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A prestação dos serviços de saneamento básico no Brasil à luz da Lei nº 14.026/2020

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Agenda 03/10/2023 às 18:11

4. Incentivo à Competitividade

Ao analisar a história do saneamento básico no Brasil, o professor Aloísio Zimmer9 explica que, no período do regime militar, houve a instituição do PLANASA - Plano Nacional de Saneamento -, pelo qual os Estados-membros

(...) ficaram encarregados de criar companhias públicas, entidades integradas às suas administrações indiretas, com o formato de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos — dessa categorização decorria um regime jurídico híbrido, hoje regulado pela Lei n. 13.303/2016. As entidades deveriam trabalhar pela expansão das redes de acesso à água potável e ao esgotamento sanitário – o foco desse projeto era na realização de obras -, além da disponibilização do serviço aos usuários mediante a cobrança de tarifas que não necessariamente correspondiam ao custo real do serviço. Havia essa convicção de que em muitas cidades o empreendimento não seria sustentado apenas com tarifas pagas pelos usuários locais, tornando imprescindível a alocação de recursos públicos ou o desenvolvimento de um ponto de equilíbrio mediante compensações cruzadas entre os municípios operados — o chamado “subsídio cruzado”. Como dito outras vezes, não era um modelo que contava com a construção de uma política tarifária sustentada no estresse de uma disputa entre interessados na prestação do serviço, o que se revelou um fato gerador de ineficiência, pelo menos para um conjunto importante de sistemas.

Naquele momento histórico, obviamente, colocou-se um conflito em relação à titularidade do serviço, pois o PLANASA compreendia uma aproximação da União com os estados, a despeito de depender da concordância dos municípios em delegar às companhias estaduais a operação do sistema. Diga-se de passagem, uma concordância incentivada (o uso dos spending powers), pois condicionava o acesso aos recursos federais à aderência à sistemática proposta. (Grifo nosso)

Incentivava-se, portanto, que os serviços de saneamento básico fossem delegados pelos Municípios às Companhias Estaduais, pois somente assim Entes Municipais eram beneficiados com os recursos federais. Nesse sentido, Juliana Jerônimo Smiderle 10 assevera:

O PLANASA era gerido pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), que aplicava recursos próprios e do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) em operações de financiamento para implantação ou melhoria de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Os recursos eram encaminhados para as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs), criadas à época. Ou seja, apenas os municípios que haviam concedido os serviços para CESBs eram beneficiados com o plano. Em outras palavras, o PLANASA incentivava a regionalização da prestação dos serviços de água e esgoto, uma vez que as CESBs, apesar de firmarem contrato com os municípios (quando formalizavam), operavam sistemas interligados – que não viam limites políticos – e adotavam estrutura tarifária única – o que viabilizava, em teoria, a prestação dos serviços por meio do subsídio cruzado. (Grifo nosso)

Embora o saneamento básico se inserisse entre os serviços de competência municipal, os Municípios, a fim de acessarem os recursos advindos do governo federal, aderiam a contratos de concessão, os quais não eram precedidos de licitação. Registra-se, porém, que alguns Municípios realizavam diretamente seus projetos de saneamento básico.

Com a Constituição Federal de 1988, o Município passou a ter um destaque maior em relação ao saneamento básico. Com efeito, como já referido, compete aos Municípios organizar e prestar, diretamente ou por delegação na forma de concessão ou de permissão, os serviços públicos de interesse local (artigo 30, inciso V, da Constituição Federal), entre os quais se insere o de saneamento básico.

O artigo 241 da Constituição Federal, por sua vez, dispõe que:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (Grifo nosso)

O artigo 241 da Constituição Federal permitiu, por conseguinte, que os Municípios firmassem com o Estado-membro um convênio de cooperação ou mesmo um consórcio público e, com isso, assinassem um contrato de programa com as Companhias Estaduais de Saneamento Básico. Sobre o tema, oportuna a explicação de Aloísio Zimmer11:

