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A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência

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Agenda 27/11/2007 às 00:00

5. Os juros remuneratórios e a redação original do art. 192, §3º da Constituição Federal

No plano constitucional, outro tema polêmico a respeito da limitação dos juros foi objeto de divergência travada entre os tribunais e doutrinadores, qual seja, a auto-aplicabilidade ou não do hoje revogado art. 192, §3º da Constituição Federal.

A este respeito, disserta Sidnei Turczyn [13]:

"Desde a promulgação da Constituição de 1988 (apesar da grande relevância dos assuntos que, a teor do disposto no caput do art. 192, deveriam ser regulamentados por lei complementar), o tema que mais despertou polêmica no Judiciário foi o do limite de 12% ao ano imposto aos juros reais pelo §3º desse artigo.

O fato se explica em razão das altas taxas de juros que vinham sendo praticadas (e continuaram a ser) no mercado, decorrentes da política monetária adotada pelo Banco Central, e que teriam levado inúmeros tomadores de recursos bancários a uma situação de insolvência ou de impossibilidade de pagamento.

Dessa maneira, a questão da auto-aplicabilidade ou não da disposição limitadora dos juros reais passou a ser objeto de reiteradas discussões e decisões judiciais".

Dispunha o citado dispositivo, antes de ser revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003, que:

"Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

(...)

3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar".

Quando ainda vigente a redação original do art. 192, duas correntes se formaram, uma acompanhando a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn nº 4/DF, proposta pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), entendendo que o disposto no § 3º do mencionado artigo é de eficácia limitada, e outra entendendo pela auto-aplicabilidade de tal dispositivo.

O julgamento da ADIn nº 4/DF, na parte relacionada à questão por ora abordada, restou ementado nos seguintes termos, in verbis:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TAXA DE JUROS REAIS ATÉ DOZE POR CENTO AO ANO (PARAGRAFO 3. DO ART. 192 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).

(...)

6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do sistema financeiro nacional (art. 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no "caput", nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo 3º, sobre taxa de juros reais (12 por cento ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do sistema financeiro nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do "caput", dos incisos e parágrafos do art. 192, e que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma.

(...)" (STF, ADI 4 / DF - DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 25-06-1993 PP-12637).

Ficou consolidado, in casu, que o caput do disposto no artigo 192 fazia alusão à edição de lei complementar para regulamentação das matérias tratadas em seus vários incisos e, por isso, estando os parágrafos atrelados ao artigo, imprescindível seria a edição de norma regulamentadora.

A decisão retratada até hoje reflete o posicionamento da Corte Constitucional, que, reiteradamente, bate-se pela não auto-aplicabilidade da norma em estudo, consoante se extrai dos recentes julgados:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. Juros. Limitação. Não é auto-aplicável a limitação dos juros estipulada pelo art. 192, § 3o, da CF/88. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento"(STF – RE-AgR 539265 / RS - 2ª T. – Rel. Min. Cezar Peluso – DJ 28-09-2007 PP-00070).

"AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – JUROS REMUNERATÓRIOS – 3º DO ART. 192 DA MAGNA CARTA (REDAÇÃO ORIGINÁRIA) – SÚMULA 648 DO STF – INOVAÇÃO – REEXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E DE PROVA – SÚMULAS 279 E 454 DO STF – É pacífica a jurisprudência desta Casa de Justiça de que "a norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de Lei Complementar" (Súmula 648 do STF). (...)" (STF – RE-AgR 459388 – PR – 1ª T. – Rel. Min. Carlos Britto – DJU 04.08.2006 – p. 47).

"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – JUROS – LIMITAÇÃO – CB, ARTIGO 192, § 3 – 1. O Pleno desta Corte já decidiu que o artigo 192, § 3º, da Constituição do Brasil, que limita as taxas de juros em 12% ao ano, necessita de regulamentação" (ADI Nº 4). Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – AI-AgRg 487429 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Eros Grau – DJU 03.06.2005 – p. 00042).

