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A regulação da energia solar.

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3. ASPECTOS NORMATIVOS RELACIONADOS À REGULAÇÃO DA GERAÇÃO DE ENERGIA SOLAR

Analisado o tema sob a ótica do Direito Internacional, aliado às diretrizes de sustentabilidade, ponto de partida do processo de regulação do tema; bem como o papel da ANEEL como agência reguladora, atuando diretamente na regulação e fiscalização do setor, é o momento de fazer o estudo aprofundado da Lei nº 14.300/2022. Para isso, além dos dispositivos da lei, serão analisados os incentivos ao setor, as resoluções normativas mais relevantes, as questões que desencadearam a necessidade da promulgação da lei e, por fim, as repercussões econômicas e sociais que dela resultaram.

3.1 Dos principais conceitos para entender a regulação

Visando a tornar mais clara a compreensão do trabalho, que a partir daqui ficará mais técnico, mostra-se necessário entender alguns conceitos relacionados às tarifas de energia e algumas definições importantes trazidas pela Lei nº 14.300/2022. Ressalta-se, ainda, que existem outros conceitos trazidos pela lei e por resoluções da ANEEL, contudo, optou-se pelos mais relevantes para o presente estudo.

3.1.1 Tarifa de Energia Elétrica

O serviço de energia elétrica é utilizado nos mais diversos setores da sociedade e, para isso, é necessária a aplicação de tarifas que remunerem os serviços prestados, com a observância de diversos componentes, como os custos com transporte e distribuição, encargos setoriais e tributos (ANEEL, 2023).

Desse modo, conforme apresenta o Ministério de Minas e Energia:

A tarifa de energia elétrica é a composição de valores calculados que representam cada parcela dos investimentos e operações técnicas realizadas pelos agentes da cadeia de produção e da estrutura necessária para que a energia possa ser utilizada pelo consumidor.

A tarifa representa, portanto, a soma de todos os componentes do processo industrial de geração, transporte (transmissão e distribuição) e comercialização de energia elétrica. São acrescidos ainda os encargos direcionados ao custeio da aplicação de políticas públicas (MME, 2023, grifo nosso).

Observa-se que a tarifa fixada pela ANEEL, que pode variar de acordo com os componentes citados, traduz-se na remuneração do serviço prestado por toda a cadeia produtiva. Assim, tais informações devem constar da fatura de energia elétrica (“conta de luz”) discriminando o valor correspondente a cada um desses componentes. Vale registrar que o maior percentual da tarifa de energia está composto por impostos e contribuições.

3.1.2 Grupos tarifários e outras tarifas

As unidades consumidoras são divididas em Grupo A e B. O Grupo A contém as unidades de alta e média tensão e os grupos subterrâneos. Já o Grupo B – o qual tem maior relação com o objeto do estudo – contém as unidades de baixa tensão residenciais, baixa tensão rurais e iluminação pública.

Ressalta-se que as unidades enquadradas no Grupo B não podem escolher seu fornecedor de energia, ao contrário das unidades do Grupo A, que podem participar do Mercado Livre de Energia. A vantagem para o Grupo A está na redução de custos e redução de tarifas, visto que consomem muita energia. Contudo, as unidades do Grupo B podem ter alguns benefícios, como a Tarifa Social (para famílias de baixa renda) ou a Tarifa Branca (que institui valores diferentes de custo de energia para distintos períodos do dia).

Destaca-se, ainda, a incidência de maiores encargos, com as Bandeiras Tarifárias (verde, amarela e vermelhas – 1 e 2), relacionadas ao custo de geração. Nesse sentido, a geração solar visa a reduzir estes custos, uma vez que, com maior disponibilidade energia, menos custosa é a geração.

3.1.3 Parcelas A e B

Primeiramente, a Parcela A é constituída pelos custos não gerenciáveis, ou seja, custos sobre os quais não há total controle da distribuidora, podendo oscilar. Assim, esta Parcela é composta pela aquisição de energia, pela transmissão e pelos encargos setoriais – que não são tributos, mas valores devidos previstos por lei, como a conta de desenvolvimento energético e a conta do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (ENERGÊS, 2022).

Além disso, para a realização do cálculo tarifário, também existe a Parcela B, dentro da qual estão os custos gerenciáveis, que podem ser administrados pela distribuidora. Ou seja, esta parcela engloba os custos operacionais, a cota de depreciação – relativa aos bens da concessionária – e remuneração do investimento. Logo, a Parcela B é composta por todos os custos com a distribuição de energia, sendo a parcela que produz lucro para as distribuidoras (ENERGÊS, 2022).

3.1.4 Composição da fatura de energia, Fio A e Fio B

A fatura de energia é composta pela Tarifa de Energia (TE), referente ao consumo de energia do sistema de distribuição, pela Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), pelas bandeiras tarifárias, contribuição de Iluminação Pública e a Subvenção Tarifária, para as propriedades rurais. Para aqueles do Grupo A inseridos no ambiente livre de contratação há, ainda, a incidência da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST).

Diante disso, no que tange ao Grupo B, a TUSD é repleta de componentes tarifários. Dentro destes, há a TUSD Fio A, que são os custos vinculados à manutenção e à operação das linhas de transmissão, e a TUSD Fio B, que são os custos vinculados ao uso da rede de infraestrutura da concessionária até a unidade consumidora-geradora (MARQUES, 2022). Quando oportuno, será exposto que a maior onerosidade incide, mormente, com os custos do Fio B nos sistemas de geração distribuída.

3.1.5 Autoconsumo local e remoto

O autoconsumo local ocorre quando a unidade consumidora (residência, por exemplo) produz sua própria energia elétrica e a compensa ou quando se utiliza de sua própria energia, na titularidade do mesmo consumidor-gerador (art. 1º, inciso I, da Lei nº 14.300/2022).

Já o autoconsumo remoto ocorre quando uma unidade produtora realiza a geração de energia em uma localidade e compensa ou utiliza dessa energia em localidades diversas, todas de mesma titularidade (art. 1º, inciso II, da Lei nº 14.300/2022).

