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O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas

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Agenda 01/07/2000 às 00:00

1. Considerações Preliminares

O que se deve entender por efeito vinculante? A expressão não é de uso comum entre nós. O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ao disciplinar a chamada representação interpretativa, introduzida pela Emenda nº 7 de 1977, estabelecia que a decisão proferida na representação interpretativa seria dotada de efeito vinculante (art. 187 do RISTF). Em 1992, o efeito vinculante das decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas foi referida em Projeto de Emenda Constitucional apresentado pelo Deputado Roberto Campos (PEC n. 130/1992).

No aludido projeto, distinguia-se nitidamente a eficácia geral (erga omnes) do efeito vinculante.

Tal como assente em estudo que produzimos sobre este assunto, que foi incorporado às justificações apresentadas no aludido Projeto, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante deveriam ser tratados como institutos afins, mas distintos. Vale transcrever, a propósito, a seguinte passagem da justificação desenvolvida:

          "Além de conferir eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade, a presente proposta de emenda constitucional introduz no direito brasileiro o conceito de efeito vinculante em relação aos órgãos e agentes públicos. Trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito processual alemão, que tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe).

          A declaração de nulidade de uma lei não obsta à sua reedição, ou seja, a repetição de seu conteúdo em outro diploma legal. Tanto a coisa julgada quanto a força de lei (eficácia erga omnes) não lograriam evitar esse fato. Todavia, o efeito vinculante, que deflui dos fundamentos determinantes (tragende Gründe) da decisão, obriga o legislador a observar estritamente a interpretação que o tribunal conferiu à Constituição. Conseqüência semelhante se tem quanto às chamadas normas paralelas. Se o tribunal declarar a inconstitucionalidade de uma Lei do Estado A, o efeito vinculante terá o condão de impedir a aplicação de norma de conteúdo semelhante do Estado B ou C (Cf. Christian Pestalozza, comentário ao § 31, I, da Lei do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgerichtsgesetz) in: Direito Processual Constitucional (Verfassungsprozessrecht), 2ª edição, Verlag C.H. Beck, Munique, 1982, pp. 170/171, que explica o efeito vinculante, suas conseqüências e a diferença entre ele e a eficácia seja inter partes ou erga omnes).

A Emenda Constitucional nº 3, promulgada em 16 de março de 1993, que, no que diz respeito à ação declaratória de constitucionalidade, inspirou-se direta e imediatamente na Emenda Roberto Campos, consagra que "as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo" (art. 102, § 2º).

Embora o texto aprovado revele algumas deficiências técnicas, não parece subsistir dúvida de que também o legislador constituinte, tal como fizera a Emenda Roberto Campos, procurou distinguir a eficácia erga omnes (eficácia contra todos) do efeito vinculante, pelo menos no que concerne à ação declaratória de constitucionalidade.

Tal constatação parece legitimar a investigação sobre o significado do "efeito vinculante", que, como já tivemos a oportunidade de explicitar, foi inspirado diretamente pela chamada Bindungswirkung do direito germânico ( § 31, I, da Lei da Corte Constitucional alemã).

A despeito das valiosas contribuições doutrinárias e jurisprudenciais que podem ser colhidas no direito pátrio, é certo que, por se tratar de instituto desenvolvido, originariamente, pela doutrina tedesca ao longo dos últimos 70 anos, há de se procurar definir a sua natureza jurídica e as suas características a partir do modelo praticado pela doutrina e jurisprudência alemãs.

A doutrina constitucional alemã há muito vinha desenvolvendo esforços para ampliar os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada no âmbito da jurisdição estatal (Staatsgerichtsbarkeit). Importantes autores sustentaram, sob o império da Constituição de Weimar, que a força de lei não se limitava à questão julgada, contendo, igualmente, uma proibição de reiteração (Wiederholungsverbot) e uma imposição para que normas de teor idêntico, que não foram objeto da decisão judicial, também deixassem de ser aplicadas por força da eficácia geral.