Visando estancar a controvérsia a respeito do tema, o Supremo Tribunal Federal editou na Sessão Plenária de 24 de setembro de 2003 a Súmula nº 648, com a seguinte redação:

"Súmula 648 - A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar" [14].

Em contrapartida, o embasamento utilizado pelos defensores da corrente que entenderam pela auto-aplicabilidade do contido no § 3º do artigo 192 fundava-se no argumento de que o comando nele inserido possuía autonomia própria.

Adepto desta tese, José Afonso da Silva [15], com a maestria que lhe é peculiar, leciona que:

"Esse dispositivo causou muita celeuma e muita controvérsia quanto à sua aplicabilidade.

Pronunciamo-nos pela imprensa, a favor de sua aplicação imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Veja-se, p. ex., o § 1º do mesmo art. 192. Ele disciplina assunto que consta dos incs. I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo.

Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normativa formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e autonomia de artigo, mas a preocupação, muitas vezes revelada ao longo da elaboração constitucional, no sentido de que a Carta Magna de 1988 não aparecesse com demasiados números de artigos, levou a Relatora do texto a reduzir artigos e parágrafos e uns e outros, não raro, a incisos. Isso, no caso em exame, não prejudica a eficácia do texto."

Ainda sobre o assunto, dada a clareza de seus argumentos, é de se reportar ao voto vencido do Ministro Marco Aurélio, na ocasião do julgamento da ADIn nº 4/DF:

"(...) Portanto, sobrepondo-se o conteúdo à forma, há que se concluir que o simples fato de o preceito em comento estar relevado em parágrafo não firma a presunção definitiva de dependência ao artigo no qual está inserido. Cabe assim o exame do teor de cada qual. (...) o enfoque sobre a necessidade de lei que discipline o que são juros reais contraria a ordem natural das coisas. Implica em relegar à lei a definição do que, pela própria natureza, no sentido do vernáculo pátrio, já estaria suficientemente definido. Mas para os que assim não entendem, é dado encontrar na própria Carta a elucidação. No campo de uma quase premonição, intuíram os Constituintes que ainda se poderia colocar em dúvida o alcance do instituto e, aí, além da utilização do adjetivo real – autodefinível – fizeram constar, em relação às taxas de juros: ‘... nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito...’. (...) a única diferença que noto é que o preceito hoje em vigor, além da estatura constitucional que possui, é mais explícito ainda que o Decreto de 1933, com um dado que talvez elucide a razão de toda essa celeuma – a abrangência consagradora do princípio econômico" [16].

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Comprovando a cizânia apontada, colhem-se os seguintes arestos:

"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – LIMITAÇÃO DOS JUROS EM 12% AO ANO – VIGÊNCIA DO CONTRATO À ÉPOCA DO § 3º DO ART. 192 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – AUTO-APLICABILIDADE – LIMITE PREVISTO NO DECRETO N. 22.626/33 – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARCIAL.

Os juros remuneratórios estão limitados à taxa máxima de 12% ao ano, por força do disposto no revogado § 3º do art. 192 da Constituição Federal, vigente à época, e por força do que dispõe o art. 1º do Decreto nº 22.626/33" (TJMS, Apelação Cível - Ordinário - N. 2003.006112-6/0000-00 - Fátima do Sul, Rel. Des. Joenildo de Sousa Chaves, 1ª Turma, DJ 27.3.2007).

"EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - NOTA PROMISSÓRIA - VÍCIOS NÃO COMPROVADOS - JUROS DE 2,5% A.M - AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 192, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - LIMITAÇÃO - REDUÇÃO À TAXA DE 12% AO ANO. Em face da auto-aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CF, anteriormente a Emenda Constitucional nº 40, não foi recepcionado o art. 4º, inciso IX, da Lei 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária), o qual outorgava ao Conselho Monetário Nacional a competência para limitar as taxas de juros, razão pela qual, a partir de 5 de outubro de 1988, as instituições financeiras ficaram impedidas de aplicar taxas de juros superiores a 12% ao ano" (TJMG, AC n° 2.0000.00.488003-5/000, Rel. Des. Fabio Maia Viani, 13ª Câmara Cível, Data do julgamento: 03/05/2007).

