Resumo: A princípio, o artigo possui o intuito de discorrer sobre o impasse da função social das vinícolas do Rio Grande do Sul, uma vez que este termo está ganhando relevância proporcionalmente com o reconhecimento da empresa, então nada mais justo do que fazer uma associação desse viés social e a sua execução trabalhista nas vinícolas, uma vez que se nota um serviço prestado de forma degradante e violenta, assim, tratando o caso prático análogo a escravidão com a relação ao direito à dignidade da pessoa humana e os direitos humanos, pode-se perceber diversas incoerências. Com esse fito, uma empresa pode cumprir o seu papel social, porém é necessário que os administradores tomem decisões baseadas no bem comum, o que não é visto no caso posteriormente narrado. Sabe-se que a finalidade de qualquer empresa é prosperar e que o lucro não deverá ser deixado de lado, mas certamente deverá ser visto como uma consequência, e não como uma prioridade, de modo que é visível nas vinícolas. Logo, o objetivo financeiro de uma empresa só deve ser entendido como legítimo se a mesma cumprir com seu papel de gerar empregos que suprirá as necessidades básicas dos indivíduos, garantindo-lhes uma existência digna, correta e humana.
Palavras-chave: Função Social; Vinícolas; Empresa; Trabalho Escravo; Dignidade da Pessoa Humana; Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
A princípio, é válido ressaltar que:
A função social da empresa consiste em um princípio importante para o devido funcionamento da ordem econômica constitucional, além de contemplar diversas esferas da sociedade, como o meio ambiente, a propriedade privada, o direito dos trabalhadores, entre outros.
Diante disso, no contexto da temática em tela, tem-se algumas dúvidas ao pensar até que ponto, a função social de uma empresa trabalha com o viés de proteger o direito dos trabalhadores, pois na teoria é tudo muito lindo, mas, em contrapartida, o que será que acontece na prática? As empresas deste caso concreto das vinícolas no Rio Grande do Sul foram desumanas, ao estipularem a jornada de trabalho dos seus empregados de domingo a sexta, das 5h às 20h, sem pausas? Será que essas mesmas empresas só pensaram no lucro, em um dado momento, que já não possuíam empatia para com as vidas que ali estavam? E por fim, será que há uma relação de trabalho análogo a escravidão nessas vinícolas?
Logo, a fim de sanar respectivas dúvidas e com o objetivo claro de analisar, questionar e compreender as ações irregulares das empresas que acontecem, infelizmente, na realidade social, que esse relevante artigo foi criado.
Assim sendo, diante desse cenário, os trabalhadores acabam se tornando refém dessas empresas, uma vez que necessitam do “ganha pão”, ou seja, do mínimo que é a subsistência deles, com isso é imprescindível que os donos destas empresas protejam o direito da classe trabalhista, posto que o trabalhador quer prestar o serviço, conforme as normas estabelecidas pela CLT e não criada pelos mesmos, com a finalidade de alto faturamento e a não obtenção de direitos mínimos.
NOÇÕES DE FUNÇÃO SOCIAL
A priori, sabe-se que a função social da empresa foi ganhando relevância, na medida em que aumentava-se o reconhecimento da empresa, como instituição fundamental, não apenas no âmbito econômico mais também nos âmbitos político e social. Porém, “o reconhecimento da noção de função social, por si só, não foi capaz de resolver o impasse do exercício de direitos subjetivos, na medida em que a fluidez do seu conceito ensejou as mais diversas interpretações, sobretudo no que toca à criação de deveres positivos”.
Diante disso, é disposto no art. 170 da Constituição Federal de 1988 que a ordem econômica está:
“fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa” e “tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social”, para então elencar os princípios que conformam a ordem econômica constitucional: (i) a soberania nacional; (ii) a propriedade privada; (iii) a função social da propriedade; (iv) a livre concorrência; (v) a defesa do consumidor; (vi) a defesa do meio ambiente; (vii) a redução das desigualdades regionais e sociais; (viii) a busca do pleno emprego; e (ix) o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.
