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Perdão judicial no direito penal brasileiro: uma análise por meio de casos práticos e de suas aplicações

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O instituto do perdão judicial oferece benefícios não só aos réus, mas também ao sistema judiciário, disciplinando casos excepcionais que precisam de tratamento diferenciado.

Resumo: O instituto do perdão judicial é uma das causas de extinção de punibilidade previstas no art. 107, inciso IX, do Código Penal Brasileiro de 1940. Para aplicar os dispostos previstos no artigo, o Estado abre mão de seu ius puniendi, ou direito de punir, liberando os réus de sofrerem uma sanção penal. Por conseguinte, o perdão judicial não pode ser concedido indiscriminadamente, mas apenas nas situações expressas em lei. Além disso, esse instituto não é considerado um poder discricionário do julgador, mas sim um direito subjetivo daquele que, ao possuir todos os requisitos, será beneficiário. Dessa forma, o presente artigo tem como finalidade analisar e entender o perdão judicial como causa de extinção de punibilidade. Para isso, foi realizada uma pesquisa qualitativa que, mediante o estudo das aplicações, casos práticos, características e especificidades, pôde abranger diversos aspectos legais dessa figura jurídica. Isto posto, por meio da pesquisa feita, foi possível perceber que o perdão concedido judicialmente tem aplicações muito interessantes no Direito Penal, além de possibilitar grandes benefícios a quem foi concedido, atuando em favor do réu ao extinguir sua punição.

Palavras-chave: Perdão Judicial. Punibilidade. Direito Penal. Extinção da Punibilidade. Pena.


INTRODUÇÃO

Em determinadas situações, o Estado abre mão de seu direito de punir (ius puniendi) ao aplicar as causas que extinguem a punibilidade de um infrator.

Por sua vez, o perdão judicial é uma dessas causas de extinção da punibilidade, que estão previstas no art. 107, inciso IX, do Código Penal. Tal instituto é aplicado apenas para as hipóteses dispostas por lei, como do art. 121, § 5º, também do Código Penal, que disciplina o perdão judicial em casos de homicídio culposo, no qual, dada a relação de proximidade com a vítima, o agente sofre um impacto tão doloroso pela perda, que a mesma se faz superior a sanção penal que seria imposta.

A origem desse perdão remonta ao Código Criminal do Império e, ainda que não fosse idêntico ao que hoje impera, possuía semelhanças com o instituto atual, mesmo que sua consolidação só tenha se dado com o Código Penal de 1940.

Contemporaneamente, a possibilidade de aplicação desse perdão é considerada um direito subjetivo do réu que possui todos os requisitos legais para a concessão, de maneira que mesmo o julgador não concordando com o benefício, ele deverá ser efetivado. Ou seja, apesar de ser conhecido com um poder do magistrado, o perdão judicial não é de aplicação discricionária. Em razão de sua aplicação, é concedida ao réu, uma segunda chance, já que a concretização do perdão judicial extingue todos os efeitos penais, inclusive a reincidência.


O IUS PUNIENDI E A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Antes da formação jurídica que hoje vigora, as partes existentes em um conflito resolviam da forma que julgassem necessário suas próprias questões, não requerendo o envolvimento de um terceiro para encontrar uma resolução. Contudo, com o passar do tempo, entendeu-se que não seria possível solucionar todos os atritos a partir de meios próprios, ou seja, através da autocomposição, uma vez que a sociedade se desenvolveu e passou a utilizar a figura do Estado como juiz de máxima autoridade (Greco, 2018).

Dessa forma, tendo em vista as mudanças sociais e o caráter de autoridade adquirido, foi dado ao Estado uma característica que é conhecida como ius puniendi (direito de punir). Tal poder permite que esta entidade aplique sanções a aqueles que infringem a lei, punindo o indivíduo por seus respectivos crimes. Assim, para que possa existir a possibilidade de punição, é necessário que sejam encontrados nos casos uma conduta típica, ilícita e culpável. Segundo Greco (2018), o comportamento infrator fere, mesmo que de forma indireta, o Estado, de maneira que este, por sua vez, deve punir tal indivíduo para que o mesmo não retorne ao delito e também a fim de que a sociedade não reproduza seus comportamentos, sendo exercido, respectivamente, o caráter preventivo especial e geral da pena. Porém, existem algumas situações previstas juridicamente nas quais o Estado cede ou mesmo declina o seu ius puniendi. Nesses momentos, o direito de punir é deixado de lado, ainda que o delito tenha de fato ocorrido. São nessas situações, que ocorre o que é chamado de extinção de punibilidade, sendo um instituto previsto no Código Penal Brasileiro (Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940), o qual expressa:

“Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I- pela morte do agente;

II- pela anistia, graça ou indulto;

III- pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV- pela prescrição, decadência ou perempção;

V- pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI- pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

IX- pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.” (Brasil, 1940).

