No último dia 2 de agosto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu cautelar na ADIn nº 2.135, para declarar inconstitucional a nova redação dada pela EC nº 19/98 ao caput do art. 39 da CF. Com isso, voltou a vigorar o conhecido regime jurídico único (RJU).
A redação original do art. 39, caput, previa que União, Estados, DF e Municípios deveriam adotar regime jurídico único de pessoal, isto é: na Administração Direta, Autárquica e Fundacional (fundações de Direito Público), cada ente federativo deveria optar entre admitir ou apenas servidores estatutários, ou apenas empregados públicos (celetistas). Com isso, visava-se pôr fim à convivência entre dois regimes jurídicos (celetista e estatutário) dentro do mesmo órgão ou unidade. Eis os termos em que o dispositivo era redigido: "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas".
Com base nesse parâmetro foi promulgada a Lei nº 8.112/90, que demarcou a opção da União pelo regime estatutário, no qual os servidores são admitidos sob regime de Direito Público, podem alcançar estabilidade e possuem direitos e deveres estabelecidos por lei (e que podem, portanto, ser alterados unilateralmente pelo Estado-Legislador). Justamente por isso, o art. 243 daquele diploma transformou – de forma inconstitucional, diga-se de passagem – os antigos empregados públicos das pessoas de Direito Público em servidores estatutários.
Entretanto, a Reforma Administrativa proposta pelo Poder Executivo em 1998 previu o retorno à pluralidade de regimes jurídicos, para permitir a admissão de servidores titulares de emprego público (regidos predominantemente pela CLT). Havia a crença crença de que tal regime favoreceria a produtividade, por não assegurar aos empregados a ampla estabilidade vigente no regime estatutário. Assim, a EC 19/98 modificou a redação do caput do art. 39, retirando a exigência de unicidade do regime de pessoal. O dispositivo passou a figurar da seguinte forma: "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes".
Sob a égide desse texto, foi promulgada a Lei nº 9.962/00, que "Disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências". Passou então a ser possível a admissão, na Administração Direta, nas autarquias e nas fundações de Direito Público federais, de servidores (lato sensu) celetistas, ou empregados públicos.
Porém, a EC 19/98 foi questionada, perante o Supremo, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135/DF, proposta por PT, PDT, PCdoB e PSB. Em tal ADIn, alegava-se, entre outros fatos, a inconstitucionalidade formal da EC 19/98, quanto à nova redação dada ao art. 39. Argumentava-se, em suma, que a alteração do referido artigo simplesmente não fora aprovada por 3/5 das duas Casas do Congresso, em dois turnos de votação, como exige o art. 60, §2º, da CF.
Segundo os requerentes, uma emenda de redação feita na Câmara dos Deputados substituíra o antigo caput do art. 39 pela nova redação do §2º, essa sim aprovada por aquela Casa. Com isso, indevidamente se suprimiu a exigência do regime jurídico único, sem a manifestação da Câmara sobre a questão. Aprovada no Senado, a Emenda entrou em vigor.
O Supremo, então, reconheceu, em sede de liminar (o que significa que a decisão ainda pode ser revista quando da análise do mérito da ação), não poder uma emenda de redação suprimir a exigência do regime único sem a aprovação do Plenário da Câmara. Assim, a Suprema Corte suspenseu a eficácia da EC 19 com relação à supressão do regime jurídico único, que voltou a valer por força da manutenção do art. 39, caput, tal como estava redigido (efeito repristinatório).
Voltou a existir, então, o regime jurídico único. Todavia, restava resolver uma questão: e as leis promulgadas com base na EC 19/98, como a Lei nº 9.962/00, deveriam ser tidas como inválidas? Entendeu o Supremo que não, tanto que ressalvou subsistir a legislação editada com base na Emenda suspensa, sob o argumento de se tratar de decisão liminar (provisória).
Apenas quanto a esse ponto divergimos do Tribunal Supremo: se a nova redação do art. 39 foi suspensa, também deveriam tê-lo sido as leis com base nela promulgadas. Uma lei – como adverte André Ramos Tavares, com fundamento na lição de Kelsen – tem fundamento de validade na Constituição. Se desaparece (ao menos transitoriamente) a norma-parâmetro, não pode subsistir a norma-objeto, daquela derivada. Entendemos, portanto, concessa venia, que também deveriam ter sido suspensa a validade de todas as leis promulgadas com base na nova redação do art. 39, caput.
Segundo decidiu o Supremo, porém, as leis que instituíram os regimes plúrimos de admissão de pessoal continuam válidas até a decisão sobre o mérito da ADIn nº 2.135. Ao que parece, o STF atuou mais de forma política (no bom sentido), de modo a permitir seja a nova redação aprovada – só que desta vez segundo o devido processo legislativo –, o que determinaria a extinção da ADIn sem análise do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido (desaparecimento da norma impugnada).
Por fim, ressalte-se que, segundo entendemos, mesmo ainda em vigor a Lei nº 9.962/00, não pode a Administração Direta, Autárquica e Fundacional admitir servidores sob o regime celetista. Isso porque a redação original do art. 39, caput, agora em vigor, determina ainda a obrigatoriedade do regime jurídico único. Impedida está, portanto, a admissão pelo regime celetista, sob pena de inconstitucionalidade. Vazia, então, a ressalva estabelecida pelo Supremo, já que, na prática, a lei não pode ser aplicada.
O tão famoso regime jurídico único voltou – e já causando polêmica.