"APELAÇÃO CÍVEL – JUROS – ART. 192, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – LIMITAÇÃO – AUTO-APLICABILIDADE – CONTRATOS DE CONCESSÃO DE CRÉDITO – RELAÇÃO DE CONSUMO – INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – RECURSO IMPROVIDO – A norma do art. 192, § 3º, da Constituição Federal, que limita a taxa de juros em 12% (doze por cento) ao ano, é auto-aplicável, não carecendo de Lei Complementar que a regulamente. (...)" (TJMT – AC 11221/2003 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Orlando de Almeida Perri – J. 18.06.2003).

"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO – (...). II. O § 3º do art. 192 da CF é auto-aplicável, sendo manifestamente ilegal a cobrança de taxa de juros superior ao limite de 12% ao ano. III. (...)" (TJSE – AC 0379/2001 (Proc. 1922/2001) – (20023986) – 2ª C.Cív. – Rel. Des. José Artêmio Barreto – J. 17.12.2002).

O certo é que, apesar do entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, a divergência só não mais persiste com tanto vigor em função da revogação do dispositivo em estudo pela Emenda Constitucional nº 40/2003.


6. Os juros remuneratórios em face do art. 591 do Código Civil de 2002

Com o advento do Novo Código Civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, outro impasse vem surgindo no meio jurídico quanto à limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano em função do que preconizam os artigos 406 e 591.

De acordo com o aventado linhas atrás a respeito da aplicabilidade do Decreto nº 22.626/33, o seu art. 1º estava atrelado ao disposto no art. 1062 do Código Civil de 1916, que fixava os juros moratórios, quando não convencionados, em seis por cento ao ano.

Ocorre que o art. 1062 foi substituído pelo art. 406 do Novo Código Civil, assim redigido:

"Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".

Passou-se a entender que a referida taxa é a mencionada no art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês, conforme ficou sedimentado no Enunciado nº 20 [17] da Jornada de Direito Civil realizada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a coordenação científica do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior:

"Enunciado nº 20 - Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês".

Como a Lei de Usura veda a estipulação de juros superiores ao dobro da taxa legal e como esta, desde a promulgação do Código Civil anterior, sempre foi de 6% ao ano, segundo a dicção dos artigos 1062 e 1063, a aplicação de referido dobro admitido resultava na cobrança de juros no patamar máximo de 12% ao ano.

Passando a taxa legal a ser de 1% ao mês nos contratos celebrados após a entrada em vigor do Novo Código Civil, aceitável se tornou a cobrança de juros no percentual de 24% ao ano.

O art. 591 do Código Civil, por sua vez, reza que:

"Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual".

Com efeito, para aqueles que defendem a aplicabilidade de tal dispositivo a todos os contratos de mútuo, indistintamente, sejam eles pactuados com instituições financeiras ou não, a taxa de juros convencionais ou remuneratórios (compensatórios) não poderá exceder ao limite de 12% ao ano.

A este respeito, trago à colação julgados que refletem essa orientação:

"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CONTA CORRENTE E EMPRÉSTIMO PESSOAL. (...). JUROS REMUNERATÓRIOS LIMITADOS À TAXA DE 12% AO ANO, percentual que atende aos parâmetros da lei civil e constitucional vigentes à época da contratação. Aplicabilidade do Dec. 22.626/33 (Lei de Usura). Em virtude de a ação ter sido ajuizada em data posterior à entrada em vigor do NOVO CÓDIGO CIVIL e se tratando de relação continuada ao longo do tempo, os juros remuneratórios que se venceram após 11.01.2003 devem ser reduzidos, não podendo exceder a taxa utilizada para o pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, nos termos do que dispõe o art. 591, combinado com o art. 406 do atual diploma legal. (...). APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E NESTA PARTE PROVIDO. UNÂNIME" (TJRS, AC nº 70006783112, Rel. Desª. Agathe Elsa Schmidt da Silva, Décima Segunda Câmara Cível, julgado em 18/03/2004).