3.1.6 Geração compartilhada e Consórcio de consumidores de energia elétrica

A geração compartilhada é a modalidade caracterizada pela reunião de consumidores (consórcio, cooperativa, condomínio civil ou qualquer outra forma de associação civil) composta por vários titulares – sejam pessoas físicas ou jurídicas – em um sistema matriz-filiais, com o atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora (art. 1º, X, da Lei nº 14.300/2022).

Já o consórcio de consumidores está inserido na geração compartilhada e trata-se de reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas consumidoras de energia elétrica, instituído para a geração de energia destinada a consumo próprio, com atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora (art. 1º, III, da Lei nº 14.300/2022). Essa possibilidade foi trazida como inovação pelo Marco Legal, pois permitiu o consórcio de pessoas físicas da Lei nº 11.795/2008, o que antes não era possível, porque se observava o consórcio apenas de pessoas jurídicas da Lei nº 6.404/1976.

3.1.7 Consumidor-gerador

Antes do advento do Marco Legal, aquele que produzia e consumia energia (autoconsumo local, por exemplo) era chamado de “prosumidor”. Contudo, o termo foi superado e deu lugar ao “consumidor-gerador”: titular de unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída (art. 1º, V, da Lei nº 14.300/2022).

Sendo assim, o consumidor-gerador será o responsável pela geração da energia solar no seu imóvel, podendo fazer parte do autoconsumo local, como antes, mas também de outras modalidades da geração distribuída, como a geração compartilhada, por exemplo.

3.1.8 Crédito de energia elétrica e Excedente de energia elétrica

Importante apontar que, por maior que seja sua semelhança, são termos distintos. Por um lado, o crédito de energia elétrica é o excedente não compensado pela unidade consumidora dentro do ciclo de faturamento (dentro de um mês, por exemplo) que será registrado para posterior uso, ou vendido para a concessionária.

Já o excedente de energia elétrica é a diferença positiva entre a energia injetada e a energia consumida na unidade consumidora-geradora, ou seja, haverá um saldo positivo quando for gerada mais energia do que consumida (art. 1º, VI e VIII, da Lei nº 14.300/2022).

3.1.9 Microgeração distribuída e Minigeração distribuída

Já a microgeração distribuída consiste em geração até 75 kW (setenta e cinco quilowatts) e que utilize cogeração qualificada (boa eficiência energética) ou fontes renováveis de energia elétrica, conectada na rede de distribuição de energia elétrica (ou seja, ligada à uma concessionária) por meio de instalações de unidades consumidoras (art. 1º, XI, da Lei nº 14.300/2022).

Por fim, a minigeração distribuída consiste na geração de energia elétrica renovável ou de cogeração qualificada maior que 75 kW (setenta e cinco quilowatts), menor ou igual a 5 MW (cinco megawatts) para as fontes despacháveis (hidrelétricas) e menor ou igual a 3 MW (três megawatts) para as fontes não despacháveis (art. 1º, XIII, da Lei nº 14.300/2022).

3.1.10 Sistemas ON GRID e OFF GRID

O sistema fotovoltaico conectado à rede (ON GRID) gera a energia solar por meio de placas fotovoltaicas e a distribui para o imóvel. Entretanto, caso haja excedente, este será enviado à rede de distribuição da empresa concessionária, que retornará como créditos de energia.

Por outro lado, no sistema OFF GRID, há a geração de energia solar por meio das placas fotovoltaicas que irão armazenar o excedente de energia em baterias, funcionando de forma isolada, sem a necessidade de se utilizar dos sistemas das distribuidoras. Contudo, isso os pode tornar mais caros pois, além dos custos dos painéis, devem ser mensurados os custos com a aquisição e a troca de baterias.

3.1.11 Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE)

No Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), a energia ativa é injetada por unidade consumidora na rede da distribuidora local (concessionária), cedida a título de empréstimo gratuito e posteriormente compensada com o consumo de energia elétrica ativa ou contabilizada como crédito de energia de unidades consumidoras participantes do sistema (art. 1º, XIV, da Lei nº 14.300/2022).

Nesse contexto, quando oportuno, será analisado que, além do consumidor-gerador possuir todos os custos de instalação e manutenção dos painéis, no sistema de compensação, toda energia gerada é cedida gratuitamente para a concessionária, que a venderá com todos os encargos a outros consumidores (bandeiras, componentes tarifários e tributos).

3.2 Dos primeiros incentivos à produção de energia por fontes alternativas

Com o advento da Constituição Federal, mais alinhada com as questões ambientais, buscou-se alternativas de otimização do setor de energia. Para isso, os poderes da República se esforçaram em encontrar soluções para o problema revisando e modernizando a legislação com o objetivo de investir mais em geração de energia alternativa e aperfeiçoar o planejamento do setor energético como um setor indispensável para o avanço da economia no país.

Nesse contexto, SILVA (2022, p. 66) destaca que as mudanças legislativas mais importantes são, em síntese, a promulgação da Lei nº 10.295/2001, que dispôs sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia, da Lei nº 10.438/2002, que criou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), e da Lei nº 10.848/2004, acerca da Comercialização de Energia Elétrica.

Diante disso, a Lei nº 10.295/2001 visava à locação eficiente de recursos energéticos e à preservação do meio ambiente (art. 1º). De acordo com NASCIMENTO (2015, p. 6), foi determinado ao Poder Executivo que estabelecesse níveis máximos de consumo de energia das máquinas e aparelhos com base indicadores técnicos pertinentes (art. 2º), que vinculavam os importadores e fabricantes (art. 3º), utilizando-se de um programa de metas para medir sua evolução (art. 2º, §2º).

Com esse fim, foi editado o Decreto nº 4.059/2001, que instituiu o Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência Energética (CGIEE), composto de representantes dos setores estratégicos de energia e, ainda, de especialistas em matéria de energia. Assim, com a implementação dessas medidas, os produtos disponibilizados no mercado tiveram de obedecer aos parâmetros estipulados e, consequentemente, houve economia de energia para o consumidor final (NASCIMENTO, 2015, p. 14).

