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A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (Lei nº 11.101/05).

Uma abordagem zetética

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Agenda 08/02/2008 às 00:00

A essência deste ensaio numa abordagem zetética é a reflexão sobre a necessária mitigação da eficiência econômica com a humanização da tutela da empresa em estado crítico como forma de dignificação da pessoa humana, ou seja, deve haver uma desmistificação da eficiência neoliberal, no Estado contemporâneo.

Sumário:1. Introdução. 2. A dignidade da pessoa humana como núcleo da preservação da empresa e a aparente antinomia em relação à eficiência econômica. 3. A crise econômico-financeira da empresa: um componente permanente dos sistemas empresariais. 4. Da recuperação de empresa no Brasil. 5. Hipóteses concretas na novel legislação de estímulo à preservação da empresa e conseqüente dignificação da pessoa humana. 6. Da recuperação judicial. 7. Da recuperação extrajudicial. 8. Conclusão crítica. 9. Referências bibliográficas.


1. Introdução

A abordagem que se pretende dar a esta investigação científica consiste na apresentação da relevância objetiva e subjetiva da dimensão social na preservação da empresa como instrumento capaz de proporcionar a tutela da dignidade da pessoa humana em paralelo à busca pela eficiência econômica.

O nosso vetusto sistema legal (Dec.-Lei 7.661/45), bem como a recém sancionada legislação (Lei 11.101/05), tratam do lado negativo da economia contemporânea, baseados em um modelo iniciado com a revolução industrial no século XVIII, com um desenvolvimento político sobressaltado que cresceu e vingou como opção na sociedade atual.

A figura da empresa revela-se como um dos principais alicerces desse sistema, posto que é vista como agente econômico e sustentáculo imprescindível da sua própria sobrevivência. Por isso, a ineficiência ou inoperacionalidade da empresa deve ser resolvida, através de tratamento específico sujeito as regras judiciais, destinadas ou ao seu regresso produtivo ou à sua extinção como operador econômico.

No século passado, o tema da empresa insolvente, bem como sua abordagem, modificou-se. Desde o período romano o objetivo era "tutelar créditos" abandonando-se a devedora à venda, por via executiva. Com o passar do tempo, germinou em várias legislações, dentre outras, a legislação norte-americana, inglesa, francesa, belga, alemã, portuguesa, espanhola e, em certa medida a italiana, além de, mais recentemente, nossa legislação brasileira, a preocupação com a preservação da empresa, como forma de reabilitá-la.

Em nosso ordenamento, particularmente, busca-se absorver essa corrente do pensamento europeu e, ao lado do mecanismo falimentar, busca-se consagrar esquemas de viabilidade empresarial em harmonia com o princípio da preservação da empresa. Eis pois, a questão que se levanta. Será que a adoção indiscriminada do princípio da preservação da empresa associada ao processo de recuperação proporcionará a tão desejada simplificação, celeridade e redução de riscos, no processo falimentar, e consequentemente a diminuição do chamado spread bancário [02]? É essa a questão que pretendemos debater, no curso deste estudo.

Nesse sentido, focamos nossa análise nessa nova direção dada ao direito falimentar, em congruência com as mudanças inseridas pelo novo Código Civil que substituiu o sistema francês da teoria dos atos do comércio pela empresarialidade do sistema italiano, trazendo à discussão a maior intervenção dos credores nas lides, com uma atuação de caráter dúplice decorrente da defesa do crédito e da busca pela recuperação da devedora.

Esta dualidade aparente é, talvez, o maior dilema a ser enfrentado e a maior preocupação dos agentes econômicos envolvidos no processo recuperatório, pois haveria, senão ostensivamente, de forma sutil um conflito de interesses entre a busca pela eficiência econômica na recuperação do crédito e a busca da manutenção da fonte produtiva que conseqüentemente conserva o emprego e tutela a dignidade da pessoa humana. Esse aparente conflito, na filigrana jurídica, muitas vezes parece insuperável.

O elemento econômico do direito, segundo FRANCESCO CARNELUTTI [03], é o que caracteriza o conflito de interesses, portanto, inafastável sua compreensão. Segundo o autor, "l’elemento economico del diritto è il conflito di interessi. Dove il conflito di interessi non c’è, non ha ragione di esssere il diritto; non esiste um fenomeno giuridico alla radice del quale l’analisi non rintracci tale conflito."

Outrossim, os credores, reunidos em assembléia geral ou em comitê, auxiliados por um gestor ou administrador judicial, impulsionam, orientam, fiscalizam e decidem o processo, debaixo da fiscalização do juiz, no objetivo de dirimir o controverso e, com maior ou menor contraditório, atingir o consenso.

