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Crime de abolição violenta do estado democrático de direito e os atos de 8 de janeiro: uma contextualização da intensificação da tentativa de fissura institucional e a nova tratativa do Código Penal.

RESUMO

Um ato sistêmico como ocorrido em 8 de janeiro de 2023 não surge do acaso, muito menos se intensifica sem um apoio de integrantes do alto escalão. Assim ocorreu em Brasília, uma legião de indivíduos sedentos por uma fissura institucional e tomada do poder, por acreditar que essa seria a única saída à satisfazer suas supostas defesa de liberdade diante do resultado das eleições anteriores. Os acontecimentos pré e pós governo Bolsonaro foram decisivos a despertar a suposta necessidade de quebra do Estado Democrático de Direito pelos manifestantes antidemocráticos em Brasília, em janeiro de 2023. Diante disso, surgiu a necessidade de análise dos ataques às instituições democráticas em 8 de janeiro de 2023 e se esses atos se enquadram no crime tipificado pelo Código Penal, em seu art. 359-L. Para isso, será utilizada a pesquisa qualitativa com análise do acervo bibliográfico disponível em meios físicos e digitais. Assim, conclui-se que os atos perpetuados em 8 de janeiro, no Distrito Federal, são enquadrados como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, do Código Penal, conforme inclusive vem sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Palavra-chave: Antidemocrático; Brasília; Estado Democrático de Direito.

ABSTRACT

A systemic act like the one that took place on January 8, 2023 doesn't come about by chance, much less does it intensify without the support of high-ranking members. This is what happened in Brasilia, where a legion of individuals thirsted for an institutional rift and the seizure of power, believing that this would be the only way to satisfy their supposed defense of freedom in the face of the results of the previous elections. The events before and after the Bolsonaro government were decisive in awakening the supposed need for the anti-democratic protesters in Brasilia to break the rule of law in January 2023. In view of this, the need arose to analyze the attacks on democratic institutions on January 8, 2023 and whether these acts fall under the crime typified by the Criminal Code, in its art. 359-L. To this end, qualitative research will be used to analyze the bibliographic collection available on physical and digital media. Thus, it can be concluded that the acts perpetuated on January 8 in the Federal District amount to an attempt to violently abolish the democratic rule of law and the Penal Code, as the Supreme Court has ruled.

Key-words: Anti-democratic; Brasília; Democratic Rule of Law.

INTRODUÇÃO

Os atos antidemocráticos perpetrados em 8 de janeiro de 2023 foram o pior ultraje experimentado pela democracia brasileira desde a promulgação da nova ordem constitucional. Na fala da diretora-geral do Congresso Nacional, Ilana Trombka (SENADO, 2023, online), durante a solenidade de lançamento de exposição sobre o 8 de janeiro, ressaltou que “a invasão de 8 de janeiro foi o maior ataque ‘simbólico e concreto’ à democracia do país”.

O dia 8 de janeiro ficou marcado na história do País em razão dos ataques orquestrados por uma minoria insatisfeita com o resultado do pleito eleitoral realizado meses antes, do qual resultou na vitória do atual presidente Luís Inácio Lula da Silva, derrotando o a época candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro. Antes do ocorrido, uma caravana composta por 100 ônibus se direcionava à sede dos três poderes levando mais de 3 mil pessoas. Após concentração, a massa enfurecida de pessoas começou a marchar em direção ao Congresso Nacional, onde a barreira

mantida pela polícia do Distrito Federal, em número ínfimo às proporções dos atos, cedeu, permitindo a entrada dos extremistas à sede do Poder Legislativo, realizando uma verdadeira cena de guerra, destruindo tudo aquilo que estava à frente.

Os ataques se intensificaram, destruindo grande parte dos bens da sede do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto.

Porém, é notório que esses atos não surgiram ao acaso, sendo fruto de um longo período de desgaste da harmonia dos Poderes da União, em grande parte cultivada pelo, à época, presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e da força política de seu governo, conhecido popularmente como “bancada da bala”.

