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Caso Tio Paulo e dono da Porsche: análise sobre prisão preventiva e o racismo estrutural no Brasil

Agenda 03/05/2024 às 14:13

Os casos analisados levantam dúvida sobre o real motivo para decretação de prisão preventiva.

Recentemente, no Brasil, tivemos dois eventos de grande repercussão no mundo todo. De um lado, o caso do dono do Porsche; empresário que matou um motorista de aplicativo ao trafegar na velocidade de 150km/h numa via onde o permitido era 50km/h. Após o ocorrido, ele foge do local do crime e se apresenta posteriormente no outro dia na delegacia. Inclusive, para fugir do local, teve anuência dos policiais e ajuda de sua mãe. Temos no caso do empresário o seu indiciamento pelos crimes de homicídio por dolo eventual (por ter assumido o risco de matar), lesão corporal e fuga do local do crime (para não fazer o teste do bafômetro). A polícia civil de São Paulo requereu a sua prisão preventiva, mas fora negada pela justiça. Escreveu o juiz do TJ-SP em sua decisão: “Ressalte-se que a prisão cautelar não se presta à antecipação de pena. Sua natureza é excepcional, e somente deve ser aplicada para a proteção da integridade da instrução criminal”.

De igual, modo tivemos o caso “Tio Paulo”, onde a sobrinha de Paulo Roberto Braga o levou para realizar um empréstimo bancário numa agência no Rio de Janeiro, e pessoas perceberam que ele estava morto na cadeira de rodas. A perícia, até o presente momento, não foi conclusiva se ele chegou já morto ou morreu no local. A sobrinha do falecido fora indiciada pelo crime de vilipêndio a cadáver, previsto no artigo 212, do Código Penal com pena de um a três anos de detenção e multa. Para a sobrinha de Paulo Roberto Braga, fora decretada sua prisão preventiva, na decisão a juíza Rachel Assad da Cunha disse: “a atitude da investigada é cruel, repugnante e macabra”.

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Se nós verificarmos no Código de Processo Penal os requisitos da prisão preventiva, em seu artigo 313, notamos que no caso do empresário seria cabível a prisão preventiva. Diz o artigo 313, do CPP: nos termos do art. 312. deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. O crime que o dono da Porsche cometeu como já dito foi um homicídio com dolo eventual, previsto nos artigos 18, I e 121, cuja pena é de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão.

Já a sobrinha do “tio Paulo” teve sua prisão preventiva decretada, mas sem fundamentos jurídicos, visto que, o crime que cometera a pena máxima é de três anos de detenção. Daí surge a dúvida: por que uma pessoa rica, branca, da alta classe, comete homicídio de um pai de família não foi preso preventivamente? E uma moça, preta, pobre, periférica que possivelmente cometeu um crime pelo qual não há requisitos para prisão preventiva, veio a ser presa? Pela sua cor de pele? Talvez.

A banalização da prisão preventiva pode gerar o cerceamento da liberdade individual sem que existam devidas e necessárias justificativas, e isso prejudica a efetividade do sistema de justiça penal, bem como traz instabilidade ao sistema jurídico penal brasileiro. Desse modo, a prisão preventiva deve ser utilizada de forma criteriosa e excepcional, e somente quando realmente for necessário para a garantia da ordem pública, da instrução criminal e aplicação da lei penal, conforme determinado no art. 282, I, do Código de Processo Penal.

Parafraseando o saudoso ex-ministro do STJ, Nefi Cordeiro: “juiz não enfrenta crime, juiz não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos políticos da nação. O juiz criminal deve conduzir o processo pela lei e Constituição Federal, com imparcialidade, e somente ao final do processo sopesando adequadamente as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição”. O racismo estrutural está presente principalmente no Poder Judiciário. Para o Ministro Benedito Gonçalves, o racismo estrutural está cristalizado na cultura do povo de um modo que, muitas vezes, nem parece racismo. É aquele em que as pessoas, com palavras, ironia ou qualquer comportamento, discriminam.

Por fim, vale relembrar que é necessário combater o racismo estrutural de forma preventiva e repressiva, para então ter equidade na sociedade.

Sobre o autor
Carlos Daniel Targino da Silva

Correspondente Jurídico e Pesquisador

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Daniel Targino. Caso Tio Paulo e dono da Porsche: análise sobre prisão preventiva e o racismo estrutural no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7611, 3 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109186. Acesso em: 24 nov. 2024.

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