A Lei nº 11.441/2007, modificadora do Art. 982 do CPC, trouxe inovação extremamente benéfica aos jurisdicionados na medida em que esses, sob certas condições, passaram a ter a opção de realizar separações, divórcios, inventários e partilhas, mediante escritura pública, lavrada em Cartório de Notas, sem submeter-se à tutela do Poder Judiciário e à burocracia e demora que isso, em geral, significa.
A aplicação do novo procedimento a questões e interesses de família, historicamente submetidos aos magistrados, gerou polêmica e dúvidas entre os operadores do Direito, dada a ausência de maiores orientações no texto legal.
Com o escopo de prestigiar o espírito da lei e ao mesmo tempo suprir suas lacunas, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, nos limites de sua competência constitucional, editou a Resolução nº 35/2007 que procurou regulamentar exaustivamente a matéria.
Malgrado o esforço regulatório, alguns problemas persistem e podem dificultar ou mesmo impedir que o procedimento extrajudicial se realize com a eficácia esperada.
Para exemplificar, vejamos o caso de um inventário extrajudicial no qual o de cujus deixou recursos em determinada conta bancária (não solidária).
Entre nós o sigilo bancário erigiu-se a princípio constitucional (CF, Art. 5º, Incisos X e XII), relativizado apenas em circunstâncias excepcionais, com expressa previsão legal ou por ordem judicial. Por isso mesmo, no sistema financeiro nacional o sigilo bancário é tido como princípio basilar, devendo ser preservado com rigor, exceto nas condições supracitadas.
Lembremos que no inventário judicial o juiz nomeia o inventariante (CPC, Art. 990) que, após prestar compromisso, representa o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele (CPC, Art. 991, Inciso I). Assim, o inventariante, munido da decisão judicial (interlocutória) que o nomeia, apresenta-se ao gerente do banco para solicitar extratos e movimentar os recursos existentes, em nome do espólio.
Esta é a rotina com a qual as instituições financeiras estão familiarizadas e que não gera resistência por parte das respectivas gerências em prestar as informações solicitadas.
Mas, no procedimento de inventário extrajudicial, instaurado pela Lei nº 11.441 e regulado pela Resolução 35 do CNJ, esta rotina é subvertida, pois nomeia-se um herdeiro interessado, com poderes de inventariante, somente quando se lavra a própria escritura pública (Resol. 35, Art. 11).
Todavia, o recolhimento dos tributos incidentes, mormente o Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação - ITCD (CF, Art. 155, Inciso I), deve anteceder o ato da escrituração (Resol. 35, Art. 15). Com efeito, o tabelião só lavra a escritura mediante comprovação do pagamento dos tributos relativos ao espólio, sob pena de responsabilidade solidária (exemplo: Lei Distrital nº 3.804/2006, Art. 11, Inciso I).
Ocorre que, para pagamento do ITCD, os interessados devem - obrigatoriamente - apresentar previamente ao órgão da Fazenda Pública estadual ou distrital um esboço da partilha, onde estão discriminados e comprovados os bens e direitos do espólio, com seus respectivos valores. Nesse esboço, obviamente, devem estar indicadas, mediante extratos, as eventuais contas bancárias e aplicações financeiras do de cujus, com os respectivos saldos atualizados. Exclusivamente após a apresentação do esboço da partilha, devidamente instruído com documentos, é que o ente fazendário irá calcular o ITCD devido e emitir a respectiva guia de pagamento.
Eis que sem inventariante previa e formalmente nomeado, os herdeiros não têm um instrumento legal para exigir dos bancos o acesso às informações financeiras do "de cujus". Fica ao alvedrio da gerência, com base no bom senso, fornecer ou não esses dados aos herdeiros interessados.
Por outro lado, sem tais informações, não é possível elaborar corretamente um esboço de partilha, documento necessário para que o órgão fazendário emita a guia de recolhimento do ITCD. E sem o pagamento prévio do tributo, o tabelião não lavra a escritura pública e os herdeiros não podem alienar os bens do espólio para fins de partilha. Assim, está criado o impasse.
Verifica-se, pois, a existência de um imbróglio normativo, gerado pela interação de distintas esferas do poder público no trato dessa situação.
A Resolução 35, não aborda tal questão, e nem poderia fazê-lo, pois o CNJ tem competência regulamentar apenas sobre os órgãos do Poder Judiciário, neles incluídas as serventias extrajudiciais (cartórios e tabelionatos) que funcionam por delegação deste Poder.
As instituições financeiras trabalham sob normatização e fiscalização do Banco Central do Brasil – BACEN, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, portanto, subordinado ao Poder Executivo.
As Secretarias de Fazenda são órgãos que funcionam segundo as leis estaduais e distritais, gozando de autonomia normativa e administrativa, em relação ao âmbito federal.
Creio que a melhor solução para evitar o impasse já mencionado seria alcançada por meio de normatização específica do BACEN, dirigida às instituições financeiras, prevendo uma flexibilização do sigilo bancário na hipótese de inventários extrajudiciais realizados nos moldes da Lei nº 11.441/2007 (CPC, Art. 982) e da Resolução nº 35/2007, do CNJ.
Neste sentido há precedentes em que o sigilo bancário já foi atenuado, diante de outras necessidades da Justiça, como no caso do Sistema Bacen Jud (CPC, Art. 655-A), implantado por meio de convênios, entre os órgãos do Poder Judiciário e o BACEN, e que tem-se revelado extremamente proveitoso ao conferir agilidade e eficácia à penhora de dinheiro, em espécie, nas execuções por quantia certa contra devedor solvente.
Penso que caberia ao CNJ a iniciativa de provocar, junto ao BACEN, a efetivação desta medida, aqui sugerida, posto que estaria ampliando a abrangência do seu poder regulamentar e alcançando o escopo da Lei nº 11.441/2007, que traduz-se em descomplicar a vida dos cidadãos.
Por certo é neste rumo que devemos seguir!