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Em seguida, outra relevante ação foi a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), que objetiva aumentar a participação das fontes alternativas de produção de energia elétrica, criado pela Lei nº 10.438/2002. De acordo com a Eletrobras (2017), o programa já possui um total de 119 empreendimentos, constituído por 41 usinas eólicas, 59 pequenas usinas hidrelétricas e 19 usinas térmicas movidas a biomassa. Por mais que não haja um incentivo específico à geração solar, o PROINFA promove a diversificação e a descentralização da geração de energia no Brasil.

Destaca SILVA (2022, p. 67) que a Lei de Comercialização de Energia Elétrica (Lei nº 10.848/2004) apresentou disposições a fim de contemplar, na regulação da comercialização de energia, a produzida por fontes alternativas (art. 2º, §5º, II e III). Ressalta-se que, com o advento da Lei nº 14.300/2022, foi incluída a geração distribuída – gerada por consumidores independentes – já em um contexto de incentivo à produção de energia solar:

§ 5º Os processos licitatórios necessários para o atendimento ao disposto neste artigo deverão contemplar, dentre outros, tratamento para:

I - energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração existentes;

II - energia proveniente de novos empreendimentos de geração; e

III - fontes alternativas.

IV – geração distribuída. (Incluído pela Lei nº 14.300, de 2022). (grifo nosso)

Nota-se, portanto, que a preocupação legislativa com o tema, no início dos anos 2000, possibilitou o crescimento da produção de energia elétrica por fontes alternativas, fazendo que os agentes econômicos do setor busquem cada vez mais influenciar nas decisões de planejamento do Estado. Isso, por sua vez, obrigou o poder público a dar maior atenção na gestão dos interesses setoriais, como, por exemplo, entre os interesses conflitantes do mercado de energias renováveis, em relação ao mercado já estabelecido e consolidado antes da necessidade de uma transição energética (SILVA, 2022, p. 67).

3.3 Das resoluções normativas anteriores à Lei nº 14.300/2022

Para adentrar no estudo das resoluções editadas pela ANEEL, no contexto de energia solar, em primeiro lugar, faz-se necessário entender a hierarquia dessas normas dentro da pirâmide normativa brasileira.

De acordo com MEIRELLES (2016, p. 207):

Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica. Por exceção admite-se resoluções individuais.

As resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los. Seus efeitos podem ser internos ou externos, conforme o campo de atuação da norma ou os destinatários da providência concreta.

As resoluções são também usadas para os atos administrativos internos das corporações legislativas e tribunais em geral (grifo nosso).

Notam-se que as resoluções normativas devem servir como instrumento para melhor entendimento da lei, mas nunca poderão inovar ou contrariar o texto legal, tendo sempre hierarquia inferior às leis ordinárias.

Assim, com o advento da Lei nº 14.300/2022, as resoluções que serão estudas a seguir ficaram revogadas. Porém, é muito importante realizar seu estudo pois, além do seu fator histórico, como o início da regulação do tema, grande parte do texto do Marco Legal da Energia Solar foi importado, em especial, da Resolução Normativa nº 482/2012 (SILVA, 2022, p 83).

3.3.1 Das Resoluções Normativas nº 481 e nº 482/2012 da ANEEL

Com a implementação dos programas de incentivo às fontes limpas e à economia de energia, oportunamente discutidos, viu-se a necessidade de regular o setor de forma mais eficaz. Diante disso, no ano de 2012, a ANEEL editou duas importantes resoluções normativas, quais sejam, a RN 481 e a RN 482.

Primeiramente, em relação à Resolução Normativa nº 481/2012, aponta SILVA (2022, p. 71) que:

A Resolução Normativa n° 481 teve por objetivo estabelecer um desconto de 80% (oitenta por cento) nas Tarifas de Uso dos sistemas elétricos de Transmissão (TUST) e Distribuição (TUSD) para os empreendimentos que entrassem em operação comercial até 31 de dezembro de 2017, pelo prazo de 10 (dez) anos, e, para os empreendimentos que entrassem em operação após 31 de dezembro de 2017, o desconto de 50% (cinquenta por cento) nas referidas tarifas.

Nesse contexto, reduzir o valor pago nas tarifas estimulou os investidores em energia solar a adquirir os painéis e, consequentemente, realizar sua instalação e operação dentro desse período fixado.

Em seguida, segundo NASCIMENTO (2017, p. 27), com o advento da Resolução Normativa nº 482/2012, a ANEEL deu grande passo para ampliar a geração de energia solar fotovoltaica em unidades consumidoras. A resolução estabeleceu as condições gerais para o acesso da microgeração e minigeração aos sistemas de distribuição de energia elétrica, criando o sistema de compensação de energia.

Aponta NASCIMENTO (2017, p. 29) que, com o sistema de compensação introduzido pela citada resolução, a geração distribuída de energia solar começou a avançar de fato no país. No mesmo sentido, assevera SILVA (2022, p. 71):

Nessa esteira, foi a partir da edição da Resolução Normativa n° 482 da ANEEL, que iniciou-se um embrionário processo de desenvolvimento do mercado de geração de energia pela fonte solar, que registrou índices de crescimento surpreendentes no período posterior à edição do ato normativo, especialmente a partir do ano de 2016 [...] (grifo nosso).

3.3.2 Da Resolução Normativa nº 687/2015 da ANEEL

Posteriormente, no ano de 2015, foi editada pela ANEEL a Resolução Normativa nº 687, a qual ampliou as possibilidades de geração de energia solar, com a geração distribuída em condomínios, com múltiplas unidades consumidoras, e criou a figura da geração compartilhada, na qual múltiplos interessados podem reunir-se em consórcios ou cooperativas, reduzindo, assim, as faturas de energia de seus consorciados (NASCIMENTO, 2017, p. 28). Ressalta-se que referida resolução foi pioneira em tratar do autoconsumo remoto, pois, antes disso, a energia apenas poderia ser utilizada no mesmo local da unidade consumidora.