Por óbvio, a função social não tem por fim aniquilar liberdades e direitos dos empresários e tampouco de tornar a empresa mero instrumento para a consecução de fins sociais. A função social tem por objetivo, com efeito, reinserir a solidariedade social na atividade econômica sem desconsiderar a autonomia privada, fornecendo padrão mínimo de distribuição de riquezas e de redução das desigualdades.
Ou seja, a função social também é responsável por direcionar e conduzir a ação do direito para o exercício do interesse público, sem comprometer o individualismo. Segundo Pietro Perlingieri, a função social não serve apenas à delimitação dos limites dos interesses e direitos subjetivos, mas também comporta uma dimensão ativa ou impulsiva.
Mais do que meras ações voluntárias beneficentes esporádicas ou sazonais, pois muitas dessas ações voluntárias têm o único objetivo de marketing, a função social da empresa será cumprida se os seus produtos tiverem uma relação com os interesses da comunidade, tanto na produção como na distribuição, fazendo circular capital.
Deduz-se, portanto, a necessidade de um olhar para o meio ambiente, para o interesse na criação de programas sociais que integrem tanto a sociedade quanto a empresa, ou seja, ter atitudes que demonstrem respeito e empatia em benefício de todos. Não deixando o lucro corromper a imagem da empresa como um todo.
É neste sentido a observação de Luiz Antônio Ramalho Zanoti, que sustenta:
A função social das corporações está ligada à sustentabilidade. Embora seja admissível que as corporações pugnem pela contabilização de lucros decorrentes de suas atividades empresariais, é imprescindível que este objetivo econômico seja conciliado com a necessidade de se preservar o meio ambiente e de se valorizar a dignidade da pessoa humana, até mesmo como forma de garantir a longevidade e a expansão de seus próprios negócios. (ZANOTI, 2009, p. 180).
Dessarte, compreende-se, que tanto o almejado sucesso, quanto o desempenho da função social de uma empresa são conjunturas que dependem do mercado, haja vista que este é responsável pela circulação de bens ou serviços. Logo, a empresa que descumprir sua função social, necessariamente prejudica o mercado, o qual também desempenha um papel fundamental na sociedade.
Nesse sentido, as observações de Henrique Viana Pereira:
O empresário, no exercício de sua atividade, cumprirá sua função social quando colaborar para um mercado lícito em que haja liberdade de escolha, dentro de um contexto da livre iniciativa e da livre concorrência. Somente através do respeito à função social da empresa será possível atingir um modelo de mercado que possibilite o regular exercício da autonomia da vontade, contribuindo, destarte, para o desenvolvimento econômico sustentável. (VIANA,2010, p. 104).
Sendo, o Estado, em que garante ao proprietário a utilização da propriedade privada, é necessário que este cumpra com o dever da função social. Então, pode-se dizer, que a legitimidade do uso da propriedade está condicionada ao cumprimento da função social. Ademais, como o princípio da ordem econômica, tem como princípio assegurar a existência digna, alinhada à justiça social.
De acordo, com Ana Frazão de Azevedo Lopes ressalta que, “a função social “a função social estaria atendida quando o titular da propriedade cumprisse o seu dever de empregar produtivamente a sua riqueza de forma a manter e aumentar a interdependência social” (LOPES, 2006, p. 112).
Cabe salientar, que a função social desempenha um papel de assegurar a liberdade de todos os membros da sociedade, com intuito de colaborar para o bem-estar comum, por isso é importante que as empresas entendam que a função social traz benefícios para todos.
HÁ UM TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO NAS VINÍCOLAS DO RS?
É sabido que a ameaça de violência física ou psicológica, violação do direito de ir e vir ou condições de vida degradantes são algumas características apontadas pela legislação para identificar casos de trabalhos análogos à escravidão.