Essa concepção refletia, certamente, a idéia dominante à época de que a decisão proferida pela Corte teria não as qualidades de lei (Gesetzeseigenschaften), mas, efetivamente, a força de lei (Gesetzeskraft). Afirmava-se inclusive que o Tribunal assumia, nesse caso, as atribuições do Parlamento ou, ainda, que se cuidava de uma interpretação autêntica, tarefa típica do legislador. Em se tratando de interpretação autêntica da Constituição, não se cuidaria de simples legislação ordinária, mas, propriamente, de legislação ou reforma constitucional (Verfassungsgesetzgebung; Verfassungsänderung) ou de decisão com hierarquia constitucional (Entscheidung mit Verfassungsrang).

A convicção de que a força de lei significava apenas que a decisão produziria efeitos semelhantes aos de uma lei (gesetzähnlich) (mas não poderia ser considerada ela própria como uma lei em sentido formal e material), parece ter levado a doutrina a desenvolver instituto processual destinado a dotar as decisões da Corte Constitucional de qualidades outras não contidas nos conceitos de coisa julgada e de força de lei.

Observe-se que o instituto do efeito vinculante, contemplado no § 31, I, da Lei do Bundesverfassungsgericht não configura novidade absoluta no direito alemão do pós-guerra. Antes mesmo da promulgação da Lei Orgânica da Corte Constitucional e, portanto, da instituição do Bundesverfassungsgericht, algumas leis que disciplinavam o funcionamento de Cortes Constitucionais estaduais já consagravam expressamente o efeito vinculante das decisões proferidas por esses órgãos:

–"As decisões do Tribunal Constitucional são vinculantes para todos os Tribunais e demais autoridades" (Die Entscheidungen des Verfassungsgerichtshofs sind für alle Gerichte und sonstigen Behörden bindend) (art. 20 da Lei do Tribunal Constitucional da Baviera – Bayerischer Verfassungsgerichtshof);

–"A decisão do Tribunal Estatal vincula outros órgão constitucionais , bem como os Tribunais e as autoridades administrativas" (Die Entscheidung des Staatsgerichtshofes bindet andere Verfassungsorgane sowie die Gerichte und Verwaltungsbehörden) ( § 47, I da Lei do Tribunal Estatal do Estado de Hessen);

–"As decisões do Tribunal Constitucional, ainda quando não dotadas de eficácia geral, são vinculantes para os tribunais e autoridades administrativas" (Die Entscheidungen des Verfassungsgerichtshofes "sind, auch soweit sie nicht ... Gesetzeskraft haben, für alle Gerichte und Verwaltungsbehörden bindend) (§ 19, II da Lei do Tribunal Constitucional do Estado da Renânia Palatinado – Rheinland-Pfalz, de 23.7.1949).

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O art. 99, I do Anteprojeto de Constituição do Convento de Herrenchiemsee (Entwurf des Verfassungskonvents von Herrenchiemsee) é a proposta que antecede diretamente à disposição contida no § 31, I, da Lei do Bundesverfassungsgericht:

"As decisões do Bundesverfassungsgericht e as ordens emanadas para o seu cumprimento são vinculantes para todos os Tribunais e autoridades administrativas" (Die Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts und seine zu ihrer Durchführung erlassenen Anordnungen sind für alle Gerichte und sonstigen Behörden bindend).

Referida disposição não foi incorporada ao texto definitivo da Lei Fundamental, mas logrou ser introduzida no texto da Lei do Bundesverfassungsgericht graças à iniciativa do Governo, que, assim, justificava a sua adoção:

"A vinculação dos órgãos da União e dos Estados, bem como a dos Tribunais e autoridades administrativas prevista no parágrafo 1º, obriga não só as partes do processo a observar a decisão concreta proferida, especialmente a revogar ou a modificar as medidas com ela incompatíveis, mas impõe também que todos os órgãos, tribunais e autoridades da União e dos Estados observem, em suas providências, a decisão, enquanto subsistente a orientação fixada pelo Bundesverfassungsgericht".