Em resumo, utilizou-se da Lei n. 11.107/2005 para a formalização, muitas vezes, das prestações de fato do serviço, até então de caráter precário. O procedimento, a partir da aprovação desse diploma legal, era o seguinte: estado-membro e município firmavam um convênio de cooperação ou um consórcio público, que dependia da autorização legislativa específica – uma lei municipal -, na forma do artigo 241 da Constituição Federal. Em caso de convênio de cooperação, o instrumento deveria ser aprovado pelo Poder Legislativo; enquanto no consórcio público, o seu protocolo de intenções seria levado à análise do Legislativo. Em ambas as hipóteses, o contrato de programa estaria, de alguma forma, previsto como mecanismo de formalização da transferência do serviço: em cláusula do convênio de cooperação ou no protocolo de intenções do consórcio público. Em que pese as companhias estaduais sejam pessoas jurídicas de direito privado, atuavam em nome do estado-membro como integrantes da administração indireta desse, situação permitida pelo artigo 13, § 5º da Lei n. 11.107/2005. (Grifo nosso)

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Assim, alguns Municípios continuaram prestando diretamente o saneamento básico para a população, porém as Companhias Estaduais permaneceram realizando as atividades de abastecimento de água e de esgotamento sanitário na maior parte dos Municípios brasileiros sem que, para isso, tivessem participado de um processo de licitação.

Ocorre que esses modelos adotados nem sempre alcançaram os resultados esperados, de modo que o saneamento básico, em especial o esgotamento sanitário e o abastecimento de água potável, ainda não chega às residências de grande parte da população brasileira. Era necessário, pois, pensar em novos formatos, principalmente que fossem capazes de trazer investimentos para o setor.

Desde a Emenda Constitucional 19/1998, passou-se a falar, no Brasil, em Administração Pública gerencial, a qual se volta para os resultados, para a eficiência das políticas públicas, conforme explicado pelo professor Rafael Carvalho Rezende Oliveira12:

O aparelho estatal foi reduzido e a “Administração Pública burocrática” foi substituída pela “Administração Pública gerencial” a partir da Reforma Administrativa instituída pela EC 19/1998. Enquanto a Administração Pública burocrática se preocupa com os processos, a Administração Pública gerencial é orientada para a obtenção de resultados (eficiência), sendo marcada pela descentralização de atividades e avaliação de desempenho a partir de indicadores definidos em contratos (contrato de gestão ou de desempenho).

Nesse caminho, o Estado planejaria a política pública, com a possibilidade de sua delegação a particulares, após procedimento de licitação, por meio de contratos de concessão e permissão do serviço, nos termos do artigo 175, caput, da Constituição Federal, segundo o qual: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

O Estado, portanto, possibilita que serviços públicos sejam executados por particulares, sendo criadas autarquias em regime especial – as chamadas Agências Reguladoras – a fim de regular e fiscalizar a prestação desses serviços.

Relativamente às formas de prestação dos serviços públicos no Brasil, importa trazer, em síntese, a lição de Alexandre Santos de Aragão13:

Além da prestação centralizada, que ocorre quando o próprio ente da Federação titular da atividade é o responsável por prestá-la, os serviços públicos podem ser também prestados de forma descentralizada.

A prestação descentralizada pode se dar por lei (para entidade da administração indireta do ente federativo titular do serviço) ou por contrato (para particular ou até mesmo para entidade da administração pública indireta), mas por contrato, precedido da respectiva licitação ou dos procedimentos de dispensa ou inexigibilidade de licitação apropriados.

Note-se, não há identidade absoluta entre delegação legal e entidades da administração indireta. Sempre que há delegação legal, há entidades da administração indireta responsáveis pelo serviço; mas nem sempre as entidades da administração indireta recebem o serviço apenas por lei, muitas vezes celebrando contratos de delegação com esse objetivo (...)

No setor de distribuição de água e esgotamento sanitário, desde a criação do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), em 1971, o serviço, de titularidade municipal, foi prestado sobretudo por empresas públicas estaduais, sendo essa descentralização atualmente formalizada principalmente pelos chamados contratos de programa (...).