O artigo em questão prevê algumas causas possíveis para a extinção da punibilidade de um agente, no entanto, essa previsão é apenas exemplificativa, não sendo caracterizada como rol taxativo, tendo em vista que se faz presente outras referências ao assunto no mesmo código e em outras legislações. Ainda em conformidade com Greco (2018), destaca-se a importância do art. 61 do Código de Processo Penal, cuja redação explica que se o juiz reconhecer extinta a punibilidade, o mesmo poderá, em qualquer fase do processo, declará-la de ofício, ou seja, compreende-se que a constatação de extinção do direito de punir só deverá ocorrer ao se iniciar a ação penal. Se, entretanto, ocorrer ainda na etapa de inquérito policial questão que extingue a punibilidade, ela não poderá ser logo declarada, mas o juiz deverá ouvir o Ministério Público para que possa haver o arquivamento.

Além disso, os fatores que geram a cessação da punibilidade podem atingir tanto a pretensão executória quanto a punitiva, isto é, implica no interesse que o Estado tem em requerer o cumprimento de uma pena que foi imposta, e na aplicação da sanção em si. As causas que interferem na pretensão punitiva são: perempção, decadência, renúncia e perdão aceito, além da retratação e do perdão judicial, enquanto indulto e graça implicam na pretensão executória. Por outro lado, a anistia, abolitio criminis e a morte do agente podem interferir em ambas as pretensões a depender se foram ocasionadas anteriormente ou posteriormente ao momento da condenação (Masson, 2020).

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Por conseguinte, os efeitos que são ocasionados pela extinção de punibilidade dependem de qual pretensão foi afetada. Dessa maneira, aquelas que comprometem a pretensão punitiva, são capazes de encerrar as repercussões penais das sentenças condenatórias até então emitidas. Com exceção da anistia e do abolitio criminis, quanto à pretensão executória, a extinção irá apenas impactar o efeito central da sentença penal, isto é, a pena, não afetando os efeitos secundários da condenação, que são preservados. Em função deste ponto, pode ser gerada a reincidência do agente, assim como efeitos na área cível (Masson, 2020).

Ademais, ressalta-se também a extinção da punibilidade em crimes conexos, acessórios e complexos. Os crimes conexos são aqueles que possibilitam a execução de outro crime, já os acessórios dependem do exercício de outro delito e, por fim, os crimes complexos são consequência da junção de dois ou mais infrações. Destarte, o art. 108 do Código Penal desenvolve que a extinção da punição de um crime que integra ou aumenta a gravidade de outro crime não irá eliminar a punibilidade deste segundo crime, de forma que mesmo que o primeiro não possa mais receber uma punição, não significa que o segundo não poderá ser punido ou receber agravamento decorrente da relação entre os delitos (Masson, 2020).

Deste modo, compreende-se o instituto da extinção de punibilidade como o não alcance do ius puniendi do Estado aos crimes cometidos pelos indivíduos infratores, no qual mesmo admitindo-se a presença do delito, são dispensados os efeitos da condenação penal (Costa, 2004).


O PERDÃO JUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O INSTITUTO DO PERDÃO JUDICIAL E SEUS FUNDAMENTOS

O instituto do perdão judicial é caracterizado como poder-dever do juiz, o qual pode ser concedido em determinadas situações com previsão legal, ainda que estejam presentes os requisitos necessários para a comprovação de uma conduta típica, ilícita e culpável. Porém, consoante a Damásio de Jesus (2020), esse perdão é um direito subjetivo do indivíduo, e não somente um poder facultativo do julgador, de modo que possuindo os requisitos necessários para a concessão, o juiz não pode simplesmente não efetivar a aplicação em razão de sua vontade.