Não paira dúvida de que a intenção do legislador era ampliar os limites da coisa julgada, vinculando órgãos e autoridades que não haviam integrado o processo, obrigando-os a adaptar sua ação futura à orientação nela contida.

Embora o conceito de Bindungswirkung (efeito vinculante) corresponda a uma tradição do direito alemão, tendo sido também adotado por diversas leis de organização de tribunais constitucionais estaduais aprovadas após a promulgação da Lei Fundamental, não se pode afirmar que se trate de um instituto de compreensão unívoca pela doutrina.

Não são poucas as questões que se suscitam a propósito desse instituto, seja no que concerne aos seus limites objetivos, seja no que respeita aos seus limites subjetivos e temporais.


2. Elementos do Efeito Vinculante

De imediato, impende ressaltar que a doutrina constitucional somente reconhece efeito vinculante às decisões de mérito (Sachentscheidungen) proferidas pelo Bundesverfassungsgericht. O efeito vinculante não imanta julgados de caráter exclusivamente processual, não abrangendo, por isso, decisões de simples caráter interlocutório.

          2.1 Limites objetivos do efeito vinculante

Tal como observado, a concepção de efeito vinculante consagrada pela Emenda nº 3, de 1993, está estritamente vinculada ao modelo germânico disciplinado no § 31, (2), da Lei Orgânica da Corte Constitucional. A própria justificativa da proposta apresentada pelo Deputado Roberto Campos não deixa dúvida de que se pretendia outorgar não só eficácia erga omnes, mas também efeito vinculante à decisão, deixando claro que estes não estariam limitados apenas à parte dispositiva. Embora a Emenda nº 3/93 não tenha incorporado a proposta na sua inteireza, é certo que o efeito vinculante, na parte que foi positivada, deve ser estudado à luz dos elementos contidos na proposta original.

Assim, parece legítimo que se recorra à literatura alemã para explicitar o significado efetivo do instituto.

A primeira indagação, na espécie, refere-se às decisões que seriam aptas a produzir o efeito vinculante. Afirma-se que, fundamentalmente, são vinculantes as decisões capazes de transitar em julgado. Tal como a coisa julgada, o efeito vinculante refere-se ao momento da decisão. Alterações posteriores não são alcançadas.

Problema de inegável relevo diz respeito aos limites objetivos do efeito vinculante, isto é, à parte da decisão que tem efeito vinculante para os órgãos constitucionais, tribunais e autoridades administrativas. Em suma, indaga-se, tal como em relação à coisa julgada e à força de lei, se o efeito vinculante está adstrito à parte dispositiva da decisão (Urteilstenor; Entscheidungsformel) ou se ele se estende também aos chamados fundamentos determinantes (tragende Gründe), ou, ainda, se o efeito vinculante abrange também as considerações marginais, as coisas ditas de passagem, isto é, os chamados obiter dicta.

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Enquanto em relação à coisa julgada e à força de lei domina a idéia de que elas hão de se limitar à parte dispositiva da decisão (Tenor; Entscheidungsformel), sustenta o Bundesverfassungsgericht que o efeito vinculante se estende, igualmente, aos fundamentos determinantes da decisão (tragende Gründe).

Segundo esse entendimento, a eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva (Tenor) e dos fundamentos determinantes (tragende Gründe) sobre a interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros.

Outras correntes doutrinárias sustentam que, tal como a coisa julgada, o efeito vinculante limita-se à parte dispositiva da decisão, de modo que, do prisma objetivo, não haveria distinção entre a coisa julgada e o efeito vinculante.

A diferença entre as duas posições extremadas não é meramente semântica ou teórica, apresentando profundas conseqüências também no plano prático.

