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Perdão judicial no direito penal brasileiro: uma análise por meio de casos práticos e de suas aplicações

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ANÁLISE DE CASOS PRÁTICOS

  1. O motorista William Junior Moraes Guimarães, provocou um acidente que ocasionou no falecimento de sua cônjuge, Ângela Maria Santos Vieira, em Campo Grande - MS. Para a polícia, William apresentou características de embriaguez, dado seu comportamento e a garrafas de bebida alcoólica encontradas em seu veículo. No fatídico dia, o motorista não respeitou o sinal vermelho e acabou por colidir com o carro em que sua esposa se encontrava, ferindo ainda mais duas pessoas presentes no veículo (Paz, 2023).

Nesse caso, se tratando de um homicídio culposo por veículo automotor, o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 302 prevê pena de detenção que vai de 2 a 4 anos para o indivíduo. Entretanto, a circunstância que torna o caso especial, é a possibilidade de perdão judicial ao réu, em consonância com o que foi expresso pelo Código penal no art. 121, parágrafo quinto, já que a própria lei de trânsito não trata especificamente do instituto do perdão. Como o motorista era esposo da vítima, o julgador pode considerar a aplicação do perdão judicial já que, a perda da esposa pode ser considerada de grande impacto para o agente, sendo mais gravosa do que a sanção penal.

  1. Menino de 11 anos é baleado no peito em disparo acidental de arma de fogo. A arma em questão era uma espingarda calibre 12, que estava sendo vendida pelo pai da vítima. O incidente ocorreu quando o pai do menino estava mostrando a arma para um possível comprador. A espingarda estava destravada e com carga, assim, quando o homem pegou a arma, a mesma disparou acidentalmente, atingindo a criança no tórax, que não resistiu. Após o ocorrido, o pai tentou suicídio atirando em seu próprio rosto, mas foi socorrido e sobreviveu (Graziely, 2022).

Nessa situação, o Ministério Público pediu pela aplicação do perdão judicial ao pai da vítima. O promotor incumbido do caso, mesmo reconhecendo que o manuseio da arma deveria ter se dado de maneira mais cuidadosa, expressa que a responsabilidade pelo falecimento do filho é a maior pena que o réu poderia receber, sendo um peso que o acompanhará para sempre. O promotor ainda aponta que a concessão do perdão é a resolução mais correta para o caso, em conformidade, inclusive, com o princípio da dignidade da pessoa humana (Rodrigues, 2022).

Ademais, o caso em questão está em acordo com o texto do art. 121, § 5°, do Código Penal, uma vez que as consequências da ação impactaram fortemente o réu, dada a relação do mesmo com a vítima.

  1. Uma quadrilha falsificava dinheiro e documentos através de meios digitais, além de também fazer o envio de suas falsificações por meio do correio. Dois de seus integrantes, que foram presos preventivamente, colaboraram voluntariamente e de forma muito importante com a investigação criminal, auxiliando com informações imprescindíveis para a solução do caso (Hígido, 2023).

A ambos os réus, foi concedido o perdão judicial com base no art. 4° da Lei n° 12.850/2013, tendo em vista que, segundo o magistrado do caso, as informações trazidas por eles ajudaram a desvendar o esquema da quadrilha, bem como os indivíduos integrantes, os locais utilizados, e as formas de execução dos crimes por parte dos criminosos. Além desses aspectos, a colaboração de ambos permitiu que a falsificação monetária fosse interrompida (Hígido, 2023). Por essas razões, a concessão do perdão foi possibilitada.

  1. Criança de 2 anos morre após ser deixada no banco de trás de um carro pelo pai. A vítima ainda chegou a ser socorrida, mas faleceu em razão de uma asfixia por confinamento, após passar, aproximadamente, cinco horas dentro do veículo. O pai da criança acabou por esquecer de levar o menino até a escola e, assim, foi direto trabalhar, se lembrando apenas posteriormente que o filho ainda estava dentro do carro (G1, 2016).

A partir do exposto, entende-se a possibilidade de concessão do perdão judicial a esse pai que, culposamente, esqueceu o filho dentro do veículo, o que ocasionou em sua morte. Tal compreensão é obtida segundo o art. 121, § 5, uma vez que a perda do pai, e o fardo que ele terá de carregar, é mais pesada e grave do que a pena que lhe poderia ser imposta.