É nesse sentido que a recuperação judicial deve ser tratada, como forma de preservar o agente econômico empresarial viável, respeitada a função social da empresa. O direito falimentar, em seu sentido lato, deve, mais do que tudo, proporcionar uma convivência saudável entre os agentes econômicos, assegurando o crédito, o que é essencial para a preservação das relações empresariais e o desenvolvimento da economia.

A empresa age essencialmente através do mecanismo do crédito, o que por si só indica o sentido de seu interesse público, característico da atividade econômica empresarial.

O empresário, figura relevante no processo da distribuição da riqueza, não é simplesmente um agente econômico de interesses privados, mas, também, participa diretamente da atividade econômica da coletividade, o que denota também sua responsabilidade social [04].

Essa participação mais clara se fortalece quando ocorre a hipótese de falência, uma vez que se torna índice de desequilíbrio financeiro do empresário repercutindo com maior ou menor intensidade, na lesão dos credores.

O mecanismo da circulação de riquezas tem, pois, no crédito um dos elementos essenciais de sua propulsão. As organizações empresariais modernas, quaisquer que sejam, sem o crédito, não podem desenvolver com amplitude os seus negócios, atuar de forma eficiente em um mercado concorrencial acirrado.

Quando afirmamos que a lei falimentar deve assegurar o crédito [05], não fazemos referência ao crédito individualmente considerado, dos credores contra o devedor, mas sim ao meio ou o ambiente em que se praticam inter-relacionamentos de créditos privados. Protegido esse ambiente coletivo de concessão de crédito, cria-se uma atmosfera mais segura para a concessão do crédito privado, isto é, entre os agentes econômicos individualmente considerados.

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Em outras palavras, ao assegurarmos instrumentos eficazes de recuperação de crédito, estamos protegendo, por via de conseqüência, esse ambiente propício que facilita a criação, bem como a manutenção de um sistema saudável de concessão de créditos privados aos empresários para o desenvolvimento das mais diversas atividades econômicas.

Sob o ponto de vista econômico, o crédito é, como dissemos, fator de crescente relevância para o desenvolvimento das atividades econômicas das mais diversas naturezas, correspondendo ao combustível indispensável para a geração de riquezas.

O capital, ainda sob a ótica econômica, apenas pode multiplicar-se pela sua disponibilização em favor da atividade produtiva, verdadeira renovadora e geradora de riquezas. O dinamismo da economia depende dessa disponibilização de capital, com o escopo de financiar os investimentos necessários à produção.

Deve-se, portanto, encontrar uma fórmula para que o crédito possa ser eficientemente disponibilizado com a necessária segurança, fazendo com que o detentor do capital seja seduzido a colocá-lo em circulação também com a certeza de contar com formas eficazes de recuperação em caso de inadimplência do tomador.

A segurança que favorece o credor da mesma forma beneficia o devedor de boa-fé, que, nesta circunstância, conta com mais oferta de crédito, numa espiral de virtuosidade econômica.

Não se pode, contudo, afirmar categoricamente que a segurança na recuperação do crédito seja fator determinante do custo de obtenção de recursos (dinheiro), uma vez que depende de uma complexidade de fatores econômicos, políticos e sociais, que não conseguiremos analisá-los integralmente nos limites deste trabalho.

Todavia, é inegável que a capacidade de recuperação de crédito compõe a chamada "taxa de risco", que é levada em consideração para a formação do preço da disponibilização do capital, os malfadados juros.

Para a teoria econômica, maiores chances na recuperação do crédito implicam menor risco, o que tende a fomentar a circulação do crédito a custos mais baixos. Quanto maior a disponibilização de capital, como mencionado, menores serão os juros, nessa espiral econômica virtuosa.

A redução dos juros é uma das componentes essenciais para o desenvolvimento econômico e viabiliza o investimento a um custo menor, num ciclo gerador de riquezas. O menor custo da produção implica baixa do preço do produto final em benefício do consumidor, desde que a atividade econômica como um todo esteja inserida num sistema concorrencial saudável, o que se procura obter através de leis antitruste [06] e órgãos governamentais de defesa da concorrência que, principalmente nos últimos anos, têm cumprido, com muito acerto e competência, sua função.

Portanto, pode-se afirmar que a livre iniciativa é um dos princípios constitucionais basilares para o atendimento dos fins reservados à ordem econômica e social.