Enquanto o entendimento esposado pelo Bundesverfassungsgericht importa não só na proibição que se contrarie a decisão proferida no caso concreto em toda a sua dimensão, mas também na obrigação de todos os órgãos constitucionais de adequar a sua conduta, nas situações futuras, à orientação dimanada da decisão, considera a concepção que defende uma interpretação restritiva do § 31, I, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional que o efeito vinculante há de ficar limitado à parte dispositiva da decisão, realçando, assim, a qualidade judicial da decisão.

A aproximação dessas duas posições extremadas é feita mediante o desenvolvimento de orientações mediadoras que acabam por fundir elementos das concepções principais.

Assim, propõe Vogel que a coisa julgada ultrapasse os estritos limites da parte dispositiva, abrangendo também a "norma decisória concreta" (konkrete Entscheidungsnorm). A norma decisória concreta seria aquela "idéia jurídica subjacente à formulação contida na parte dispositiva, que, concebida de forma geral, permite não só a decisão do caso concreto, mas também a decisão de casos semelhantes". Por seu lado, sustenta Kriele que a força dos precedentes, que presumivelmente vincula os Tribunais, é reforçada no direito alemão pelo disposto no § 31, I, da Lei do Bundesverfassungsgericht. A semelhante resultado chegam as reflexões de Bachof, segundo o qual o papel fundamental do Bundesverfassungsgericht consiste na extensão de suas decisões aos casos ou situações paralelas.

Tal como já anotado, parecia inequívoco o propósito do legislador alemão, ao formular o § 31 da Lei Orgânica do Tribunal, de dotar a decisão de uma eficácia transcendente.

É certo, por outro lado, que a limitação do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão tornaria de todo despiciendo esse instituto, uma vez que ele pouco acrescentaria aos institutos da coisa julgada e da força de lei. Ademais tal redução diminuiria significativamente a contribuição do Tribunal para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional.

Aceita a idéia de uma eficácia transcendente à própria coisa julgada, afigura-se legítimo indagar sobre o significado do efeito vinculante para os órgãos estatais que não são partes do processo.

Segundo a doutrina dominante, são as seguintes as conseqüências do efeito vinculante para os não-partícipes do processo:

          "(1) ainda que não tenham integrado o processo os órgãos constitucionais estão obrigados, na medida de suas responsabilidades e atribuições, a tomar as necessárias providências para o desfazimento do estado de ilegitimidade;

(2) assim, declarada a inconstitucionalidade de uma lei estadual, ficam os órgãos constitucionais de outros Estados, nos quais vigem leis de teor idêntico, obrigados a revogar ou a modificar os referidos textos legislativos;

(3) também os órgãos não partícipes do processo ficam obrigados a observar, nos limites de suas atribuições, a decisão proferida, sendo-lhes vedado a adotar conduta ou praticar ato de teor semelhante àquele declarado inconstitucional pelo Bundesverfassungericht (proibição de reiteração em sentido lato: Wiederholungsverbot im weiteren Sinne oder Nachahmungsverbot). A Lei do Bundesverfassungsgericht autoriza o Tribunal, no processo de recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde), a incorporar a proibição de reiteração da medida considerada inconstitucional na parte dispositiva da decisão (§ 95, I, 2).

          2.2 Limites subjetivos

          2.2.1 Considerações Preliminares

Não parece problemática a definição dos limites subjetivos do efeito vinculante. Tal como se depreende diretamente do disposto no § 31, I, da Lei do Bundesverfassungsgericht, a decisão de mérito proferida pela Corte constitucional vincula todos os órgãos constitucionais, os tribunais e as autoridades administrativas.

Esse efeito vinculante em relação a órgãos ou autoridades que não integram de alguma forma o processo somente parece fazer sentido se se admitir que ele atinge não apenas a questão submetida ao Tribunal e por ele decidida, mas também outras questões de idêntico conteúdo (gleiche Rechtsfrage). Por isso, afirma Maunz que, mediante a vinculação de órgãos, pessoas ou autoridades estranhas ao processo, evita-se que, surgindo a mesma questão jurídica, sejam instaurados novos processos desse tipo (outras partes, outro pedido, mas idêntica questão jurídica). Opera-se, pois, uma ampliação do efeito vinculante, no plano subjetivo, para além dos limites da coisa julgada.