Dentro dessa perspectiva, estatui Julpiano Chaves Cortez:
O trabalho em condição análoga à de escravo é caracterizado não só pela violência (coação física, moral e psicológica) contra a liberdade do trabalhador no exercício de sua atividade laboral, mas também em situações, menos explícitas de violação da liberdade, que maculam o seu direito de livre escolha e aceitação do trabalho e suas características, como ocorre na obrigação de se ativar em jornadas exaustivas e/ou em locais com péssimas condições de trabalho e onde imperam condições degradantes ao meio ambiente de trabalho, com abuso e desrespeito ao bem maior do ser humano, que é a sua dignidade (JULPIANO CHAVES CORTEZ, 2015).
Outrossim, vale salientar que o art. 149 do Código Penal tipifica como crime o trabalho em condição análoga à de escravo, in verbis:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – Cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – Mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – Contra criança ou adolescente;
II – Por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem."
Nesse enleio, impende destacar que no ano de 2023, mais de duzentos trabalhadores de uma empresa cujo nome Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, foram encontrados em situações degradantes em um alojamento localizado no município de Bento Gonçalves, situado no estado do Rio Grande do Sul.
A operação foi realizada pela PRF, pelo MTE e pela Polícia Federal (PF) após três trabalhadores procurarem a PRF em Caxias do Sul dizendo que tinham fugido de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade.
Nos depoimentos das vítimas/ trabalhadores, foi relatado que houveram diversos episódios de violências físicas e psicológicas, tais como surras com cabo de vassoura, mordidas, choques elétricos, ataques com spray de pimenta. Além disso, as vítimas afirmaram que eram impedidos de sair do local, e caso a saíssem, precisam pagar uma suposta “dívida”, fora isso, também tinham seus familiares ameaçados pelos empregadores.
Nesse contexto, é importante ressaltar, que a convenção da OIT preconiza sobre o trabalho forçado em seu art. 1°.
Art. 1. Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma:
a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção dirigida a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas, ou manifestem sua oposição ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida;
b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico;
c) como medida de disciplina de trabalho;
d) como punição por participação em greves;
e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
Sendo assim, a definição é importante porque contempla algumas formas em que os indivíduos são submetidos ao trabalho análogo à escravidão, tais como por dívidas ou mediante a coerção, que também ficam proscritas.
Entende-se, então, que os trabalhadores regatados em Bento Gonçalves/RS, foram submetidos a um trabalho análogo à escravidão e os seus direitos fundamentais foram violados, por exemplo, a jornada de trabalho deles era de domingo a sexta, das 5h às 20h, sem pausas, sendo forçados a assinar no ponto que folgavam aos domingos, situação/ ato totalmente inacreditável e hostil, como pode ser observado nas imagens a seguir:
FIGURA 1 – Operação resgatou 207 trabalhadores em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, no dia 22 de fevereiro.
Fonte: MPT-RS/ Divulgação,2023
FIGURA 2 – Alojamento em que os trabalhadores foram encontrados em Bento Gonçalves.
Fonte: G1, 2023.
FIGURA 3 – Banheiro do alojamento onde os trabalhadores foram resgatados.
Fonte: Metrópoles, 2023.
Como pode ser visto nas imagens, ao serem abordados pelo Ministério Público do Trabalho, os trabalhadores da empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, encontravam-se em estado de vulnerabilidade e situações precárias, haja vista que dormiam em colchões no chão ou em beliches, sem ventilação adequada, banheiros em péssimas condições de higienes. Portanto, é notório que estes trabalhadores viviam à margem do trabalho escravo.
De acordo, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH, 1948), fundamentada e nos ensinamentos de Kant acerca da dignidade humana, traz em seu Art. 23, o seguinte:
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual
remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. (Grifo Nosso)
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.