Observa-se, portanto, nesse primeiro momento, a importância da regulação do tema e como isso proporcionou incentivo à geração fotovoltaica. Os dados estatísticos trazidos pela ABSOLAR mostram que, a partir de 2012, a potência instalada de 8 MW (oito megawatts) teve um crescimento exponencial até o contexto atual, com a Lei nº 14.300/2022 já em vigor, chegando a 32.658 MW (trinta e dois mil seiscentos e cinquenta e oito megawatts) no acumulado até julho de 2023 (ABSOLAR 2023).

3.3.3 Das Resoluções Normativas nº 1.000/2021 e nº 1.059/2023 da ANEEL

Por sua vez, após o advento da Lei nº 14.300/2022, destacam-se a Resolução Normativa nº 1.000/2021 e a Resolução Normativa nº 1.059/2023. Em síntese, dentre outras disposições, a RN 1.000/2021, reunindo e ampliando o conteúdo de diversas resoluções anteriores, tratou das regras de prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica e dispôs sobre os direitos e deveres do consumidor e demais usuários do serviço. Já a RN 1.059/2023 alterou a RN 1.000/2021 estabeleceu regras de conexão das unidades com micro e minigeração distribuída e tratou de critérios para a participação no SCEE.

Houve críticas do setor gerador em relação a vários dispositivos dessas resoluções e, diante disso, está em tramitação o Projeto de Decreto Legislativo 59/2023 para suspender disposições que possam ter extrapolado a competência da ANEEL. Como se verá posteriormente, algumas dessas disposições dão margem a cancelamentos e suspensões arbitrárias por parte das distribuidoras das solicitações de conexão ou de aumento de potência (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2023).

3.4 Do Marco Legal da Energia Solar

No dia 6 de janeiro de 2022, com o objetivo de definir as normas de produção e consumo da energia fotovoltaica, foi promulgada a Lei nº 14.300, instituindo o Marco Legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS). Esta lei alterou também disposições da Lei nº 10.848/2004 e da Lei nº 9.427/1996, estudadas nos tópicos anteriores.

O advento do Marco Legal da Energia Solar busca possibilitar a segurança jurídica para o setor de geração de energia fotovoltaica, trazendo conceitos atualizados para o autoconsumo local e remoto e para a geração compartilhada, bem como novas regras de conexão para os sistemas de geração e novas regras tarifárias, as quais geraram grande discussão no setor.

3.4.1 Do Projeto de Lei nº 5.829/2019

Com o crescimento exponencial da geração de energia solar após o advento da Resolução Normativa nº 482/2012, com o aumento da compra de painéis fotovoltaicos e a maior injeção de energia na rede de distribuição, o setor regulatório observou a necessidade de promulgar uma lei que reunisse as disposições normativas essenciais a possibilitar a segurança jurídica – e econômica – para a produção fotovoltaica.

Contudo, conforme aponta SILVA (2022, p. 76), a revisão das resoluções normativas, dando lugar à lei, levou a uma mobilização dos principais agentes econômicos do setor (instaladoras e prestadoras de serviços), com a adesão de um relevante apoio popular (consumidores), para fazer reação aos anseios da mudança regulatória.

Pode-se destacar, nesse momento, a atuação do Movimento Solar Livre (Associação do Empreendedor Solar) que incentivou a tramitação do projeto, defendendo a democratização do acesso à energia limpa, todavia, criticando o modelo de oneração imposto, com amplos poderes de decisão para ANEEL.

Além disso, houve, por parte dos consumidores em geral, grande polêmica, com o uso da terminologia “Taxação do Sol”, entendendo por seu lado que a fonte solar é direito difuso e, além de arcarem com todos os custos de instalação e produção, estariam sendo taxados pela energia gerada em suas residências (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019).

Por outro lado, conforme apresenta SILVA (2022, p. 76), as distribuidoras de energia elétrica e os setores técnicos governamentais defenderam a promulgação da lei, para melhor atender os custos de distribuição e preparar o setor para os próximos anos de expansão, ressarcindo as empresas distribuidoras dos custos do excedente gerado.

3.4.2 Da polêmica da taxação

Em que pese, até o presente momento, haver difusão dos termos “Taxação da Energia Solar” e “Taxação do Sol” com a intenção de chamar a atenção sobre os principais temas abordados pela Lei nº 14.300/2022, essa terminologia não é a mais adequada.

Por mais que se aproximem as nomenclaturas taxa e tarifa, pois ambas configuram o pagamento auferido pela prestação de serviço público, a taxa é espécie tributária vinculada à atuação estatal e somente será devida mediante um agir do Estado em prol do contribuinte (BARRETO, 2019).

A taxa está prevista no artigo 145, II, da CRFB:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[...]

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição (grifo nosso).

Devido à extensa discussão, tanto no que concerne ao Direito Administrativo quanto no contexto do Direito Tributário, com a elaboração da Súmula 545 do STF, os conceitos distinguiram-se:

Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu (grifo nosso).

Nessa lógica, em linhas gerais, a taxa é uma espécie de tributo, sendo compulsória e dispensando a utilização direta do serviço público prestado. Por outro lado, as tarifas (ou preços públicos) decorrem de vínculo contratual, sendo facultativas – prestado o serviço, haverá sua incidência (BARRETO, 2019). Desse modo, a terminologia mais adequada para discutir a oneração do setor de energia é tarifa.

Por fim, a distribuição de energia elétrica constitui serviço público não essencial e delegável, prestado pelas concessionárias e permissionárias, logo, não sendo utilizado pelo consumidor, não causa prejuízo à comunidade. Portanto, torna-se incorreta a expressão “Taxação do Sol”, devendo ser remunerado o serviço por meio de tarifa.

3.4.3 Das disposições da Lei nº 14.300/2022

Conforme apresentado, toda a regulação do setor de energia solar estava baseada em resoluções normativas da ANEEL, que poderiam sofrer alterações a depender da sensibilidade dos membros da diretoria às pressões externas – ainda mais por se tratar de órgão com grande autonomia –, gerando instabilidade e oscilações para o setor (SILVA, 2022, p. 81). Dessa forma, isso poderia desestimular o setor, que, sem o devido amparo legal, poderia perder os incentivos existentes e ter mudanças drásticas em sua organização.

