, Editora Renovar) - "Entendemos que a regra do art. 225 deveria preponderar sobre a do art. 101, e não o contrário. Firmamos nosso posicionamento pela consideração de que o art. 101 é inaplicável aos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, pois nenhuma dessas duas figuras penais é, em verdade, crime complexo(...). Como outro argumento, mesmo que se entenda o estupro e o atentado violento ao pudor como crimes complexos, a regra do art. 225 do CP é de natureza especial, prevalecendo sobre a norma geral do art. 101." Arremata o autor, " pelos dois motivos indicados, continuamos pensando que a regra do art. 225 deveria prevalecer sobre a do art. 101."

DAMÁSIO E. DE JESUS (Código Penal Anotado, 9º edição, 1999, Editora Saraiva) - "Entendemos que o art. 101 não pode ser aplicado à questão simplesmente porque o estupro não é delito complexo. Ingressa, nas categorias de Antolisei, nos delitos complexos em sentido amplo, que inexistem entre nós. Como exemplo dessa espécie apresenta-se o estupro, compreensivo do constrangimento ilegal e ulterior elemento da conjunção carnal, que em si mesmo não constitui delito. Se delito complexo, entre nós, é constituído da reunião de dois ou mais crimes, e se no estupro temos apenas o constrangimento ilegal acrescido da conjunção carnal, conclui-se que estupro não é delito complexo. Afastada a incidência do art. 101, que trata da ação penal por crime complexo, a ação penal por delito de estupro com lesão corporal leve, que não é complexo, é regida pelo art. 225, caput, do Código Penal," assevera o autor," é de natureza privada."


INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 608 DO STF

De todo o exposto, somos levados a concordar com estes dois últimos autores, pela prevalência do art. 225 sobre o art. 101 do Código Penal, quando da análise da ação penal nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Outrossim, como corolário lógico, temos que a Súmula 608 da Corte Alta, não tem razão de ser ante a inexistência de crime complexo nos caso dos delitos dos arts. 213 e 214 do CP, cometidos mediante violência real (lesão corporal leve e vias de fato), a uma porque a lesão corporal leve encontra-se açambarcada pela "violência" que é elementar do crime de estupro e atentado violento ao pudor, não constituindo, portanto, crime autônomo, neste caso; e, a duas, porque, a vias de fato, não se qualifica como crime, mas como contravenção penal, estatuída no art. 21 da Lei da Contravenções Penais, daí resta claro que não se pode conceber a existência de crime complexo resultante da fusão de crime e contravenção (v.g. estupro e vias de fato).

No entanto, apesar dos fundamentos expostos ao longo deste trabalho, uns tentando justificar a aplicação da Súmula 608 do STF, tendo em conta a regra do art. 101, outros demonstrando que a súmula em apreço é desarrazoada, pelos motivos já ditos alhures, somos que, no que se refere a prática do crime de estupro ou atentado violento ao pudor mediante violência real, consistente em lesão corporal de natureza leve, a análise da natureza da ação penal cabível, deve ser feita em cotejo com a disciplina do art. 88 da Lei 9.099/95.

Deixamos claro, desde logo, que esta explicação não ilide as argumentações supedaneadas na preponderância do art. 225 sobre o art. 101 e, também, na justificativa de que o crime de estupro e atentado violento ao pudor praticados com violência real não são crimes complexos. Pelo revés, o que aspiramos é demonstrar que a indigitada súmula em questão, não encontra mais acolhida em nosso ordenamento jurídico, tendo sido superada pelo comando do art. 88 da Lei 9.009/95, que preceitua ser condicionada à representação do ofendido a ação penal no crime de lesões corporais leves.

"Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas."(grifei)

Na doutrina é tímida a manifestação dos autores em relação a nova exigência criada pelo artigo 88 da lei supra-citada.

Júlio Fabbrini Mirabete, assevera que " a superveniência da Lei nº 9.099/95, por força de seu art. 88, que passou a exigir a representação no crime de lesões corporais leves, tornaria discutível a vigência desta súmula". Apesar da colocação, posiciona-se pela manutenção na mesma.

Flávio Augusto Monteiro de Barros, por sua vez, diz que, " com o advento da Lei n. 9.099/95, exigindo a representação para o delito de lesão leve, uma corrente passou a sustentar que, no estupro com lesão leve, a ação deveria ser pública condicionada à representação", mas ao final arremata discordando desta corrente, por entender que, o delito de constrangimento ilegal, por ser um dos componentes no crime de estupro, estaria definindo a natureza pública incondicionada da ação penal, neste caso.

Por fim, temos a opinião, de Gianpaolo Poggio Smanio que, se manifesta, dizendo: " a Lei n º 9.099/95 não tem influência na ação penal dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, por serem hediondos, daí não haver mudança na referida súmula."

Os dois primeiros autores, suso-mencionados, fundamentam a vigência da súmula 608 do STF, na estrutura do crime de estupro cometido mediante violência real, que alegam ser complexa. Dentre os elementos componentes estariam a ameaça, o constrangimento ilegal, e a lesão corporal. A ameaça como crime autônomo encontra-se no art. 147, cuja ação penal é de iniciativa privada; o constrangimento ilegal, também, como crime autônomo, está no art. 146, cuja ação penal é pública incondicionada; e por fim a lesão corporal leve, estatuída pelo preceptivo do art. 129, caput, que por força do art. 88 da Lei nº 9.099/95, é crime de ação penal pública condicionada à representação do ofendido.