Ocorre que, com a Lei nº 14.026/2020, não é mais possível a celebração dos contratos de programa com as Companhias Estaduais de Saneamento Básico sem licitação. Dessa forma, para que as entidades da Administração Indireta não integrantes da estrutura do titular do serviço de saneamento básico prestem a atividade é preciso que se submetam à licitação. Ressalta-se, porém, que contratos de programa regulares continuarão em vigor até seu termo contratual. É nesse sentido o artigo 10 da Lei nº 11.445/2007, com redação dada pela Lei nº 14.026/2020:

Art. 10. A prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação, nos termos do art. 175. da Constituição Federal, vedada a sua disciplina mediante contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária. (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)

§ 3º Os contratos de programa regulares vigentes permanecem em vigor até o advento do seu termo contratual. (Incluído pela Lei nº 14.026, de 2020)

Conforme de Aloísio Zimmer14:

Dessa forma, nos próximos anos, observar-se-á a substituição gradual dos contratos de programa pelos contratos de concessão: é a alteração da gestão associada interfederativa pela delegação dos serviços por meio da Lei Geral de Concessões (Lei n. 8.987/1995) e da Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei n. 11.079/2004). Assim, haverá a troca da prestação direta dos serviços pela prestação indireta.

Salienta-se que essa não é uma modificação singela. Na prática, identifica-se o reforço da Lei n. 14.026/2020 pela busca da maior participação do setor privado nos serviços de saneamento básico. Isso porque a gestão associada, formalizada pela Lei n. 11.107/2005, significou a entrega da operação dos serviços ao setor público, por meio de suas companhias estaduais. O contrato de programa, instrumento preponderante de transferência dos serviços públicos de saneamento nesse contexto, era o plano de trabalho do acordo/convênio de cooperação ou consórcio público firmado entre estado-membro e titular do serviço (em regra, o município), exigido pela legislação porque no instrumento convenial havia a previsão de transferência de serviços públicos. (Grifo nosso)

Registra-se que a competitividade tornou-se um vetor da política de saneamento básico, tendo o inciso XV, do artigo 2º, da Lei nº 11.445/2007, incluído pela Lei nº 14.026/2020, estabelecido, inclusive, que a seleção competitiva do prestador dos serviços é um dos princípios fundamentais do saneamento básico.

Para Alexandre Santos de Aragão15:

O novo marco legal do saneamento básico, como já exposto, teve como um dos seus objetivos principais inaugurar uma nova cultura na prestação descentralizada do serviço de distribuição de água e esgotamento sanitário, elegendo ex nunc as concessões como o instrumento para a formalização de novas delegações, em detrimento dos outrora prevalecentes contratos de programa.

Ao tratar das alterações promovidas nos artigos 8º, parágrafo 1º, incisos I e II; e 10, caput, e parágrafo 3º, da Lei 11.445/2007 e no artigo 13, parágrafo 8º, da Lei 11.107/2005, o Ministro Luiz Fux, Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 649216, concluiu que:

O cotejo entre tais enunciados e a disciplina da Lei 14.026/2020 da prestação regionalizada suscita três conclusões. Em primeiro plano, a extinção do contrato de programa não afeta a validade e a legitimidade de toda a categoria “consórcio público intermunicipal”. Pela atual redação do da Lei 11.107/2005, a reunião de Municípios em consórcio ainda pode resultar em autarquia intermunicipal, competente para a prestação direta do serviço e para o investimento em infraestrutura.

Em segundo plano, a extinção do contrato de programa não obsta à participação das Companhias Estaduais de Saneamento Básico – CESBs em licitações, inclusive para pleitear a outorga da área anteriormente explorada (a título precário).

Em terceiro plano, e como já fartamente demonstrado, a sistemática da Lei 14.026/2020 não pretende impor a um único Município todos os custos de transação envolvidos com o contrato de concessão. Ao contrário, a novel legislação fornece dois arranjos federativos de contratação voltados unicamente ao setor de saneamento.