Nesse contexto, fez-se necessária a promulgação da lei, dando maior segurança jurídica para todos os agentes da cadeia de geração e distribuição de energia solar, seja para o setor regulatório, com menor possibilidades de mudanças, obedecendo o texto legal nos próximos atos administrativos, seja para as empresas distribuidoras, que para os próximos anos terão maior amparo financeiro com os custos mais direcionados para a transmissão.

Ainda assim, as empresas instaladoras dos painéis fotovoltaicos – fornecedoras dos serviços de instalação e reparos, imprescindíveis para o acesso das placas aos consumidores – também se viram beneficiadas pela lei que regulou, em especial no Capítulo II, a solicitação de acesso e de aumento de potência (procedimento necessário para a aprovação do projeto e instalação do painel na residência do consumidor).

3.4.3.1 Do sistema de compensação ou net-metering

O principal avanço do Marco Legal foi aprofundar e refinar, no Capítulo IV, o instituto da Compensação de Energia:

Art. 9º Podem aderir ao SCEE os consumidores de energia, pessoas físicas ou jurídicas, e suas respectivas unidades consumidoras:

I – com microgeração ou minigeração distribuída com geração local ou remota;

II – integrantes de empreendimento com múltiplas unidades consumidoras;

III – com geração compartilhada ou integrantes de geração compartilhada;

IV – caracterizados como autoconsumo remoto.

Diante disso, o consumidor-gerador que instalar os painéis fotovoltaicos em sua residência, ou estabelecimento, em qualquer uma das condições listadas, poderá usufruir do sistema de compensação. Ou seja, quando a geração do mês for superior ao consumo de energia, haverá um saldo positivo que poderá ser utilizado para abater o consumo em outro posto tarifário, ou na fatura do mês subsequente.

Ressalta-se que, nos termos do que dispõe o parágrafo único do artigo 9º, não poderão aderir a esse sistema os consumidores livres que tenham exercido a compra de energia elétrica nos termos dos artigos 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, ou consumidores especiais que tenham adquirido energia na forma estabelecida no §5º do artigo 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996 (Grupo A com aquisições do Mercado Livre de Energia, por exemplo).

Além disso, o artigo 13 da Lei nº 14.300/2022 dispõe que:

Art. 13. Os créditos de energia elétrica expiram em 60 (sessenta) meses após a data do faturamento em que foram gerados e serão revertidos em prol da modicidade tarifária sem que o consumidor participante do SCEE faça jus a qualquer forma de compensação após esse prazo (grifo nosso).

Para exemplificar, imagine-se um consumidor que gere em sua residência 1000 kW (quilowatts) de energia no mês de julho e consuma na mesma unidade 900 kW (quilowatts) naquele mês. Nesse caso, ao final do faturamento, haverá um saldo de 100 kW (quilowatts) na unidade consumidora-geradora (1000 kW – 900 kW).

Nesse cenário, caso no mês de agosto, ou dentro dos próximos 60 (sessenta meses), haja maior consumo (1100 kW consumidos) ou menor produção (900 kW gerados), poderá haver a compensação do saldo positivo para o consumidor-gerador, compensando o déficit do mês de agosto com o superávit do mês de julho.

Isso implica grande benefício ao consumidor, gerando créditos que inclusive poderão ser alocados em outras unidades consumidoras, desde que atendidas pela mesma permissionária e de mesma titularidade do gerador (art. 14, parágrafo único, da Lei nº 14.300/2022).

3.4.3.2 Da tarifação do Fio B

Por outro lado, dentre as principais disposições do Marco Legal, está a questão da tarifação do Fio B, sobre a qual gerou-se toda a polêmica desde a tramitação do PL, até o cenário hodierno. Cumpre rememorar que o Fio B é um componente da tarifa de energia que se traduz nos custos vinculados ao uso da rede de infraestrutura da concessionária até a unidade consumidora, ou seja, no custo de levar a energia de um ponto ao outro. Ademais, os custos do Fio B podem variar de acordo com o adensamento populacional e otimização das redes e, portanto, nos estados mais populosos o seu percentual em relação à tarifa de energia elétrica é menor (MARQUES, 2022).

Assim, a lei dispõe novas regras tarifárias – não existentes na vigência da Resolução Normativa nº 482/2012 – em seu artigo 17:

Art. 17. Após o período de transição de que tratam os arts. 26 e 27 desta Lei, as unidades participantes do SCEE ficarão sujeitas às regras tarifárias estabelecidas pela Aneel para as unidades consumidoras com microgeração ou minigeração distribuída (grifo nosso).

Nesse contexto, aponta SILVA (2022, p. 85):

Trata-se da maior discussão subjacente ao marco legal das energias renováveis, pois era um pleito das distribuidoras de energia elétrica que fosse desfeita essa não cobrança de tarifas aos consumidores geradores participantes do SCEE, justificando esse pleito pela distorção que o sistema de distribuição e a manutenção de sua infraestrutura estariam sujeitos na medida em que fosse passando tempo, e fosse crescendo o número de sistemas conectados à rede de distribuição (grifo nosso).

Observa-se que a tarifação do Fio B ocorreu por uma pressão das distribuidoras de energia elétrica que, com o avanço da geração fotovoltaica, podem ter prejuízos com a alta injeção de energia na rede de distribuição e, consequentemente, ter de arcar com a manutenção e ampliação dos sistemas de distribuição.

Para exemplificar a tarifação, MARQUES (2022) apresenta a seguinte situação hipotética:

Imaginem que o senhor José é um pai de família, casado com a dona Maria e possuem 2 filhos. Todos os dias da semana o senhor José, dona Maria e família acordam às 6h da manhã, tomam seu café, e às 7h da manhã todos saem de casa. O senhor José e a dona Maria vão ao trabalho, onde permanecem até às 18h e seus filhos vão para o colégio de ensino integral onde permanecem até as 17h[30].

Durante o dia, enquanto não há ninguém em casa, o consumo de energia da residência é muito baixo, limitado ao televisor, bebedouro e geladeira conectados às tomadas. A partir das 17h30, quando os filhos chegam do colégio, o consumo passa a aumentar.