O perdão judicial é uma das causas de extinção de punibilidade previstas pelo art. 107, inciso IX, do Código Penal, e só pode ser aplicado nas situações previstas por lei, tal como nos seguintes casos:

“Exs.: CP , arts. 121, § 5 o; 129, § 8o; 140, § 1o, I e II; 176, parágrafo único; 180, § 5o, 1a parte; 242, parágrafo único; 249, § 2o; e LCP , arts 8 o e 39, § 2o. Na legislação especial, é previsto no Código Eleitoral (art. 326, § 1o), na Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei n. 9.807/1999), na Lei do Crime Organizado (Lei n.12.850/2013), entre outras.” (Jesus, 2020, p. 597).

Sua utilização é reservada a casos como estes, nos quais deverá ser observado pelo juiz os critérios objetivos e subjetivos inerentes a cada caso.

Antes do Código Penal de 1940, não havia a consolidação do perdão judicial como instituto que agora é verificado. O que se sabe, entretanto, é de suas raízes, que surgiram com o Código Criminal do Império de 1.830. Neste período, quando concedido o perdão, que se dava através do poder moderador, não extinguiam-se as obrigações cíveis, perdurando, então, a necessidade de compensação do dano à vítima. Isto posto, é possível perceber que alguns dos fundamentos do perdão judicial que hoje são vistos no atual código, remontam a essa época. Durante o império, quem fosse gratificado com o perdão seria dispensado de sua pena, o que não acontecia quanto à esfera cível (Aguiar, 2020).

Outrossim, uma das bases para esse tipo de perdão está na materialidade do crime, no caso concreto, uma vez que essa causa de extinção de punibilidade é adotada para casos singulares e atípicos, nos quais a punição penal não é mais severa do que a dada subjetivamente pelo sujeito, a ele próprio. Em outros termos, pode-se dizer que o perdão judicial é concedido nos casos em que o indivíduo agente se pune de maneira tão profunda, que a sanção condenatória não teria o mesmo efeito sobre o tal, sendo ainda mais leve do que o sofrimento do infrator (Mariano, 2018).

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NATUREZA JURÍDICA DO PERDÃO JUDICIAL

A sentença que concede o perdão judicial é alvo de diversos debates, nos quais se discute se sua natureza seria declaratória, absolutória ou condenatória. Do ponto de vista de Damásio de Jesus (2020), entendia-se que a qualidade jurídica da sentença seria condenatória, já que, para ele, o instituto do perdão é dado para quem é culpado, e a admissão de culpa presume uma determinação condenatória.

Sendo assim, ele ainda embasa sua visão em conformidade com o art. 120 do Código Penal, o qual expressa que a sentença concessiva do perdão judicial não é levada em conta para fins de reincidência. Todavia, essa concepção foi mudada atualmente. Agora, se compreende que a natureza jurídica do perdão judicial seria declaratória, de modo que os efeitos extrapenais não seriam continuados. Além do mais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovou a súmula de número 18 em 20/11/1990, que trata do aspecto jurídico da concessão. Fica claro, a partir da súmula, que se trata de uma sentença declaratória da extinção da punibilidade, na qual não permanecem nenhum dos efeitos condenatórios.

Levando em consideração sua natureza declaratória, faz-se importante relembrar o art. 61 do Código de Processo Penal (CPP), que entende que o juiz deve, em qualquer fase processual, caso seja caracterizada a extinção da punibilidade, declarar a mesma de ofício, isto é, não é preciso esperar até a finalização do processo para que seja declarado o perdão (Jesus, 2020).


SITUAÇÕES PARA A APLICAÇÃO

1. A LEI N° 9.807/99 E O PERDÃO JUDICIAL

Segundo a análise de Greco (2018), a Lei n° 9.807/99 (sancionada em 13 de julho de 1999) versa sobre a segurança e proteção a testemunhas e vítimas a partir de programas específicos destinados a esse fim, além de também estabelecer medidas de proteção a aqueles condenados ou acusados que tenham, de maneira voluntária, contribuindo com a investigação policial.

A última situação em questão é conhecida popularmente como delação premiada ou, para outros doutrinadores que divergem acerca da nomenclatura, também é chamada de colaboração corréu, ou simplesmente corréu (Borges, 2015).

O art. 7 da lei 9.807/99 relata as medidas protetivas que podem ser aplicadas aos indivíduos beneficiados da mesma, as quais podem ser aplicadas de modo isolado ou cumulativamente a depender da situação do caso concreto. Entre algumas das medidas estão: a segurança na moradia, escolta durante deslocamentos, preservação da identidade da pessoa e até mesmo a transferência de moradia. Quanto a proteção dos colaboradores (corréu), fica disposto no capítulo II da lei 9.807 que:

“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.” (Brasil, 1999).