Os fundamentos expostos na declaração, quais sejam, a liberdade sindical, a liberdade e a igualdade no trabalho e a proibição ao trabalho infantil, não configuram como suficientes para propiciar uma efetiva proteção dos direitos humanos, nos quais todo trabalhador deve usufruir de condições de trabalho digno.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DIREITOS HUMANOS
A dignidade da pessoa humana é um princípio garantido pela Constituição Federal, sendo assim esta é uma qualidade inerente ao ser humano, inseparável de todo e qualquer ser humano, é uma característica que o define como tal. Assim sendo, é a proteção da condição que cada indivíduo, independentemente de sua condição tem, o ser dono de si dotado de direitos que devem ser respeitados pelo Estado e assegurados na CF e por seus semelhantes. Portanto, é, um predicado tido como inerentes a todos os seres humanos, de acordo com (OLIVEIRA, 2005), diz que:
Nada mais violento que impedir o ser humano de se relacionar com a natureza, com seus semelhantes, com os mais próximos e queridos, consigo mesmo e com Deus. Significa reduzi-lo a um objeto inanimado e morto. Pela participação, ele se torna responsável pelo outro e con-cria continuamente o mundo, como um jogo de relações, como permanente dialogação.
Assim, na fala de Carmem Lúcia Antunes Rocha, ao dialogar a respeito do Art. 1º da Declaração dos Direitos Humanos, o dispositivo que decreta a igualdade de todos os seres humanos em dignidade e direitos, faz as seguintes considerações:
Gente é tudo igual. Tudo igual. Mesmo tendo cada um a sua diferença. Gente não muda. Muda o invólucro. O miolo, igual. Gente quer ser feliz, tem medos, esperanças e esperas. Que cada qual vive a seu modo. Lida com as agonias de um jeito único, só seu. Mas o sofrimento é sofrido igual. A alegria, sente-se igual.
A inexistência de dignidade possibilita a identificação do ser humano como instrumento, como peça sem valor, como viola uma característica própria e delineadora da própria natureza humana, pois este é merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, assim, no complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa contra todo e qualquer ato que venha provocar e colocar em situações degradante e desumano, como venham a lhe garantir o mínimo de condições digna de uma vida saudável, bem como propiciar sua participação ativa e responsável na sua própria existência de vida.
Nota-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana não decorre de uma criação constitucional, pois sabe-se que o conceito se confunde com a própria existência, ou seja, são direitos que não precisam de tutela legal para serem reconhecidos, pois são intrínsecos ao homem, nesse sentido, SILVA (1998, p. 84) diz que “a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência, tal como a própria pessoa humana”.
É notório, que o direito exerce um papel relevante na proteção e promoção da dignidade humana, especialmente, quando se cria mecanismos com intuito a coibir eventuais violações dos direitos humanos, sendo os quais, os direitos naturais garantidos a todos os indivíduos, estes sem distinção de cor, classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicionamento político, sendo assim, para que a pessoa humana possa viver com dignidade é necessário que todos os direitos, sejam garantidos.
Entretanto, os Direitos Humanos procuram proteger as pessoas dentro das circunstâncias em que vivem, bem como valorizando a dignidade humana, proteção dos direitos e liberdade. A Declaração universal dos Direitos Humanos foi declarada oficialmente na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948 em Paris, os seus primeiros artigos dizem o seguinte:
Art. I – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Art. II – 1-Todos os seres humanos têm capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo idioma, religião, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (UNICEF, 2021). 2 – Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. (UNICEF, 2021).
A principal finalidade, ao elaborar o documento, foi o de promover entre Estados-membros da ONU, políticas públicas direcionadas com objetivo de propiciar o real sentido da cooperação internacional para efetivação do princípio da Dignidade da pessoa Humano, sendo utilizado como instrumento a integrar uma consciência coletiva para a valorização e o respeito do ser humano em sociedade, no dizer de Celso Ribeiro Bastos (BASTOS, 2022, p. 04): “Ela se confunde com o próprio evoluir do homem, perdendo-se, portanto, nas origens da própria espécie humana”.