Iniciam-se os banhos em chuveiros elétricos e inicia-se também a utilização mais constante de outros equipamentos. Os aparelhos de ar condicionado da sala e do quarto dos filhos são ligados, e este padrão de consumo permanece até às 6h.

Na situação em tela, conforme explica MARQUES (2022), durante o dia o consumo é muito baixo, pois não há ninguém em casa, existindo apenas o consumo dos eletrodomésticos. Por outro lado, à noite, o consumo é muito alto, com todas as luzes ligadas e, por não haver incidência solar, sem a geração fotovoltaica nesse momento.

Diante disso, a geração de energia durante o dia será computada na forma de créditos e compensará o consumo noturno, no qual não houve geração de energia. Nessa lógica, por se estar utilizando dos sistemas de distribuição no momento em que não há geração, o consumidor final pagará a tarifa TUSD Fio B, ressarcindo os custos da concessionária. Insta salientar que o consumo instantâneo não é cobrado, mas somente o consumo registrado na rede.

Ainda, MARQUES (2022) ressalva que durante o dia o consumidor-gerador faz a injeção de energia no sistema da distribuidora, que é revendida e disponibilizada para outros locais, não havendo para este qualquer ressarcimento ou vantagem, entendendo que não há uma via de mão dupla entre o consumidor e a empresa.

De fato, a questão da tarifação pode causar distorções no mercado e prejudicar a geração solar, diminuindo o retorno financeiro e, portanto, desestimulando o interesse na aquisição das placas. Por outro lado, cumpre rememorar que a vantagem trazida pela lei é o próprio SCEE, com a compensação de créditos de energia nos meses de menor consumo.

Por fim, destaca-se que a discussão não é recente e já era apresentada desde 2017. NASCIMENTO (2017, p. 31), em consultoria legislativa sobre a energia solar, discutiu na vigência da Resolução Normativa nº 481/2012 a não remuneração das distribuidoras, entendendo que o incentivo dado à época não poderia perpetuar-se indefinidamente (NASCIMENTO, 2017, p. 33).

3.4.3.3 Da isenção e da regra de transição

No Capítulo VI do Marco Legal da Energia Solar que trata das “Disposições Transitórias”, os artigos 26 e 27 complementam o artigo que tratou da tarifação do Fio B.

Primeiramente, o artigo 26 trata do limite temporal em que ficarão isentos do pagamento dessas tarifas os consumidores-geradores que já tenham aderido o SCEE na data de publicação da lei, bem como para os que vieram ao sistema nos 12 (doze) meses posteriores. Conforme assevera SILVA (2022, p. 85), essa regra deu segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade para a compensação dos que já haviam feito seus investimentos.

Além disso, esse artigo determina isenção para esses consumidores-geradores já adeptos ao sistema de compensação até o ano de 2045, entendendo ser tempo suficiente para o retorno dos investimentos, em que pese ser estimativa de difícil mensuração para o legislador (SILVA, 2022, p. 85).

Ressalta-se que, em atenção ao §2º do artigo 26 da Lei, a isenção deixa de ser aplicada aos consumidores-geradores na hipótese de rompimento do vínculo contratual com a concessionária ou permissionária – exceto na mudança de titularidade, mantendo-se o benefício para o novo titular –, de comprovação de irregularidade no sistema de medição ou, por fim, de solicitação de aumento da potência instalada.

Por sua vez, o artigo 27 assim determina:

Art. 27. O faturamento de energia das unidades participantes do SCEE não abrangidas pelo art. 26 desta Lei deve considerar a incidência sobre toda a energia elétrica ativa compensada dos seguintes percentuais das componentes tarifárias relativas à remuneração dos ativos do serviço de distribuição, à quota de reintegração regulatória (depreciação) dos ativos de distribuição e ao custo de operação e manutenção do serviço de distribuição:

I - 15% (quinze por cento) a partir de 2023;

II - 30% (trinta por cento) a partir de 2024;

III - 45% (quarenta e cinco por cento) a partir de 2025;

IV - 60% (sessenta por cento) a partir de 2026;

V - 75% (setenta e cinco por cento) a partir de 2027;

VI - 90% (noventa por cento) a partir de 2028;

VII - a regra disposta no art. 17 desta Lei a partir de 2029 (grifo nosso).

Em síntese, esse artigo define a regra de transição aplicável para todos os consumidores-geradores que instalarem os painéis fotovoltaicos aderindo ao SCEE, fixando o percentual tarifário aplicável sobre os componentes de distribuição, custos de operação e manutenção do serviço de distribuição, isto é, do Fio B.

Insta salientar que, em especial, o inciso VII recebeu grande parte das críticas dos empreendedores de energia solar porque, com o advento do Marco Legal, almejava-se maior estabilidade para o setor. Todavia, dando oportunidade à agência reguladora para decidir sobre o futuro da tarifação a partir de 2029, abriu-se margem para instabilidade (ARAÚJO, 2021).

3.4.3.4 Da vedação da venda de energia

A Lei nº 14.300/2022 caracterizou a energia solar por microgeração ou minigeração distribuída como a energia produzida para consumo próprio, vedando a sua comercialização pelos consumidores-geradores, que não podem fazer parte de um “mercado livre” de energia elétrica (SILVA, 2022, p. 86), conforme se infere dos artigos 18 e 28 da lei. Cumpre rememorar que a ANEEL é a única competente para realizar a comercialização de energia, que delega, por sua vez, às concessionárias e permissionárias, apenas a prestação desse serviço.

Contudo, ressalta-se que o setor encontrou uma alternativa para a comercialização por meio de contratos de locação. As empresas instaladoras ficam responsáveis por fornecer a energia gerada nas usinas solares às empresas compradoras com um custo menor que o oferecido pelas concessionárias de energia. Para isso, utilizam-se dos investimentos de terceiros, que receberão retorno dos valores pagos às empresas na locação, bem como das possibilidades trazidas pelo autoconsumo remoto.