Ademais, de acordo com o exposto, os requisitos de concessão em relação ao concurso de pessoas são diversos dos empregados em casos comuns. Deve-se identificar as infrações penais que são englobadas pela legislação, e um dos acusados deve cooperar com a investigação, sendo parte imprescindível no reconhecimento dos partícipes ou coautores do ato delituoso, ou auxiliando no achamento da vítima, visando sua segurança e integridade, ou também contribuindo para reaver o produto de uma ação criminosa (Greco, 2018).

Para além dos requisitos objetivos já citados, existem ainda os requisitos subjetivos que estão presentes no caput do artigo 13 da lei. Tais requisitos são necessários para a concessão do benefício e sua efetividade. Assim sendo, os quesitos que devem estar presentes são: o réu deve ser primário e deve ter colaborado de forma eficaz e voluntária para com a investigação. Outrossim, existe ainda outra condição está presente no parágrafo único do artigo, o qual explica que a concessão do perdão observará a personalidade do indivíduo, bem como as circunstâncias, a gravidade e a recuperação do fato criminoso. Logo, o réu deve ser caracterizado como aquele que, anteriormente, não possui sentença condenatória que tenha transitado em julgado, e também não é reincidente. Sua colaboração deve ser feita voluntariamente, ou seja, sem estar sob efeito de coação moral ou física. E quanto ao requisito da personalidade, tal fator será atendido ou não a partir da visão subjetiva do magistrado (Borges, 2015).

Para Greco (2018), a ideia central que inspirou a origem do artigo 13 da lei 9.807/99 foi para que o diploma legal pudesse ser utilizado em crimes de extorsão mediante sequestro, que é tipificado no art. 159 do Código Penal. Tal entendimento não é explícito no artigo 13 da lei, porém é possível alcançar essa compreensão a partir dos requisitos encontrados nos incisos do artigo.

Salienta-se ainda que o art. 15 da lei expressa que o colaborador terá sua integridade protegida por medidas de segurança que serão efetivadas em seu benefício, em decorrência de coação ou ameaças.

Por fim, existem diversas críticas ao instituto previsto pela Lei. 9.807, que apontam que o estado não deveria barganhar com aqueles que são agentes de atos criminosos, de forma que o próprio ente estatal deveria ter condições para solucionar e resolver as situações delituosas existentes. Entretanto, entende-se o perdão judicial ou a redução de pena não como uma barganha, mas como um benefício, uma vantagem que o acusado pode receber se colaborar para a resolução satisfatória da investigação criminal. Vale ainda lembrar que a colaboração corréu deve ser realizada de maneira voluntária pelo indivíduo, não sendo ele obrigado a contribuir e, caso venha a colaborar, o mesmo não é forçado a se incriminar. Deste modo, o instituto criado pela Lei 9.807 acaba por ter um efeito mais positivo para o acusado, já que mitiga as consequências que suas ações poderiam ter em uma circunstância normal (Borges, 2015).

2. O PERDÃO JUDICIAL PARA O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

A lei número 9.503 de 23 de setembro de 1997 é conhecida popularmente como a lei de trânsito, uma vez que institui o Código de Trânsito Brasileiro e regula suas matérias. De modo pregresso essa legislação, havia um certo clamor da sociedade por um maior enrijecimento das leis de trânsito, bem como das penas a respeito das lesões e homicídios culposos cometidos no tráfego. Por consequência da vontade social, houve a edição da lei. De forma antecessora ao novo código, os casos de lesões e homicídios culposos no trânsito eram regulados pelo artigo 121, §3, e 129, §6 do Código Penal, os quais cabiam perdão judicial. Porém, o novo Código tratou de dispor sobre ambos os delitos tipificando-os nos artigos 302 e 303 de seu texto. Sobre isso, haveria uma previsão legal para o perdão judicial dentro do próprio Código de Trânsito, o qual, por sua vez, estaria presente no artigo 300 do novo texto legislativo. Todavia, o projeto foi vetado pelo Presidente da República, que justificou sua decisão explicando que o Código Penal já disciplinava, de forma satisfatória, tal matéria (Greco, 2018).