"ADMINISTRATIVO. CIVIL. CONTRATOS BANCÁRIOS. REVISÃO. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. CONTRATO FIRMADO APÓS A VIGÊNCIA DO NOVO CCB. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LEGALIDADE. CUMULAÇÃO. INVIABILIDADE. MULTA CONTRATUAL. 1. Os contratos bancários em geral estão na zona de incidência da regra acerca dos juros remuneratórios prevista no art. 591 do novo CCB, seja porque não mais existe a demarcação constitucional - art. 192, § 3º da CF/88 - que reclamava regulamentação do tema via de lei complementar, seja porque a ressalva das instituições financeiras ofenderia o princípio da isonomia. 2. Aplicáveis à espécie juros compensatórios de 1% ao mês, de forma não capitalizada, conforme o Enunciado nº 20 do STJ: "Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161,§1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento ao mês). A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais de 12% (doze por cento) ao ano. (...)" (TRF 4, AC 2001.70.00.023552-6, Rel. Luiz Carlos De Castro Lugon, Terceira Turma, DJU DATA:27/09/2006 página: 749).

AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO - JUROS COMPENSATÓRIOS - INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS - AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 192, § 3º, DA CF - LIMITE DE 12% AO ANO - REVOGAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL PELA EC 40/2003 - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA - MANUTENÇÃO DO LIMITE DE 12% AO ANO - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - FIXAÇÃO À TAXA DE MERCADO - IMPOSSIBILIDADE - SUBSTITUIÇÃO PELO INPC. (VOTO VENCIDO PARCIALMENTE). Por uma interpretação histórica e sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, as instituições financeiras devem obedecer à limitação de juros prevista na Lei de Usura. O art. 192, § 3º, da CF é auto-aplicável, e, desse modo, a revogação de tal norma não implica a repristinação da Lei 4.595/64 no que se refere a limites de juros diferenciados para as instituições financeiras, devendo os juros compensatórios, até o advento da EC 40/2003, ser limitados a 12% ao ano. A partir da EC 40/2003, o limite legal de juros compensatórios continua a ser de 12% ao ano por uma interpretação sistemática do Código Civil de 2002 (art. 591 c/c art. 406) e do Código Tributário Nacional (art. 161, § 1º). (...)" (TJMG, AC 2.0000.00.487523-8/000, Rel. Des. Elpídio Donizetti, Décima Terceira Câmara Cível, Data do julgamento: 02/06/2005).

"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO C/C COMPENSAÇÃO DE VALORES – JUROS REMUNERATÓRIOS – CONTRATO PACTUADO POSTERIORMENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 40/2003, QUE REVOGOU O § 3º DO ART. 192 DA CARTA POLÍTICA – LIMITADOS AO PERCENTUAL DE 12% AO ANO, NOS TERMOS DOS ARTS. 591 E 406 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 C.C. O § 1º DO ART. 161 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL – INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEIUS – IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – APLICAÇÃO DO IGPM-FGV – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – VEDADA – RECURSO IMPROVIDO. Nos contratos de mútuo feneratício formalizados após a Emenda Constitucional n. 40, de 20 de maio de 2003, que revogou o § 3º do art. 192 da Carta Magna, os juros remuneratórios não podem ser superiores ao percentual de 12% ao ano, tendo em vista que a taxa legal atualmente fixada pelos arts. 591 e 406 do novel Código Civil c.c o § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional, é de 1% ao mês. (...)" (TJMS, Apelação Cível - Ordinário - N. 2007.028539-3/0000-00 – Corumbá, Rel. Des. Paschoal Carmello Leandro, 4ª Turma Cível, DJ 16.10.2007).