3.5 Das repercussões econômicas e sociais

Diante do exposto, tendo analisado as principais disposições da lei, torna-se importante debater, por fim, sobre suas repercussões econômicas, ou seja, se realmente houve um desincentivo à produção de energia solar, no âmbito do Grupo B, com o advento do Marco Legal. Além disso, no atual contexto, refletir se o Brasil está caminhando em observância às diretrizes do desenvolvimento sustentável para a promoção de um acesso democrático da geração fotovoltaica.

3.5.1 Do impacto da tarifação no incentivo à geração de energia solar

Como visto, o setor de energia solar no Brasil está em crescimento exponencial, e esse cenário pode gerar a impressão de que não houve nenhuma oneração até o momento. Por outro lado, pode-se pensar que, com os excessivos custos arcados pelos consumidores-geradores, há apenas o lado negativo da geração solar, muito onerosa e com poucas vantagens.

De fato, as empresas concessionárias e permissionárias pressionaram o setor para a promulgação da lei, prezando por seus interesses, isto é, pelo ressarcimento dos custos de distribuição. Por sua vez, as empresas instaladoras queriam segurança jurídica para oferecer aos consumidores-geradores a alternativa viável para economizar nas contas e cuidar do meio ambiente.

Diante disso, conforme assevera SILVA (2022, p. 76-77), o mundo vive hoje uma fase de transição para as energias limpas e renováveis, com o gradual abandono das formas que mais impactam o meio ambiente, ou pelo menos com a complementação da energia solar às fontes não renováveis. Entende-se, assim, que o setor ainda não se encontra consolidado, sendo necessários mais estudos em um maior período de tempo, em um momento mais maduro do setor.

Nessa lógica, em comparativo, aponta o caso dos Estado da Califórnia (EUA), no qual houve a isenção por 20 (vinte) anos da venda de energia elétrica que não era consumida pelo gerador e só após esse prazo passou a existir uma cobrança no valor de 10,5% (dez vírgula cinco porcento). Por sua vez, aqui no Brasil, não havia 10 (dez) anos da Resolução Normativa nº 481/2012 da ANEEL e as distribuidoras já pressionavam pela revisão de subsídios (SILVA, 2022, p. 77).

MARQUES (2022) analisou a fundo a questão da tarifação, realizando um comparativo do seu impacto no payback do consumidor, ou seja, no retorno financeiro da geração solar. Em seu estudo, apresentou que no Estado de São Paulo, por exemplo, onde o Fio B é relativamente barato, equivalente a aproximadamente 18% da tarifa de energia, e há maior adensamento populacional, os impactos não são tão drásticos. Destaca, contudo, que a partir de 2025, nesse Estado já haverá impacto com as novas regras tarifárias.

Por sua vez, no Estado do Pará, no qual a TUSD Fio B corresponde a aproximadamente 50% da tarifa de energia, o cenário pode ser considerado desastroso, conforme sua análise. Isso porque, em atenção às regras do artigo 27, inciso I, da Lei nº 14.300/2022, no ano de 2023, com a incidência de 15% do Fio B, o retorno financeiro do projeto pode aumentar em mais de 9 (nove) meses. Portanto, infere que os estados do norte e nordeste do país – os com maiores índices de pobreza – são os mais impactados.

Ainda nesse contexto, a Associação Brasileira de Energia Solar, à época da promulgação da lei, afirmou, em consulta pública, que serão mais onerados os estados do nordeste e o norte de Minas Gerais, considerando que as medidas adotadas poderiam resultar em obstáculos ao desenvolvimento da fonte solar fotovoltaica no país.

Em que pesem todas essas análises, não é o momento de afirmar que houve um desincentivo à produção de energia solar, ou mesmo que não é mais aconselhável qualquer investimento no setor. Muito pelo contrário, conforme toda a análise estatística e previsões econômicas apresentadas, depreende-se que o setor solar tende a crescer cada vez mais. Porém, continuará demandando esforço comum dos diversos setores para corrigir as distorções do mercado e assegurar a economia para o consumidor-gerador com o objetivo geral de, no longo prazo, possibilitar a mudança do paradigma energético brasileiro.

3.5.2 Da barreira imposta pelas distribuidoras

Além da questão da tarifação, que pode interferir no retorno financeiro ou mesmo na viabilidade econômica do projeto de instalação, há outra questão a ser observada nesse contexto: a suspensão e cancelamento de pedidos de micro e minigeração fotovoltaica.

A ABSOLAR (2023) aponta que a geração própria de energia solar em residências e empresas tem sofrido um boicote deliberado nos últimos meses por parte das distribuidoras, com prejuízos que somam mais de três bilhões de reais, devido a suspensões e cancelamentos arbitrários e abusivos por parte das concessionárias de energia elétrica no país.

Segundo a Associação, os pedidos são negados com o fundamento de que as redes não podem receber a energia, ou que não observam as regras da atual legislação, contudo, sem a devida comprovação técnica ou amparo legal:

[...] as alegações de suspensão e cancelamento de projetos fotovoltaicos dos consumidores por parte das distribuidoras, sob o argumento de que suas redes estão incapacitadas de receber energia injetada pelos novos sistemas de energia solar, não possuem comprovação técnica e nem observam as exigência da regulação vigente, impondo um enorme prejuízo aos consumidores, que investem a longo prazo na tecnologia fotovoltaica, e às empresas do setor, que geram emprego e renda nas regiões onde atuam e movimentam a economia local (ABSOLAR, 2023).

Essas considerações foram feitas a partir da análise de dados de 715 (setecentas e quinze) empresas integradoras em todo o Brasil, durante o período de 14 de julho de 2023 a agosto de 2023, apresentando que há mais de 1 GW (gigawatt) represado pelas concessionárias, com mais de 3 (três) mil pedidos de conexão cancelados ou suspensos.

Diante disso, a ABSOLAR tem trabalhado para a solução do problema, participando de reuniões com parlamentares e com membros de órgãos como a ANEEL, Operador Nacional do Sistema (ONS) e o Ministério de Minas e Energia. Por fim, cumpre rememorar que algumas das disposições que dão margem aos cancelamentos e suspensões estão dispostas nas RN 1.000/2021 e 1.059/2023, como é o caso do artigo 655-O, §5º:

§ 5º A contagem dos prazos estabelecidos no §4º fica suspensa enquanto houver pendências de responsabilidade da distribuidora que causem atraso na conexão, na vistoria e na instalação dos equipamentos de medição, ou em caso fortuito ou de força maior, devidamente comprovados pelo consumidor, sendo a suspensão limitada ao período em que durar o evento (grifo nosso).