  1. Menina de 6 anos morre ao cair de apartamento no 12° andar, após ter sido deixada sozinha em casa pelo pai. O pai da vítima deixou a criança sem supervisão no local em que residiam, enquanto teria ido deixar a namorada em casa. A menor que tinha ficado dormindo, acordou e, tentando pedir ajuda por estar com medo de estar sozinha, acabou por cair da sacada do apartamento (Teodoro, 2022).

O caso em questão ganha um novo aspecto, que é o abandono de incapaz, uma vez que o pai da criança a deixou sem a supervisão de nenhum responsável enquanto saía de casa. Diante disso, a concessão do perdão judicial se torna mais difícil para o réu, já que o crime cometido não permite a modalidade culposa. Então, a não ser que o julgador desloque o delito de abandono de incapaz para o de homicídio culposo, entendendo que não havia o desígnio de abandonar na ação do pai, a possibilidade de aplicação do perdão judicial fica distante do caso (Bento, 2022).

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  1. Um homem de 28 anos, acerta um tiro em seu pai, que acaba por não resistir. O jovem em questão sofria com esquizofrenia, e é relatado que sempre dormia com a arma por uma "questão de segurança", já que sua família era dona de uma empresa. No dia dos fatos, é relatado que o homem estava andando pelo corredor da residência, quando seu pai apareceu e ocorreu o disparo. Segundo o agente dos tiros, ele não sabia utilizar corretamente a arma, e o que ocorreu foi um acidente em decorrência de sua imperícia (Chuva, 2022).

Primeiramente, o autor dos disparos foi indiciado por homicídio simples, o qual o levou ao tribunal do júri. Mesmo tendo sido absolvido, foi imposta ao homem uma medida de segurança que consistia em tratamento ambulatorial em decorrência de seu problema psiquiátrico. No entanto, após a sentença, a defesa continuou pedindo pelo perdão judicial, que foi concedido ao jovem. Na decisão, salientou-se que a lei que prevê o perdão judicial não requer especificamente que o agente tenha entendido da qualidade ilícita do ocorrido. Além do mais, também foi notável o abalo do homem durante o interrogatório, demonstrando grande angústia ao contar os fatos. Por isso, foi-lhe concedido o benefício do perdão, que extingue a necessidade de continuar a medida de segurança (Chuva, 2022).


CONCLUSÃO

Por fim, pode-se perceber que o perdão judicial é um instituto que, de certa forma, permite uma segunda chance ao acusado, uma vez que extingue a punibilidade e seus efeitos. Apesar das circunstâncias que podem ter ocorrido, o benefício do perdão não exige que o indivíduo cumpra duas penas dentro de uma, a psicológica e a sentenciada, propiciando uma possível recuperação do agente.

Dessa forma, a justiça pode agir em concordância com a dignidade da pessoa humana, garantindo a preservação dos direitos do réu. O perdão judicial pode ainda atuar como um redutor da criminalidade, tendo em vista que, se aplicado de maneira adequada, possibilita a reabilitação do agente, ao invés de simplesmente sentenciá-lo a uma punição. Sua efetividade ainda é favorável ao sistema carcerário no Brasil, que se encontra em estado de lotação e precarização.

Outrossim, em casos como os dispostos na Lei n° 9.807/99 e a n° 12.850/2013, a contribuição dos réus para a solução de crimes e situações delituosas é de suma importância para a justiça. Através da possibilidade do perdão judicial, a colaboração é, muitas vezes, fundamental para a localização de vítimas, infratores, células criminosas e até para a identificação do modo de atuação das organizações.

Então, conclui-se que o instituto do perdão judicial oferece benefícios não só aos réus, como também ao Sistema Judiciário no Brasil, disciplinando casos excepcionais que precisam de tratamento diferenciado, de maneira a concretizar a equidade da justiça ao tratar as diferenças na medida de suas adversidades.

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REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO, Rilawilson José; MEDEIROS, Maria Luiza Melo Costa. Perdão judicial no direito penal brasileiro: uma análise por meio de casos práticos e de suas aplicações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7512, 25 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107416. Acesso em: 24 nov. 2024.

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