Segundo MODESTO CARVALHOSA [07], "os limites impostos ao princípio da livre iniciativa, quer de ordem ‘positiva’, quando o Estado condiciona a atividade às vetorealizações propostas nos planos econômicos globais, setoriais ou regionais, visando o desenvolvimento nacional e à justiça social, ou ‘negativa’, quando o Estado exerce as funções de controle, colocando os limites à livre iniciativa, a fim de que não se desenvolva contrariamente aos interesses sociais também erigidos em princípios de ordem econômica (harmonia e solidariedade entre as categorias ecossociais de produção e a abstenção de abuso de poder econômico) devem ser entendidos restritivamente".

O produto cujo acesso ao mercado é facilitado é, inexoravelmente mais consumido, o que gera aumento de produção, de empregos, requerendo mais investimento e, novamente, mais crédito. A empresa, neste cenário, como atividade econômica, é elemento fundamental e a base sobre a qual se processa todo o ciclo virtuoso.

Dessa forma, nesse mesmo diapasão em que deve ser protegido o ambiente propício à concessão do crédito, deve ser preservada a empresa. Nesse sentido, no nosso pensar, essa talvez seja uma das grandes, complexas e paradoxais tarefas daqueles que se dedicam à aplicação do direito falimentar: encontrar uma fórmula capaz de proteger a possibilidade de concessão de crédito, eliminando agentes econômicos que colocam esta verdadeira instituição em risco, e, na mesma medida, buscar preservar a empresa, sob o ponto de vista de sua dimensão social.

Aproveitando a experiência francesa, a pretensão finalística é preservar a empresa, dissociada da figura do empresário, titular da empresa, que de alguma forma a controla, direta ou indiretamente, através de participação societária.

A empresa é, numa visão moderna e menos obtusa, muito mais social do que privada. Social no sentido de que ao mesmo tempo em que serve aos interesses do empresário, credores e acionistas em geral, serve também aos interesses da sociedade.

A empresa serve ao empresário e acionistas em geral como fonte de obtenção de lucros decorrentes do capital investido para sua constituição e desenvolvimento; aos credores, como garantia de venda de seus produtos, e por conseqüência, também a obtenção de lucros; à sociedade serve uma vez que gera empregos, recolhe tributos e produz ou circula bens ou serviços, exercendo desta forma, função social indispensável, que proporciona em sentido lato, a tutela da dignidade da pessoa humana.


2. A dignidade da pessoa humana como núcleo da preservação da empresa e a aparente antinomia em relação à eficiência econômica

Inicialmente, devemos observar a significação de dignidade da pessoa humana. O vocábulo dignidade possui múltiplos significados, daí poder-se afirmar que é dotado de amplitude conceitual que extravasa o campo do direito positivo, assumindo conotações de ordem subjetiva, moral, religiosa e social, dentre outras, como, aliás, todos os direitos fundamentais comportam.

Etimologicamente, dignidade, do latim dignitas, [08] significa valor, distinção, princípio ao qual está baseado o proceder que enseja respeito, e corresponde à tradução feita pelos escolásticos da palavra grega aksióma – axioma -, que segundo ARISTÓTELES significa a proposição primeira a qual parte qualquer demonstração.

Para NORBERTO BOBBIO [09] tanto a liberdade quanto a igualdade interagem sob o ponto de vista político e histórico e ambos "se enraízam na consideração do homem como pessoa. Ambos pertencem à determinação do conceito de pessoa humana, como ser que se distingue ou pretende se distinguir de todos os outros seres vivos. Liberdade, indica um estado; igualdade, uma relação. O homem como pessoa – ou para ser considerado como pessoa – deve ser, enquanto indivíduo em sua singularidade, livre; enquanto ser social, deve estar com os demais indivíduos numa relação de igualdade."

IMMANUEL KANT [10], em clássica obra, talvez traga o melhor conceito lógico-filosófico da dignidade da humana. Ele procura demonstrar que o ser humano possui um valor em si mesmo, uma dignidade, e constrói o famoso imperativo prático: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio". Para que o ser humano identifique a limitação que esse imperativo prático impõe às suas ações, KANT propõe a seguinte reflexão: "Age sempre segundo aquela máxima cuja universalidade como lei possa querer ao mesmo tempo". E, essa seria a fórmula para extrair ou identificar uma vontade boa. Atualmente, esse imperativo prático kantiano é muito citado como significado da expressão "dignidade da pessoa humana".

Cumpre ainda mencionar que KANT emprega o termo para significar que a razão humana é livre em matéria de moral e que as leis que ela impõe à vontade são universais e absolutas. É neste ponto que se insere a tão conhecida distinção estabelecida pelo referido filósofo entre o uso público e o uso privado do entendimento - que irá servir de eixo para toda a sua argumentação. A moral kantiana se rege por três princípios: a universalidade da lei, a dignidade absoluta do indivíduo humano e a autonomia da vontade.