Entretanto, o direito de propriedade é o direito conferido a determinada pessoa para utilizar, gozar e dispor da coisa, assim poder reavê-la, citado por Karl Marx expõe sobre o tema:
O direito humano da propriedade privada, portanto, é o direito de fruir da própria fortuna e dela dispor como se quiser, sem atenção pelos outros homens, independentemente da sociedade. É o direito do interesse pessoal. Esta liberdade individual e a respectiva aplicação formam a base da sociedade civil. Leva cada homem a ver nos outros homens, não a realização, mas a limitação da sua própria liberdade. Afirma acima de tudo o direito de desfrutar e dispor como se quiser dos seus bens e rendimentos, dos frutos do próprio trabalho e diligência (MARX, 1975, p. 57)
Percebe-se, que o direito de propriedade é protegido por lei e pela constituição, contudo, é fundamental que a empresa devolva para a comunidade, por meio da função social objetivando trazer melhorias à comunidade na qual está inserida, trazendo geração de emprego, fonte de renda para as pessoas e qualidade de vida para os entornos. Segundo Comparato:
[...] a função social da propriedade não se confunde com as restrições legais ao uso e gozo dos bens próprios; em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos.
É perceptível em que se tem um mercado mundializado, e a posição da empresa carece de uma “nova” adaptação a realidade, pois a empresa no Estado Contemporâneo representa uma força socioeconômica-financeira, isto, uma capacidade de produzir e gerar riqueza, mas atenta e preocupada com a função social que deve desempenhar frente a comunidade, pode modificar positivamente o seu entorno social.
Importante destacar, ao empregar os funcionários em trabalhos dignos, com salários e condições adequadas, de acordo com que prever na constituição, bem como tem sido estabelecido um diferencial competitivo, a atividade empresarial pode ser um agente multiplicador do bem estar social. Pois, a percepção atual não é mais de uma mera produtora ou transformadora de bens ofertados ao mercado, porém, ao contrário, representa a posição de contribuir com uma comunidade justa e equilibrada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, ao escrevermos este trabalho, podemos perceber o quanto é delicado e sério para os trabalhadores, serem submetidos a um trabalho análogo a escravidão, com carga horária pesada e irregular, alojamentos inabitáveis, e também diversos tipos de violências sofridos (físico, psicológica, moral), inclusive pode-se destacar ainda que a violação do direito de ir ou vir com os outros exemplificados, eram vivenciados pelos subordinados seguindo as ordens das empresas “responsáveis”, ou seja, sem a qualidade inerente ao ser humano que é a dignidade da pessoa.
Dessa maneira, como o saudoso Renato Russo, disse em sua música “Fábrica” (Legião Urbana): “deve haver algum lugar onde o mais forte não consegue escravizar quem não tem chances”. É fato, que esta frase simboliza e faz uma analogia a resistência e luta da classe trabalhadora, a busca de um “trabalho honesto”, assim é o anseio dos dias atuais, infelizmente, em pleno século XXI, ter que pedir direitos que deveriam ser inafastáveis, é bem inacreditável e inaceitável, uma vez que é Constitucional, ou seja, está prescrito nossos direitos fundamentais.
Em síntese, são necessárias e viáveis pautas como estas, a fim de solucionar problemáticas futuras, tanto com relação às questões trabalhistas quanto sobre a função social da empresa como um todo. Lembrando que só se atende a função social, quando se atinge os princípios da liberdade, igualdade, dignidade, solidariedade, democracia e possíveis reduções das desigualdades da sociedade.
Conclui-se, então, que a empresa cumprirá com a função social se estiver realizando todos os princípios constitucionais ditos anteriormente, buscando tomar atitudes e decisões que proporcionem o bem comum social. Assim, não terão possíveis impasses traumatizantes como este visto no Rio Grande do Sul, onde atingiu tanto os trabalhadores como as famílias deles.
REFERÊNCIAS
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