A punição desses crimes estava disposta na antiga Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967), revogada pela Lei nº 14.197/2021 acrescentando ao Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), em sua parte especial, o Título XII, pertinente aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Em razão disso, surgiu a inquietação a respeito da nova alteração legislativa com o acontecimento supracitado: os atos radicais orquestrados e perpetuados em 8 de janeiro poderão ser considerados como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tipificado no art. 359-L do Código Penal?

Para isso, será fracionado a análise em três tópicos sequenciais, sendo necessário primeiramente analisar como surgiu esse movimento extremista no País, levantando bandeiras inconstitucionais de fissura institucional. Em seguida, será exposto como se deram os atos de 8 de janeiro de 2023, para finalmente fazer um paralelo entre a noção de Estado Democrático de Direito, dos atos extremistas de 8 de janeiro com a nova alteração legislativa no Código Penal, para identificar se houve o enquadramento no crime do art. 359-L, utilizando a Ação Penal 1060, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, como base.

METODOLOGIA

À pesquisa científica é indispensável a coleta e análise de dados. “No entanto, ambos os procedimentos necessitam de fundamentação epistemológica. Em outras

palavras, fazer ciência é seguir um método científico com fundamento”. (ALEXANDRE, 2021, p. 43)

Visando isso, será utilizada uma pesquisa qualitativa lastrada, predominantemente, em análise bibliográfica, a qual, segundo Lakatos “é feita com base em textos, como livros, artigos científicos, ensaios críticos, dicionários, enciclopédias, jornais, revistas, resenhas, resumos.” (2021, p. 49)

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO PERÍODO PRÉ-ATAQUES

Após intensas ofensivas políticas visando o cargo de chefia do Poder Executivo Federal, no dia 8 de setembro de 2018 saiu o resultado do primeiro turno das eleições, em que o então candidato Jair Messias Bolsonaro assumia a liderança com 46,03% dos votos pela coligação “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos (PSL-PRTB)”, enquanto o seu concorrente, Fernando Haddad, possuía 29,28% dos votos, pela coligação “O Povo Feliz de Novo (PT-PCdoB-PROS)”. (CONCLUÍDA..., 2018, online)

No entanto, o resultado não divergiu diante do segundo turno das eleições presidenciais em 28 de setembro de 2018, consagrando a vitória do ex-capitão da reserva por 55,13% dos votos válidos.

Após a sua vitória nas urnas, o capitão da reserva realizou dois discursos, empregando tons distintos a públicos diferentes. “No primeiro deles, transmitido ao vivo no Facebook a seus seguidores, Bolsonaro manteve o tom belicoso contra a esquerda e a imprensa.” (CAMPOS, 2018, online)

Já em seu discurso ao público às emissoras de televisão, Bolsonaro afirmou o seu compromisso com a democracia e com os preceitos constitucionais, exaltando principalmente o direito à liberdade de expressão, esta última sempre presente em seus discursos perante a sua caminhada eleitoral:

Liberdade é um princípio fundamental, liberdade de ir e vir, liberdade de empreender e liberdade política e religiosa, liberdade de informar e ter opinião, liberdade de fazer escolha e ser respeitado, este é o país de todos nós, brasileiros natos ou de coração. Brasil de diversas cores e opiniões. Como defensor da liberdade, vou guiar um governo que proteja os direitos do cidadão que cumpre o seu dever e respeita as leis, elas são para todos,

porque assim será nosso governo: constitucional e democrático. (XAVIER, 2018, online)

No entanto, conforme será exposto, a defesa à democracia passou a ser um de seus principais pontos alvos de críticas da oposição e de diversos estudiosos, já que viam suas atitudes como Chefe do Poder Executivo desvirtuados do que realmente seria em uma democracia, especialmente quando realçado a sua postura perante os demais Poderes da República.