De tal modo que a exclusão do contrato de programa representa uma afetação proporcional à autonomia negocial dos Municípios, em prol da realização de objetivos setoriais igualmente legítimos. Essa proibição ocorre pari passu a opção legislativa pela delegação sob o modelo de concessão. (Grifo nosso)

De fato, a preferência pela concessão na prestação de serviços é clara no Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Com efeito, diante de um grande volume de investimentos necessários para que as metas legais sejam atingidas, entendeu-se que o setor depende de capital privado para que sejam atingidos os objetivos da lei. Nesse sentido, Aloísio Zimmer17 destaca:

O aspecto crucial é que a Lei n. 14.026/2020 passa a estipular a modalidade da concessão como a preferencial na prestação dos serviços públicos de saneamento. Essa escolha indica, no mínimo, o intento pela maior participação de atores privados e pelo crescimento do pacto regulatório por contrato, em detrimento da preponderância da regulação discricionária, vigente na modalidade de gestão associada. (Grifo nosso)

Nesse sentido, observa-se que a Lei nº 14.026/2020 incentiva à delegação dos serviços, consoante o disposto no artigo 13, notadamente o previsto no seu inciso VI e nos seus parágrafos 1º e 3º:

Art. 13. Decreto disporá sobre o apoio técnico e financeiro da União à adaptação dos serviços públicos de saneamento básico às disposições desta Lei, observadas as seguintes etapas:

I - adesão pelo titular a mecanismo de prestação regionalizada;

II - estruturação da governança de gestão da prestação regionalizada;

III - elaboração ou atualização dos planos regionais de saneamento básico, os quais devem levar em consideração os ambientes urbano e rural;

IV - modelagem da prestação dos serviços em cada bloco, urbano e rural, com base em estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA);

V - alteração dos contratos de programa vigentes, com vistas à transição para o novo modelo de prestação;

VI - licitação para concessão dos serviços ou para alienação do controle acionário da estatal prestadora, com a substituição de todos os contratos vigentes.

§ 1º Caso a transição referida no inciso V do caput deste artigo exija a substituição de contratos com prazos distintos, estes poderão ser reduzidos ou prorrogados, de maneira a convergir a data de término com o início do contrato de concessão definitivo, observando-se que:

I - na hipótese de redução do prazo, o prestador será indenizado na forma do art. 37. da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 ; e

II - na hipótese de prorrogação do prazo, proceder-se-á, caso necessário, à revisão extraordinária, na forma do inciso II do caput do art. 38. da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 .

§ 2º O apoio da União será condicionado a compromisso de conclusão das etapas de que trata o caput deste artigo pelo titular do serviço, que ressarcirá as despesas incorridas em caso de descumprimento desse compromisso.

§ 3º Na prestação dos serviços públicos de saneamento básico, os Municípios que obtiverem a aprovação do Poder Executivo, nos casos de concessão, e da respectiva Câmara Municipal, nos casos de privatização, terão prioridade na obtenção de recursos públicos federais para a elaboração do plano municipal de saneamento básico.

§ 4º Os titulares que elegerem entidade de regulação de outro ente federativo terão prioridade na obtenção de recursos públicos federais para a elaboração do plano municipal de saneamento básico. (Grifo nosso)

Diante do exposto, a prestação do serviço de saneamento básico pode ser feita diretamente pelo Município ou pode ser delegado à empresa privada por intermédio de licitação. Além disso, os serviços podem ser realizados por meio de gestão associada, sendo admitidos consórcios intermunicipais formados por Municípios que prestarão o serviço aos consorciados mediante a instituição de autarquia intermunicipal, vedada a subdelegação pela autarquia sem que haja licitação. Ao examinar a constitucionalidade da gestão associada, Andrea Ferreira Caputo Jobim, Daniel Derenusson Kowarski, Giovani Morelli e Tatianna Fernandes da Paz Ribeiro de Souza18 consideram que:

A gestão associada por meio de consórcio público ou convênio de cooperação, por decorrer de expressa previsão constitucional (art. 241, CRFB), não apresenta maiores controvérsias. Nos termos da legislação recém promulgada, essa modalidade de regionalização dos serviços se dará exclusivamente por Municípios, para prestação direta, através da instituição de autarquia intermunicipal, sendo vedados novos contratos de programa com sociedade de economia mista ou empresa pública e a subdelegação por meio da autarquia municipal sem prévio procedimento licitatório.

Trata-se de manifestação de autonomia municipal com esteio constitucional que deve ser estimulada de modo a propiciar o melhor atendimento da população interessada na prestação dos serviços

Ainda é possível que a o serviço de saneamento básico seja realizado pela estrutura de prestação regionalizada – por intermédio de região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, de unidade regional de saneamento básico ou de bloco de referência – e, após o procedimento licitatório, celebrar o contrato de concessão do serviço público.

