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A volta do regime jurídico único

Agenda 07/11/2007 às 00:00

No último dia 2 de agosto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu cautelar na ADIn nº 2.135, para declarar inconstitucional a nova redação dada pela EC nº 19/98 ao caput do art. 39 da CF. Com isso, voltou a vigorar o conhecido regime jurídico único (RJU).

A redação original do art. 39, caput, previa que União, Estados, DF e Municípios deveriam adotar regime jurídico único de pessoal, isto é: na Administração Direta, Autárquica e Fundacional (fundações de Direito Público), cada ente federativo deveria optar entre admitir ou apenas servidores estatutários, ou apenas empregados públicos (celetistas). Com isso, visava-se pôr fim à convivência entre dois regimes jurídicos (celetista e estatutário) dentro do mesmo órgão ou unidade. Eis os termos em que o dispositivo era redigido: "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas".

Com base nesse parâmetro foi promulgada a Lei nº 8.112/90, que demarcou a opção da União pelo regime estatutário, no qual os servidores são admitidos sob regime de Direito Público, podem alcançar estabilidade e possuem direitos e deveres estabelecidos por lei (e que podem, portanto, ser alterados unilateralmente pelo Estado-Legislador). Justamente por isso, o art. 243 daquele diploma transformou – de forma inconstitucional, diga-se de passagem – os antigos empregados públicos das pessoas de Direito Público em servidores estatutários.

Entretanto, a Reforma Administrativa proposta pelo Poder Executivo em 1998 previu o retorno à pluralidade de regimes jurídicos, para permitir a admissão de servidores titulares de emprego público (regidos predominantemente pela CLT). Havia a crença crença de que tal regime favoreceria a produtividade, por não assegurar aos empregados a ampla estabilidade vigente no regime estatutário. Assim, a EC 19/98 modificou a redação do caput do art. 39, retirando a exigência de unicidade do regime de pessoal. O dispositivo passou a figurar da seguinte forma: "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes".

Sob a égide desse texto, foi promulgada a Lei nº 9.962/00, que "Disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências". Passou então a ser possível a admissão, na Administração Direta, nas autarquias e nas fundações de Direito Público federais, de servidores (lato sensu) celetistas, ou empregados públicos.

Porém, a EC 19/98 foi questionada, perante o Supremo, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135/DF, proposta por PT, PDT, PCdoB e PSB. Em tal ADIn, alegava-se, entre outros fatos, a inconstitucionalidade formal da EC 19/98, quanto à nova redação dada ao art. 39. Argumentava-se, em suma, que a alteração do referido artigo simplesmente não fora aprovada por 3/5 das duas Casas do Congresso, em dois turnos de votação, como exige o art. 60, §2º, da CF.

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Segundo os requerentes, uma emenda de redação feita na Câmara dos Deputados substituíra o antigo caput do art. 39 pela nova redação do §2º, essa sim aprovada por aquela Casa. Com isso, indevidamente se suprimiu a exigência do regime jurídico único, sem a manifestação da Câmara sobre a questão. Aprovada no Senado, a Emenda entrou em vigor.

O Supremo, então, reconheceu, em sede de liminar (o que significa que a decisão ainda pode ser revista quando da análise do mérito da ação), não poder uma emenda de redação suprimir a exigência do regime único sem a aprovação do Plenário da Câmara. Assim, a Suprema Corte suspenseu a eficácia da EC 19 com relação à supressão do regime jurídico único, que voltou a valer por força da manutenção do art. 39, caput, tal como estava redigido (efeito repristinatório).

Voltou a existir, então, o regime jurídico único. Todavia, restava resolver uma questão: e as leis promulgadas com base na EC 19/98, como a Lei nº 9.962/00, deveriam ser tidas como inválidas? Entendeu o Supremo que não, tanto que ressalvou subsistir a legislação editada com base na Emenda suspensa, sob o argumento de se tratar de decisão liminar (provisória).

Apenas quanto a esse ponto divergimos do Tribunal Supremo: se a nova redação do art. 39 foi suspensa, também deveriam tê-lo sido as leis com base nela promulgadas. Uma lei – como adverte André Ramos Tavares, com fundamento na lição de Kelsen – tem fundamento de validade na Constituição. Se desaparece (ao menos transitoriamente) a norma-parâmetro, não pode subsistir a norma-objeto, daquela derivada. Entendemos, portanto, concessa venia, que também deveriam ter sido suspensa a validade de todas as leis promulgadas com base na nova redação do art. 39, caput.

Segundo decidiu o Supremo, porém, as leis que instituíram os regimes plúrimos de admissão de pessoal continuam válidas até a decisão sobre o mérito da ADIn nº 2.135. Ao que parece, o STF atuou mais de forma política (no bom sentido), de modo a permitir seja a nova redação aprovada – só que desta vez segundo o devido processo legislativo –, o que determinaria a extinção da ADIn sem análise do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido (desaparecimento da norma impugnada).

Por fim, ressalte-se que, segundo entendemos, mesmo ainda em vigor a Lei nº 9.962/00, não pode a Administração Direta, Autárquica e Fundacional admitir servidores sob o regime celetista. Isso porque a redação original do art. 39, caput, agora em vigor, determina ainda a obrigatoriedade do regime jurídico único. Impedida está, portanto, a admissão pelo regime celetista, sob pena de inconstitucionalidade. Vazia, então, a ressalva estabelecida pelo Supremo, já que, na prática, a lei não pode ser aplicada.

O tão famoso regime jurídico único voltou – e já causando polêmica.

Sobre o autor
João Trindade Cavalcante Filho

Professor de Direito Administrativo e Constitucional do OBCURSOS/Brasília. Técnico Administrativo da Procuradoria Geral da República, lotado no gabinete do Subprocurador-Geral da República Eitel Santiago (área criminal/STJ). Coordenador e Professor de Direito Constitucional e Administrativo do Curso Preparatório para Concursos e de Capacitação para Servidores, Estagiários e Terceirizados da Procuradoria Geral da República. Ex-professor de Direito Penal e Legislação Aplicada ao MPU do Curso Preparatório para Concursos da Escola Superior do Ministério Público da União. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE FILHO, João Trindade. A volta do regime jurídico único. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1589, 7 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10621. Acesso em: 18 nov. 2024.

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