De acordo com este entendimento, fulcrado na estrutura complexa do crime de estupro, a aplicabilidade da súmula 608, justifica-se pelo disposto no art. 101, do CP, verbis: "Quando a lei considera como elemento ou circunstância do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público."

Assim, dentre os crimes que integram o estupro como elemento do tipo, consoante, a tese ora analisada, somente o constrangimento ilegal (art. 146, do CP) estaria legitimando a atuação do Ministério Público independentemente de qualquer condição, vez que, se trata de crime autônomo, cuja ação penal é pública incondicionada.

Em que pese, a força desta corrente, ela não merece acolhida em nosso ordenamento penal.

O crime de estupro, bem como o de atentado violento ao pudor, realmente possuem como elementos constitutivos do tipo, o constrangimento, a violência e a grave ameaça, que de per si, constituem crimes autônomos, mas que reunidos perdem sua autonomia para dar configuração ao crime dos arts. 213 e 214 do CP, compreendendo o primeiro, a conjunção carnal, e o segundo, a prática de ato libidinoso, distinto da conjunção carnal. Observa-se que a configuração destes crimes sexuais, reclama um fim específico.

Demais, seria estranho compreender como alguém poderia compelir outrem, a realizar conjunção carnal ou ato libidinoso, contra sua vontade, sem se valer da violência ou grave ameaça. Assim, a lesão corporal leve, resultante do estupro é consequencia previsível, resultante da truculência própria dos meios empregados para o atingimento do crime; por outro lado, o Código Penal, estatuiu de forma expressa, o estupro qualificado pela lesão corporal grave, no capítulo IV, do Título VI do CP, não se referindo às lesões leves. Trata-se de verdadeiro silêncio eloquente, onde o legislador quis aplicar pena mais grave ao estupro preterdoloso, e ainda que a ação penal fosse pública incondicionada, nos termos do que diz o art. 100 do CP.

Nestes termos, de entendimento, a violência, ou a grave ameaça, empregados na pratica do crime de estupro ou atentado violento ao pudor, são meios de se atingir o fim colimado pelo autor do crime sexual, sendo que, o constrangimento, figura como natural consequencia da ameaça ou violência empregados.

Superada esta análise, passemos a abordar a argumentação de Gianpaolo Poggio Smanio, que assevera não haver alteração na súmula 608 do STF, pela superveniência do art. 88 da Lei n º 9.099/95, vez que, referidos crimes sexuais são hediondos.

Tal colocação, data máxima vênia, não procede, porquanto não há nada que, expressamente defina, os crimes hediondos como de ação penal pública incondicionada. O legislador na Lei n º 8.072/90, adotando o critério legal, se limitou a dizer quais são os crimes hediondos, sem modificar as regras gerais do Código Penal, no que diz respeito, a ação penal, nos crimes nela elencados.

Portanto, o art. 1º da Lei dos Crimes Hediondos, estatui o seguinte:

"Art. 1º . São considerados hediondos os seguintes crimes (...):

(...)

"V - estupro (art.213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

"VI - atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (...)."

A referida lei faz expressa menção ao estupro, na sua forma simples, e qualificada, sendo que em nada foi alterada a fórmula do art. 225, caput, do CP, para o estupro e atentado violento ao pudor (arts. 213 e 214), e a regra do art. 100, caput, do mesmo Diploma Penal, para a forma qualificada destes crimes sexuais.

Destarte, com o advento da Lei n º 9.099/95, e de maneira particularmente explícita, com a redação do art. 88, estatuindo que nos crimes de lesões corporais leves a ação penal é pública condicionada, fica patente e cristalizada a orientação do legislador, que procurou limitar a atuação ministerial, nestes crimes, aos casos em que haja representação do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.

Daí, se levarmos em conta a orientação da Súmula 608 do STF, fica evidenciado o conflito estabelecido com o comando do art. 88 da Lei n º 9.099/95, dando a entender que a referida súmula ficou definitivamente superada, embora outros argumentos também, relevantes já tenham demonstrado sua impropriedade.


CONCLUSÃO

De todo o exposto, conclui-se que apesar de existir grande polêmica na doutrina e na jurisprudência acerca da aplicabilidade ou superação da Súmula 608 do STF, tal discussão, hoje, com o advento da Lei n º 9.099/95, ganha reforço para se dar total inaplicabilidade à referida súmula, mantendo-se firme os argumentos tradicionais referentes à prevalência do art. 225 sobre o 101, do Código Penal, e da inexistência de crime complexo, quando da verificação da violência real nos referidos crimes. Adiciona-se a estes argumentos, o fato de o art. 88 da Lei n º 9.099/95, estabelecer de maneira, insofismável, a necessidade de representação para a incoação do processo pelo Órgão Ministerial, nos casos de lesões corporais leves, de molde que, não mais se pode falar em ação penal pública incondicionada em matéria de crimes sexuais, senão naqueles casos expressamente permitidos pelo próprio Código Penal, quais sejam: art. 223, caput, e parágrafo único, jungido com, art. 100, caput, e; art. 225, parágrafo 1º , inciso II.

Sobre o autor
Marcos Brant Gambier Costa

bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Marcos Brant Gambier. Ação penal nos crimes contra os costumes:: inaplicabilidade da Súmula 608 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1058. Acesso em: 22 dez. 2024.

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