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Juízes proíbem mais presos nos presídios.

Fim da política do "hands off"?

Agenda 24/01/2008 às 00:00

Primeiro foi o juiz da Vara das Execuções de Tupã (Gerdinaldo Quixaba). Depois foi o juiz da 1ª Vara das Execuções Criminais de São Paulo (Cláudio Prado Amaral): ambos proibiram o aumento de presos nos presídios que se encontram sob suas jurisdições. Se houver descumprimento da sentença, o diretor do presídio será processado criminalmente. Chega de violação dos direitos humanos. A pena de prisão está sendo executada no Brasil de forma cruel e desumana. Não contribui em absolutamente nada para a ressocialização do preso. As cadeias e penitenciárias são fontes de tortura, discriminação etc.

O Brasil é o quarto país do mundo no item explosão carcerária. No começo dos anos noventa, Brasil tinha a taxa de 60 presos para cada 100.000 habitantes; em 1999 esse número aumentou para 113; em 2001 chegou a 141 e 150 em 2002. Atualmente (princípio de 2008), com 420 mil presos, a taxa subiu para perto de 230 presos para cada 100.000 habitantes.

No início de 90 havia mais ou menos 90.000 presos; em 1999 eles totalizavam 195.000; em 2002 já passavam da casa dos 250.000 presos. Em princípio de 2008 chegamos a 420 mil. Alcançamos já o quarto posto mundial em número de presos (cf. Julita Lemgruber, em Diário de Notícias de 29.11.07, p. 1). Nesse item, o Brasil só perde para EUA (cerca de 2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (cerca de 0,7 milhão) (cf. World Prison Population List, do International Center for Prison Studies do King’s College de Londres – www.kcl.ac.uk).

A capacidade prisional brasileira é de cerca de 300 mil presos. Nosso déficit prisional gira em torno de 120 vagas. Não tem onde enfiar presos e mensalmente são detidas cerca de 10 mil pessoas.

Tradicionalmente o Poder Jurídico brasileiro (do qual fazem parte o Judiciário e o Ministério Público), salvo algumas iniciativas louváveis, nunca enfrentou em sua raiz o problema carcerário. Sua clássica postura sempre foi a do "hands off" (lavar as mãos, não se intrometer, não interferir). Ou seja: vê mas não enxerga! Escuta as críticas mas não presta atenção! Sempre se mostrou conivente (criminosamente) com o Poder Executivo. É dessa forma que o Brasil está se candidatando para ser o país número um do mundo em violência e corrupção.

Nos Estados Unidos, nos anos 40, 50 e início dos 60, era (muito mais que hoje) deplorável e desumano o sistema penitenciário. Vigorava amplamente o regime legal de sentença indeterminada e, dessa forma, cabia às autoridades administrativas ("Adult Authority") a delimitação do tempo de cumprimento da pena. A situação podia ser qualificada de profundamente ofensiva aos "direitos civis" dos presos, mas os juízes de Tribunal absolutamente nada faziam. Praticavam a denominada (e abominável) política do "hands off" (Não toque, não interfira).

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Por habeas-corpus o preso só podia discutir a legalidade da pena de prisão, nunca as condições e as deficiências do encarceramento. Falava-se em "morte civil" do preso porque ele não podia sequer discutir seus direitos constitucionais.

Nos anos 60 houve uma luta muito intensa em favor dos direitos civis nos Estados Unidos. No âmbito da execução penal o movimento postulava o fim das arbitrariedades e o direito ao castigo justo e civilizado ("the right of punishiment"). O resultado dessa reação popular foi a radical mudança de atitudes dos juízes e Tribunais, que passaram a exigir das autoridades prisões decentes e humanas (impondo multas diárias altíssimas em caso de descumprimento das decisões).

Entre nós, essa abominável política do "hands off" ainda está muito presente. Trata-se de política flagrantemente violadora dos Direitos Fundamentais, mas interessante para muitos: ao Executivo, porque vai amontoando os presos de qualquer maneira; aos políticos, porque podem continuar com o discurso da prisão ilimitada; a alguns juízes e membros do Ministério Público que se livram da responsabilidade de impedir os abusos, a tortura, o tratamento desumano e cruel.

Elogiáveis, nesse contexto, as decisões acima citadas. É preciso dar um basta a essa política de encarceramento massivo, que coloca o preso em situação degradante e torturante. Com certeza o Brasil vai ser condenado muitas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por violação dos direitos básicos das pessoas. Um país que é conivente com a deplorável situação carcerária que vivemos é muito pouco civilizado.

Mas tudo tem seu preço: chegará o dia em que as organizações criminosas (que dominam os presídios) irão literalmente determinar a explosão total do sistema. Brasil é forte candidato a vivenciar a maior hecatombe de violência nos presídios. Milhares de presos morrerão. A repercussão será mundial. Órgãos internacionais condenarão duramente o país. Mas o preso brasileiro, de acordo com o pensamento da elite escravagista e senzaleira, é "mortável" (pode ser morto em qualquer momento). Conclusão: ela não está nem aí com a desgraça prisional que só afeta os pobres. É dessa forma que o Brasil continua sendo um país pouco avançado. Castigo justo e civilizado: essa é a bandeira!

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Juízes proíbem mais presos nos presídios.: Fim da política do "hands off"?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1667, 24 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10880. Acesso em: 23 nov. 2024.

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