Contra essa orientação, que traduz a posição dominante do Bundesverfassungsgericht, suscitam-se objeções.

Sustenta-se, fundamentalmente, que o efeito vinculante estende a eficácia da decisão, alcançando pessoas que dele não participaram. Essa vinculação estaria limitada, porém, à relação jurídica objeto da controvérsia judicialmente decidida.

Embora não se possa negar que o efeito vinculante suscita problemas sérios, parece evidente que a sua aplicação apenas à relação ou à questão jurídica decidida acabaria por retirar o alcance desse instituto, que teria assim pouco mais do que um significado simbólico.

Ademais, semelhante entendimento configuraria uma fraude para com a vontade histórica do legislador que, como visto, pretendeu, inequívoca e notoriamente, vincular os órgãos constitucionais, tribunais e autoridades administrativas à própria questão jurídica decidida.

          2.2.2 Significado do efeito vinculante na dimensão subjetiva

O efeito vinculante atinge não só as partes do processo, mas também os demais órgãos constitucionais federais e estaduais (Presidente da República, Governo Federal, Parlamento Federal, Conselho Federal, no plano federal), os Tribunais e as autoridades administrativas federais e estaduais. Inexiste, todavia, efeito vinculante para o próprio Bundesverfassungsgericht, que não está obrigado a manter posição jurídica sustentada em uma decisão posterior.

A vinculação da Corte Constitucional está limitada à coisa julgada material, isto é, à parte dispositiva da decisão. Os fundamentos da decisão, ainda que determinantes, não vinculam o Tribunal.

Além dos órgãos constitucionais no âmbito federal e estadual, o efeito vinculante atinge todas as autoridades administrativas e tribunais nas diferentes esferas federativas. Isso significa que, tendo em vista a peculiar situação do município na federação alemã, o efeito vinculante abrange inclusive as autoridades municipais, que, para todos os efeitos, são consideradas autoridades estaduais.

Acentue-se que o efeito vinculante das decisões do Bundesverfassungsgericht em relação aos demais juízes e tribunais não provoca maiores dúvidas, ainda que em face do princípio da independência dos juízes, uma vez que, segundo orientação doutrinária assente, essa independência é entendida como liberdade em relação aos demais órgãos estatais que não os próprios tribunais.

De resto, não se questiona a vinculação dos juízes e tribunais às decisões específicas das cortes superiores, que podem cassar, reformar e suspender julgados das Cortes inferiores.

É certo, igualmente, que se o Tribunal afirma que determinada lei é constitucional, não fica o legislador impedido de introduzir-lhe modificações ou mesmo de revogá-la.

No que concerne aos órgãos estatais que, de alguma forma, integraram o processo, assume o efeito vinculante a seguinte amplitude:

          (1) Os órgãos estatais que integraram o processo no qual foi proferida a decisão estão, nos termos do § 31, I, obrigados a observar e a executar o julgado, devendo empreender todas as medidas necessárias ao restabelecimento de um estado de legitimidade (imperativo de revogação e de anulação: Gebot der Selbstaufhebung und Rückabwicklung), exigências essas que não decorrem diretamente da coisa julgada material;

(2) Eles estão vinculados, igualmente, à orientação estabelecida pelo Tribunal no que diz respeito à conduta futura, de modo que do efeito vinculante decorre – tal como da coisa julgada material – uma proibição de repetição ou de reiteração (Wiederholungsverbot).

Nesse sentido, vale registrar expressa decisão (parte dispositiva) do Bundesverfassungsgericht numa controvérsia entre a União e o Estado de Hessen:

"O Estado de Hessen contrariou o princípio de cordial conduta federativa, na medida em que o seu Governo, mediante omissão do Ministério do Interior, deixou de empreender as medidas necessárias para suspender a resolução dos Municípios sobre a realização de plebiscito relativo ao assentamento de armas atômicas".