O texto do artigo 300 iria regularizar os crimes de homicídios e lesões corporais culposas ocorridos no trânsito. Ele iria prever que o perdão judicial poderia ser aplicado em casos em que o crime atingisse, de forma exclusiva, pessoas muito próximas ao a gente, como no caso de companheiros ou cônjuges, irmãos, descendentes ou ascendentes. (Bastos, 2007?)

Sob a ótica de Greco (2018), muito embora o projeto para o art. 300 tenha sido vetado pelo presidente, não havendo então a previsão dentro do Código de Trânsito Brasileiro para a aplicação do perdão judicial a tais crimes, ficou convencionado, assim, a aplicação do dispositivo através do próprio Código Penal, para os delitos culposos anteriormente citados. Outros doutrinadores são favoráveis ao perdão judicial para os crimes tipificados nos artigos 302 e 303 do Código de Trânsito, muito embora acreditem que a falta de um artigo que trate sobre a concessão do perdão judicial especificamente, acarrete em um desajuste jurídico.

3. A CONCESSÃO DO PERDÃO AO RÉU EM CASOS DE HOMICÍDIO E LESÃO CORPORAL CULPOSOS

Como foi visto anteriormente, o perdão judicial não é um instituto que pode ser aplicado a toda e qualquer infração penal, mas somente aquelas que possuem previsão legal. Nos casos de homicídio culposo, o art.121, § 5, o Código Penal (Decreto Lei n° 2.848 de 07/12/1940) expressa:

“Art. 121. Matar alguém:

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.” (Brasil, 1940)

Nessa hipótese, a consequência do ato infrator é tão mais pesada do que a sanção que seria aplicada, que a punição se torna sem sentido legal. Por conseguinte, o perdão é um direito subjetivo do indivíduo, de maneira que, se existirem os requisitos necessários para concessão, o juiz não pode simplesmente por seu arbítrio, deixar de aplicá-lo. Em contrapartida a isso, o juiz deve observar cada situação do caso concreto, e assim aplicar, ou não, o perdão ao réu. Em casos culposos, nos quais a ocorrência se dá com relação a pessoas muito próximas ao indivíduo infrator, como cônjuge, irmãos, ascendentes ou descendentes, o perdão será concedido não como um favor do magistrado, mas sim um direito do próprio réu. Porém, caso a vítima seja uma pessoa sem proximidade, ou mesmo um parente longínquo, o perdão judicial será discricionário para o juiz. Se tratando da lesão corporal culposa, o art. 129, § 8°, do Código Penal expressa que o perdão judicial pode ser aplicado, uma vez que existam os mesmos critérios de concessão dispostos no art. 121, § 5°. Em outros termos, para ser concedido o perdão em casos de lesão corporal culposa, é preciso que as consequências do delito sejam mais graves do que a sanção penal em si (Pacheco, 2019).

4. APLICAÇÃO DO PERDÃO PARA A LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

A Lei n° 12.850, de 2 de agosto de 2013, também conhecida como Lei de Organização Criminosa, conceitua o crime, dispondo também sobre diversos outros aspectos correlatos à matéria. Sendo assim, em seu art. 4°, o texto legislativo trata do perdão judicial e expressa:

“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.” (Brasil, 2013).

No parágrafo § 1°, logo após o artigo citado, fica expresso que a concessão do perdão irá analisar a personalidade do agente, bem como outras circunstâncias que vão desde a natureza da ação, até a gravidade e a repercussão social do ato.

Deste modo, pode-se observar certas semelhanças entre o texto presente no art. 4° da Lei n° 12.850, e o texto do art. 13 da Lei n° 9.807. Em ambas as leis, existem critérios objetivos e subjetivos para a aplicação do perdão, que se assemelham. Como por exemplo a necessidade de identificação dos coautores do delito, a localização da vítima com sua integridade preservada e também recuperação produtos decorrentes das atividades criminosas, além de ser levado em conta as características do réu e de seu crime. Em contrapartida, a Lei de Organização Criminosa dispõe sobre diferentes requisitos que não aparecem na lei 9.807, como a declaração do funcionamento hierárquico da organização e a prevenção de eventuais crimes ocorridos em decorrência da mesma. Isto posto, entende-se que a possibilidade do perdão judicial traz benefícios não só para o réu, como também para a sociedade.

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO, Rilawilson José; MEDEIROS, Maria Luiza Melo Costa. Perdão judicial no direito penal brasileiro: uma análise por meio de casos práticos e de suas aplicações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7512, 25 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107416. Acesso em: 5 nov. 2024.

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