O fundamento basilar utilizado pelos julgadores para incluir as instituições financeiras na regra no art. 591 é o princípio da isonomia esculpido pela Constituição Federal, pois, segundo se sustenta, deixar de aplicá-lo ao sistema financeiro seria incorrer em favorecimento deste em detrimento dos demais.

A propósito, é o que se extrai do teor dos acórdãos anteriormente citados, dentre os quais destaco os de relatoria dos Desembargadores Elpídio Donizetti e Paschoal Carmello Leandro, respectivamente dos Tribunais de Justiça Mineiro e Sul-Mato-Grossense, verbis:

"(...) Na ausência de norma específica a partir do advento da EC 40/2003, em 29 de maio de 2003, data em que já se encontrava em vigor o novo Código Civil de 2002 - cuja vigência ocorreu a partir de 10 de janeiro de 2003 - aplica-se esse Código, conforme se demonstra a seguir.

Já foi visto que, na vigência do Código Civil de 1916, a taxa legal era de 6% ao ano (Art. 1.062). Entretanto, em razão do disposto no art 1o, caput, do Decreto 22.626/33 - Lei de Usura, permitia-se a cobrança até o limite de 12% ao ano.

Segundo o Código Civil de 2002, por sua vez, tem-se que, nos termos de seu art. 591, os juros compensatórios não podem exceder a taxa a que se refere o art. 406 do referido diploma legislativo.

(...)

Interpretando-se, conjuntamente, Código Civil de 2002 e Código Tributário Nacional, chega-se à conclusão de que o limite de juros permitido pelo direito brasileiro, hoje, para todas as pessoas, inclusive instituições financeiras, permanece no patamar de 12% ao ano.

Frise-se que a limitação de juros igualitária, tal qual prevista na legislação brasileira, não afronta de forma alguma a dinamicidade exigida no sistema financeiro nacional, muito pelo contrário, trata-se de juros que, em uma economia estável, podem ser considerados bastante razoáveis.

Ademais, essa limitação única, englobando tanto as instituições financeiras quanto os demais mutuantes, nada mais é do que o reconhecimento dos princípios da isonomia e da razoabilidade, visto que se afigura incoerente privilegiar os bancos, que possuem muito mais capital para disponibilizar aos mutuários, em detrimento daqueles que não detêm tal poderio econômico" (grifo não original).

"(...) Sucede que no caso vertente o contrato foi formalizado em julho de 2005, ou seja, após a aludida Emenda Constitucional, que entrou em vigor no dia 30 de maio de 2003. Dessa forma, deve ser observado o novo Código Civil que dispõe a respeito do tema.

(...)

Portanto, constata-se que após a Emenda Constitucional n. 40/2003, os juros remuneratórios cobrados nos empréstimos de dinheiro com fins econômicos, praticados por qualquer pessoa física ou jurídica, devem ser limitados ao percentual de 12% ao ano, 1% ao mês sob pena de serem usurários, nos termos dos arts. 591 e 406 do Código Civil de 2002, c.c o § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional, incluindo aqui as instituições financeiras e entidades semelhantes, visto que deixar de aplicar os aludidos preceitos legais ao sistema financeiro, seria favorecê-lo em detrimento dos demais, causando uma situação de flagrante inconstitucionalidade, por quebra de isonomia, violando o art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988" (grifo não original).

Por outro lado, é cabível ressaltar que o entendimento dado à matéria pelo Superior Tribunal de Justiça é diverso, eis que, para a Corte Infraconstitucional, o mútuo civil e o mútuo referente ao mercado financeiro haverão de ser diferenciados. Isso porque o sistema financeiro, pelo regime constitucional, está obediente a uma lei complementar (Lei Especial nº 4.595/64), não podendo, por isso, o Código Civil, lei ordinária, regular essa matéria.