Nos fundamentos da decisão, esclarecia-se, ainda, que "não apenas o Governo de Hessen, mas qualquer outro Governo estadual" estava "obrigado a suspender, também no futuro, as resoluções de municípios, que versassem sobre plebiscito tendente a discutir o uso de armamento nuclear pelas Forças Armadas, sua localização (...)";

          (3) Portanto, se a parte dispositiva contiver expressa censura a uma ação legislativa ou administrativa dos órgãos constitucionais, ficam eles obrigados não só a afastar a lesão, como também a evitar que ela se repita. Identifica-se aqui, dentre outros, um dever de abstenção (Unterlassungspflicht). Ao contrário, se a decisão exigir uma conduta ativa – v.g, se a parte dispositiva contiver uma censura a uma omissão legislativa –, então deve o órgão estatal atuar com vistas a sanear a situação ilegítima.

          2.2.2.1 Vinculação do Supremo Tribunal Federal?

A primeira questão relevante no que concerne à dimensão subjetiva do efeito vinculante refere-se à possibilidade de a decisão proferida vincular ou não o próprio Supremo Tribunal Federal.

Embora a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional alemão não seja explícita a propósito, entende a Corte Constitucional ser inadmissível construir-se aqui uma autovinculação. Essa orientação conta com aplauso de parcela significativa da doutrina, pois, além de contribuir para o congelamento do direito constitucional, tal solução obrigaria o Tribunal a sustentar teses que considerasse errôneas ou já superadas.

A fórmula adotada pela Emenda nº 3, de 1993, parece excluir também o Supremo Tribunal Federal do âmbito de aplicação do efeito vinculante. A expressa referência ao efeito vinculante em relação "aos demais órgãos do Poder Judiciário" legitima esse entendimento.

De um ponto vista estritamente material também é de se excluir uma autovinculação do Supremo Tribunal aos fundamentos determinantes de uma decisão anterior, pois isto poderia significar uma renúncia ao próprio desenvolvimento da Constituição, afazer imanente dos órgãos de jurisdição constitucional.

Todavia, parece importante, tal como assinalado por Bryde, que o Tribunal não se limite a mudar uma orientação eventualmente fixada, mas que o faça com base em uma crítica fundada do entendimento anterior que explicite e justifique a mudança.

          2.2.2.2 Vinculação dos órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo

Ao contrário do estabelecido na proposta original, que se referia à vinculação dos órgãos e agentes públicos, o efeito vinculante consagrado na Emenda nº 3, de 1993, ficou reduzido, no plano subjetivo, aos órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.

Proferida a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei objeto da ação declaratória, ficam os Tribunais e órgãos do Poder Executivo obrigados a guardar-lhe plena obediência. Tal como acentuado, o caráter transcendente do efeito vinculante impõe que sejam considerados não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, a proposição de que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado.

É certo, pois, que a não-observância da decisão caracteriza grave violação de dever funcional, seja por parte das autoridades administrativas, seja por parte do magistrado (cf., também, CPC, art. 133, I).

Em relação aos órgãos do Poder Judiciário, convém observar que eventual desrespeito à decisão do Supremo Tribunal Federal legitima a propositura de reclamação, pois estará caracterizada, nesse caso, inequívoca lesão à autoridade de seu julgado (CF, art. 102, I, "l").

Assim, se havia dúvida sobre o cabimento da reclamação no processo de controle abstrato de normas, a Emenda Constitucional nº 3 encarregou-se de espancá-la, pelo menos no que respeita às decisões proferidas na ação declaratória de constitucionalidade.

Sobre o autor
Gilmar Mendes

Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Direito pela Universidade de Münster (Alemanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Gilmar. O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado na Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto,edição de agosto de 1999

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