Dignidade, pois, apresenta-se como um conjunto de atributos inerentes à pessoa humana e dela indissociáveis, de conteúdo inegavelmente axiológico, pois retrata valores próprios do homem, mas que refletem no coletivo. Tais valores não são passíveis de substituição nem de alteração, nem se sujeitam a qualquer ordem de hierarquia ou classificação, pois não estão no campo da relatividade. São absolutos e embora formem um conjunto, são autônomos em sua individualidade.

Esses preceitos morais e religiosos transferiram-se com facilidade aos cânones jurídicos, ampliando a noção do que seja a dignidade da pessoa humana, no contexto em que tudo se volta para o homem, existe pelo homem e tem no homem sua finalidade essencial.

Pode-se, portanto, dizer que a dignidade é um estado, uma condição de todo ser humano, que deve ser tutelada pelo ordenamento positivo e assegurada pela ação efetiva do Estado. Nesse sentido é que entendemos o princípio da preservação da empresa no contexto da Lei 11.101/05, ou seja, como forma imperiosa de tutela da dignidade da pessoa humana [11]. O aspecto social é, pois, fundamental para a compreensão da dimensão do ser humano.

Por outro lado, uma questão que já foi trazida à baila no âmbito deste trabalho, diz respeito a busca da eficiência econômica, como forma de sustentabilidade da recuperação da empresa. Haveria um aparente paradoxo, entre a preservação da empresa, sob o ponto de vista da dignidade da pessoa humana e a busca pela eficiência econômica, o que desde já refutamos.

Nesse aspecto, entendemos que a eficiência econômica é mitigada com o princípio da preservação da empresa, uma vez que não se excluem, se complementam. Exatamente, porque não exortamos o discurso maniqueísta das virtudes da preservação da empresa sob o ponto de vista humano, em detrimento da implacável perseguição da eficiência econômica que poderia destruir a base da empregabilidade [12]. Não. Definitivamente, esta não é nossa intenção, como já pudemos salientar e ainda sustentaremos no capítulo seguinte, a empresa deve buscar, em uma análise criteriosa, sob o auspício do judiciário e de todos os atores envolvidos nesse processo reorganizatório, um equilíbrio entre a efetiva busca da eficiência econômica, com a redução de salários, transferência de ativos e do controle da empresa, fusões, cisões, etc.., e a manutenção da fonte produtiva, como forma de humanização das relações empresarias.

Esse ponto de equilíbrio é, talvez, a grande dificuldade na análise dos casos em concreto, contudo, se mostra essencial, diante da dimensão social que a preservação da empresa encerra.

Para os economistas defensores da ortodoxia, em uma economia capitalista e de mercado, é absolutamente natural esperar o encerramento da atividade econômica de empresas insolventes que se mostram incapazes de gerar e manter ativos necessários para a satisfação de seus compromissos com fornecedores, empregados, instituições financeiras, previdência e o fisco.

Da mesma forma, é também comum observar empresas em crise econômico-financeira demandando uma reestruturação de dívidas e/ou o suporte financeiro de seus credores e da comunidade para manter suas atividades em funcionamento.

Essas operações de reestruturação e salvamento de empresas devem ser colocadas e avaliadas de forma imediata, pois é sempre melhor dar solução a essas eventuais dificuldades em fase de gestação, quando ainda há solução, do que deixá-lo evoluir a caminho da irreversibilidade.

Contudo, nem sempre essa atitude é possível no campo prático das relações interempresariais, aliás, uma característica interessante, sob o ponto de vista psicológico, quando a empresa se vê diante da crise, é a refratária oposição dos dirigentes estatutários, à implementação de medidas alternativas radicalizando a condução dos negócios.

Em muitos casos, considerando-se o universo empresarial brasileiro [13], o empresário tenta de forma desesperada, reconduzir a empresa ao caminho da obtenção de lucro, retardando ainda mais, as medidas saneadoras que poderiam estancar a crise instalada, o que acaba definitivamente por inviabilizar sua atividade econômica, tornando a superação da crise econômico-financeira irreversível.

Retornando à questão da eficiência, sob o ponto de vista econômico, os defensores da chamada "utopia liberal" [14], consideravam-na uma medida para a verificação da capacidade dos agentes de melhor atingir seus objetivos, de produzir o efeito deles esperados, em função dos recursos utilizados.