O Ministro Aldir Passarinho Junior, relator do Recurso Especial nº 680.237 – RS [18] (Segunda Seção), julgado em 14/12/2005, em seu extenso voto, assim concluiu:

"(...) Em conclusão, tenho que mesmo para os contratos de agentes do Sistema Financeiro Nacional celebrados posteriormente à vigência do novo Código Civil, que é lei ordinária, os juros remuneratórios não estão sujeitos à limitação, devendo ser cobrados na forma em que ajustados entre os contratantes, consoante a fundamentação acima, que lhes conferia idêntico tratamento antes do advento da Lei n. 10.406⁄2002, na mesma linha da Súmula n. 596 do E. STF".

Na mesma linha de raciocínio foi o voto de vista proferido pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, o qual, sinteticamente, apreciou a questão:

"(...) desejo cumprimentar o eminente Relator pelo voto precioso que proferiu nesta Seção e salientar esses dois fundamentos que me parecem essenciais e que são aqueles, a meu sentir, que justificam a interpretação que foi dada porque, realmente, a leitura do art. 591 do Código Civil de 2002 dá margem à interpretação de que alcançaria todas as situações, porque a referência feita no dispositivo é "mútuo para fins econômicos". E isso, evidentemente, permitiria englobar-se, também, os empréstimos bancários. Mas dois fundamentos são essenciais na trilha da jurisprudência que foi aberta pela Corte Especial há bastante tempo.

O primeiro deles diz respeito à diferença entre o mútuo civil e o mútuo referente ao mercado financeiro e, de fato, na situação da economia brasileira, não se pode ter por equiparados os dois tipos de mútuo; impõe-se que seja feita tal distinção, distinção essa que já tinha sido feita quando se examinou o ponto relativo à limitação da taxa de juros sob o regime da Súmula nº 596, ou seja, a distinção já havia sido feita naquela oportunidade. Tanto é verdade que, em muitas circunstâncias, há um mútuo civil também antes da Súmula nº 596; aplicava-se a limitação dos juros de 12% e, depois, manteve-se essa distinção: abriu-se a possibilidade da não-limitação, ou seja, da não-aplicação da lei de usura dentro do mercado financeiro, mas manteve-se a limitação dentro do mútuo civil.

E, demais disso, como destacou Sua Excelência e enfatizou o Senhor Ministro Ari Pargendler, se o sistema financeiro, pelo regime constitucional, está obediente a uma lei complementar, a lei civil não pode superar e, portanto, regular essa matéria, porque está subordinada à lei complementar. E essa lei complementar foi admitida como tal, no sentido de que a própria disposição do artigo da Constituição Federal, que disciplina o mercado financeiro, impõe a exigência da lei complementar".

Em sintonia com o entendimento esposado, relevantes são as considerações de Luiz Guilherne Loureiro [19] ao comentar a norma contida no art. 591:

"(...) os juros remuneratórios máximos, no mútuo econômico, não podem exceder a 1% ao mês. Cláusula contratual prevendo juros superiores ao limite legal deverá ser reduzida até este limite. Cumpre observar que este limite não se aplica às instituições financeiras, cuja atividade é regida por lei especial.

A Lei da Reforma Bancária (Lei n. 4.595/64) derrogou as determinações da Lei de Usura relativamente às operações bancárias, que passaram a sujeitar-se aos limites estabelecidos para as taxas de juros pelo Conselho Monetário Nacional, por intermédio do Banco Central".

Observa-se que o Superior Tribunal de Justiça apenas veio reforçar a tese aventada antes mesmo do advento do Código Civil de 2002. Por isso, a despeito de posicionamentos contrários, conforme se ilustrou com julgados de distintos tribunais, a tendência é de que a jurisprudência da Corte Infraconstitucional, ainda escassa sobre o tema, seja uniformizada no sentido de afastar a aplicação do art. 591 às instituições financeiras.

Sobre o autor
Luis Fernando Simões Tolentino

Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados (ANAMAGES)/Instituto Izabela Hendrix e Direito Público Municipal pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)/Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado (CEEDE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Luis Fernando Simões. A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1609, 27 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10699. Acesso em: 22 dez. 2024.

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