Entretanto, é evidente que a diretriz do novo Marco do Saneamento Básico é integrar Entes da Federação – é regionalizar -, constando entre os princípios elencados no artigo, 2º, inciso XIV, Lei nº 11.445/2007, incluído pela Lei nº 14.026/2020, a “prestação regionalizada dos serviços, com vistas à geração de ganhos de escala e à garantia da universalização e da viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços”.

Nesse caminho, buscando induzir os Municípios a aderirem à regionalização do serviço, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico prevê que a alocação de recursos federais e os financiamentos pela União ou com recursos geridos ou operados por entidades federais serão condicionados à observância de diversos critérios, entre os quais o alcance de índices mínimos de desempenho, de eficiência e de eficácia na prestação dos serviços, a observância das normas de referência editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a estruturação de prestação regionalizada, conforme disposto no artigo 50, incisos I, III e VII, VIII e IX, da Lei nº 11.445/2007, com redação dada pela Lei nº 14.026/2020. Ademais, parágrafo 1ª desse mesmo artigo prioriza a aplicação de recursos federais não onerosos a investimentos que viabilizem a prestação de serviços por meio de blocos regionais, nestes termos:

§ 1º Na aplicação de recursos não onerosos da União, serão priorizados os investimentos de capital que viabilizem a prestação de serviços regionalizada, por meio de blocos regionais, quando a sua sustentabilidade econômico-financeira não for possível apenas com recursos oriundos de tarifas ou taxas, mesmo após agrupamento com outros Municípios do Estado, e os investimentos que visem ao atendimento dos Municípios com maiores déficits de saneamento cuja população não tenha capacidade de pagamento compatível com a viabilidade econômico-financeira dos serviços. (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)

O referido incentivo trata-se de um instrumento chamado de spending power, o qual foi assim analisado por Andrea Ferreira Caputo Jobim, Daniel Derenusson Kowarski, Giovani Morelli e Tatianna Fernandes da Paz Ribeiro de Souza19:

Aqueles que defendem o manejo do recurso do spending power alegam que a adesão é mero incentivo e que o cumprimento da condicionante é opcional e, desta forma, não afeta a autonomia do ente federativo menor, por ser meramente indutivo. Contudo, entende-se que, considerando o contexto fático atual, não é possível falar-se em facultatividade da adesão dos titulares de serviços públicos de saneamento às estruturas das formas de prestação regionalizada não constitucionalmente previstas (art. 8-A da lei 11.445/2007), inexistindo mecanismo indutivo. Isto porque a adesão à regionalização é uma exigência para a alocação de recursos públicos federais e financiamentos com recursos da União, conforme previsto no art. 50. da mesma lei, e sabe-se que, na realidade, grande parte dos municípios não possuem condições econômicas de recusar tal auxílio.

Conforme previamente destacado, a autonomia está intrinsecamente ligada à capacidade de gestão. E, considerando a realidade financeira da maior parte dos municípios do país, não há muitas possibilidades de haver uma manifestação verdadeiramente livre e autônoma se os custos envolvidos na escolha ou eventual recusa se revelam muito elevados, como é o caso. Mesmo que um Município de menor orçamento, com a necessidade de promover melhorias nos serviços de saneamento básico, apresente boas ideias para tal, não terá possibilidades de desenvolvê-las caso não opte pela regionalização, tendo em vista esta ser uma das condições para se acessar o auxílio financeiro da União de que necessita para a execução. (Grifo nosso)

Embora existam críticos quanto ao incentivo ao ingresso em blocos regionais de para a prestação de serviços, o artigo 50 da Lei nº 11.445/2007, com redação dada pela Lei nº 14.026/2020, foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.492, 6.536, 6.583 e 6.882.

Sobre a autora
Deise Alda Estivalet Junges

Procuradora do Município de Canoas/RS Ex- servidora pública do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNGES, Deise Alda Estivalet. A prestação dos serviços de saneamento básico no Brasil à luz da Lei nº 14.026/2020. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7398, 3 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106513. Acesso em: 25 nov. 2024.

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