Em 1989, FRANCIS FUKUYAMA [15] "escandalizou" o mundo ao afirmar que a queda do Muro de Berlim era a prova de que a utopia liberal, na iminência de se realizar, marcava o culminar da evolução histórica e ideológica da humanidade. Com a utopia liberal, a história, no sentido Hegeliano, teria chegado ao fim porque se teria alcançado a perfeição e a verdade humana teria, finalmente, sido reconhecida na realidade.

Segundo os utópicos do liberalismo econômico os atores sociais, no exercício de sua liberdade, possuem a missão de definir o espaço que o mercado deve ocupar na sociedade.

A expansão da importância do mercado, sob o ponto de vista do racionalismo econômico, tem como catalisador um argumento liberal poderoso, que defende que a única solução para resolver as eventuais imperfeições do mercado é exatamente a sua expansão, isto, é, parte do pressuposto de que se o mercado é imperfeito, só o alargamento da sua área de influência na sociedade poderia gerar o seu aperfeiçoamento.

Com o triunfo do racionalismo, surgiu o conceito de "eficiência econômica". Os liberais colocam o acento tônico no racionalismo como denominador comum das relações interpessoais, o que segundo seus defensores, é perfeitamente compatível com a visão individualista da natureza humana, visão essa em que se baseia a utopia liberal.

Contudo, ao deixar as relações humanas entregues ao calculismo frio das transações econômicas e ao defender a expansão do mercado até onde esse mercado puder chegar - sob a ótica da eficiência -, asfixiando a sociedade e condicionando a liberdade das relações interpessoais, cria as novas empresas "funcionais" que se baseiam no intercâmbio volátil dos seus atores e na despersonalização das suas relações pessoais, efêmeras, por definição.

E, aqui está o verdadeiro paradoxo e a incoerência do liberalismo, sob o ponto de vista da eficiência econômica, quando por um lado, pretende defender a felicidade humana reforçando o espaço privado do cidadão, ao mesmo tempo em que, com a defesa do crescimento sem restrições do mercado, ameaça de morte essa mesma área privada da sociedade.

Por outro lado, o conceito ortodoxo, expresso pelo ótimo de Pareto [16], vê como eficiente uma condição onde os agentes maximizam seus resultados econômicos, ou seja, segundo VILFREDO PARETO, é eficiente, para a empresa, maximizar o lucro ou minimizar os custos de produção e, para o consumidor, maximizar a satisfação ou minimizar as despesas.

JAIRO SADDI [17], abordando a questão do ótimo de pareto, faz a seguinte observação: "Daí porque muitos acabam entendendo que o objetivo do movimento de Direito & Economia é sobrepor a justiça pela eficiência. Isso é parcialmente falso. Quando uma mudança leva a uma situação Pareto superior, pelo menos uma pessoa ficou melhor, sem que ninguém tenha ficado pior. O conceito do ótimo de Pareto é exatamente este: melhorar a situação de A, sem piorar a de B. Claro que se trata de um conceito econômico que não leva em consideração quem tem ou não tem razão, se a decisão prolatada é justa, equânime ou mesmo correta. Porém, a constatação de que se obteve ganho de eficiência, do ponto de vista econômico, ainda que a nova situação possa ou não ser mais eqüitativa, depende da posição relativa de quem se beneficiou. Pelo princípio da eficiência, e sem considerações morais, mudanças de regras que levem a uma situação Pareto superior são sempre desejáveis. Entretanto, uma mudança que não seja eqüitativa, no longo prazo acarreta problemas de distribuição de renda, por exemplo. Assim, eficiência e eqüidade não são necessariamente divorciadas."

Contudo, insistimos que esse equilíbrio presente na proposição paretiana, deve ser mitigado com os benefícios sociais da manutenção da atividade econômica sob o ponto de vista da manutenção do emprego, da arrecadação de tributos e da circulação de bens ou serviços.

Em última análise, com o ideal da justiça social cresceu o número de normas imperativas, as quais entendemos enquadrar-se a nova lei falimentar, destinadas a proteger a situação da parte considerada social ou economicamente mais débil e a tutelar certos valores que passam a ser considerados fundamentais. Passaremos agora a abordar a questão da crise econômico-financeira, como componente permanente dos sistemas empresariais.

Sobre o autor
Ecio Perin Junior

Head of the Business Reorganization Team; Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar, Advogados e Consultores Legais; Doutor e Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP; Especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna; Presidente e sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP; Membro Efetivo da Comissão de Fiscalização e Defesa do Exercício da Advocacia da OAB/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN JUNIOR, Ecio. A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (Lei nº 11.101/05).: Uma abordagem zetética. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1682, 8 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10922. Acesso em: 25 nov. 2024.

Mais informações

Estudo resumido, extraído da tese de doutoramento, defendida em julho de 2006 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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