3.5.3 Das questões tributárias referentes à geração de energia solar: a cobrança do ICMS sobre a TUST e TUSD

Outra questão que pode impactar no setor de energia é a cobrança do ICMS sobre as tarifas de transmissão e distribuição. Conforme estudado, existem diversos componentes da fatura de energia elétrica e dentre eles estão diversos tributos, quais sejam: PIS (Programa de Integração Social), CONFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), CIP (Custeio do Serviço de Iluminação Pública) e o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias).

Nesse sentido, a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996) dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte e de comunicação. Em 2022, a Lei Kandir foi alterada pela Lei Complementar nº 194/2022, com a inclusão do artigo 3º, inciso X, dispondo que o ICMS não incide sobre os serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica:

Art. 3º O imposto não incide sobre:

[...]

X - serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica (grifo nosso).

Logo, com a mudança, não incidindo mais o ICMS sobre a TUST e TUSD, governadores de 11 (onze) estados do país e do Distrito Federal ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade para questionar essas alterações (ADI 7195). Desse modo, em 09/02/2023, o Ministro Luiz Fux, relator do processo, entendeu haver indícios que o Poder Legislativo Federal, ao editar a norma complementar, desbordou do poder conferido pela CRFB para disciplinar questões relativas ao ICMS. Em síntese, o relator, analisando o artigo 155, II e §3º, da CRFB e o artigo 34, §9º, do ADCT, asseverou também que no caso da energia elétrica a incidência do tributo deve ocorrer não somente pelo consumo realizado, mas pelas “operações”, ou seja, por toda a infraestrutura utilizada para que o consumo venha a se realizar (PORTAL STF, 2023). Portanto, foi concedida a tutela cautelar, com a suspensão dos efeitos do artigo 3º, X, da Lei Complementar nº 87/1996, incluído pela Lei Complementar nº 194/2022, até o julgamento do mérito da ADI 7195.

Ainda assim é controverso o tema da incidência da inclusão dos encargos setoriais TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS. No momento, a questão pende de julgamento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sob o Tema Repetitivo 986, de relatoria do Ministro Herman Benjamim.

Por um lado, fica a receita dos Estados e Distrito Federal abalada pelas alterações da Lei Kandir, o que pode gerar prejuízos também aos municípios (art. 158, IV, da CRFB). Por outro lado, a incidência do ICMS nos encargos do setor pode gerar mais despesas ao consumidor-gerador, com a incidência do ICMS sobre a TUSD e, consequentemente, sobre o Fio B.

3.5.4 Da acessibilidade aos mais vulneráveis segundo as metas da agenda 2030

Na análise dos principais documentos internacionais que trataram sobre a energia solar, ou mesmo da energia limpa de forma geral, observou-se que o objetivo nº 7, dentre os 17 ODS, tem por escopo assegurar acesso à energia de forma acessível e digna a todos.

Ocorre que, de acordo com o Quinto Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030 (2021) no Brasil, a meta 7.2, que tratava diretamente do avanço da energia renovável, permanece estagnada. Em relação a meta 7.3, que dispõe sobre o aumento da eficiência energética, também não houve melhora. Portanto, mesmo com todos os avanços apontados pela ABSOLAR, que demonstram o crescimento exponencial da energia solar fotovoltaica, ainda há muito a ser feito.

Insta salientar que os ODS não disciplinam somente da questão de energia sob a ótica de desenvolvimento sustentável, mas tem o fito de torná-la mais acessível, ou seja, mais barata. Quanto a isso, os dados apresentados pela ABSOLAR mostram que houve grande queda no valor médio da placa solar no ano de 2019, mantendo-se estável até o ano de 2023 (CCEE/ABSOLAR, 2023).

Em relação às pessoas de baixa renda, já existe um incentivo concreto e direto: a Tarifa Social. Esse programa criado pelo Governo Federal oferece descontos na fatura de energia, analisando o consumo de energia, quanto menor o consumo, maior o desconto na fatura de energia elétrica (ANEEL, 2023).

Nesse sentido, foi instituído pela Lei nº 14.300/2022, no artigo 36, o PERS (Programa de Energia Renovável Social), destinado ao investimento na instalação de sistemas fotovoltaicos e de outras fontes renováveis aos consumidores de baixa renda abrangidos pela Tarifa Social. Para isso, as distribuidoras realizarão planos de metas, com chamadas públicas para convocar as empresas de instalação, utilizando os recursos do Programa de Eficiência Energética. Diante disso, de acordo com SILVA (2022, p. 86), trata-se de programa com relevante valor social, uma vez que dará acesso à população que não possui condições de adquirir um sistema de geração e produzir energia elétrica.

Ademais, existem muitas outras iniciativas do poder público para realização do acesso democrático da geração solar, como o Projeto de Lei nº 624/2023, que prevê a instalação de sistema de energia fotovoltaica para famílias que recebem o Benefício de Prestação Continuada, destinado a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2023).

Isso exposto, por mais que as análises dos relatórios da Agenda 2030 ainda não demonstrem a melhora quanto ao ODS 7, espera-se que o Marco Legal da Energia Solar possibilite um acesso mais democrático às fontes sustentáveis de geração de energia.

Sobre os autores
Bruno Marini

Professor de Direitos Humanos, Biodireito e Bioética na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande (MS), Doutorando em Saúde (UFMS), Mestre em Desenvolvimento Local (UCDB) e Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP).

Gabriel Loureiro Melo Ijano

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Faculdade de Direito (FADIR). Colunista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINI, Bruno; IJANO, Gabriel Loureiro Melo. A regulação da energia solar.: Da tutela ambiental ao advento da Lei nº 14.300/2022, que instituiu o Marco Legal da Energia Solar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7427, 1 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106838. Acesso em: 22 nov. 2024.

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