A vitória nas urnas do ex-presidente Jair Bolsonaro não foi um resultado aleatório e agraciado pelo acaso e oportunismo, mas sim, de uma crescente linha de pensamento extremo na política brasileira, principalmente quando levado em consideração os recente casos emblemáticos de corrupção que impregnavam à administração pública, em larga escala envolvendo figuras ligadas ao Partido do Trabalhador (PT) e , à época, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), este passou a ser denominado como Movimento Democrático Brasileiro (MDB) após aprovação de alteração de sua sigla pelo Tribunal Superior Eleitoral em 15 de maio de 2018. (APROVADA..., 2018)

A cada dia que passava durante a governança da então ex-presidente Dilma Rousseff, em meados de 2011, os escândalos de corrupção aumentavam:

Em oito meses de mandato, um mar de lama não para de transbordar dos ministérios do governo Dilma. Já chega a seis o número de pastas envolvidas em escândalos de corrupção: Turismo, Agricultura, Transportes, Cidades, Desenvolvimento Agrário e Minas e Energia. (MAR..., 2011, online)

O descontentamento com o cenário político era tanto que motivaram uma histórica manifestação pelo Brasil inteiro, com maior número de manifestantes registrados em São Paulo, na histórica Avenida Paulista, contabilizando mais de 1,4 milhões, segundo estimativa da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Segundo G1, “grande parte dos manifestantes vestia verde e amarelo e levava cartazes contra a corrupção, o governo federal e o PT. Além de pedirem a saída de Dilma, várias pessoas protestaram contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva [...]” (MANIFESTANTES..., 2016, online)

O ápice se deu com o processo de Impeachment4 da ex-presidenta Dilma Rousseff, após condenação pelo crime de responsabilidade pela prática das então conhecidas como “pedaladas fiscais” e na abertura de crédito sem autorização do Congresso, por meio de decretos (IMPEACHMENT..., 2016, online):

O processo de impeachment de Dilma Rousseff teve início em 2 de dezembro de 2015, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha deu prosseguimento ao pedido dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. Com uma duração de 273 dias, o caso se encerrou em 31 de agosto de 2016, tendo como resultado a cassação do mandato, mas sem a perda dos direitos políticos de Dilma.

Assim, percebe-se que a vitória de Bolsonaro nas urnas se deu em razão do crescente aumento de insatisfação popular dos antigos modelos de política, alavancado pela campanha massiva nas redes sociais, com dezenas de milhares de grupos de Whatsapp, por exemplo, com seus discursos focado no antipetismo e antissistema, além dos constantes ataques utilizando as investigações contra o Partido dos Trabalhadores (MAGENTA, 2018), o que fortaleceu sua candidatura cada vez mais com o apoio popular.

Com a vitória alcançada, o ex-presidente instaurou um verdadeiro conflito entre os Poderes da União, em especial ao Supremo Tribunal Federal. Este não necessitou intervir muitas vezes nos primeiros meses de governança de Bolsonaro, no entanto, ao final do primeiro ano se viu diante de veementes colisões de atos do governo em face da Constituição, sendo provocado a atuar (VIEIRA et al., 2022, p. 593):

Essa mudança de postura coincidiu com a escalada de ameaças e acusações do presidente contra os demais poderes, a instauração de inquéritos para investigar denúncias do então ministro da Justiça contra Bolsonaro e a atitude negacionista e negligente de Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19.

Findando o primeiro mandato do ex-presidente Bolsonaro, seus pronunciamentos ao público – como vinha realizando desde a sua primeira candidatura por meio do uso imoderado das redes sociais – realçavam cada vez mais a instigação de necessidade de ruptura institucional como única forma de satisfação das demandas sociais de seu grupo. Conforme explica José Rodrigo Rodriguez (2023), havia um grupo formado por extremistas apoiadores do então presidente

4 “Impeachment, de modo lato, é o processo pelo qual o poder Legislativo sanciona a conduta de autoridade pública, destituindo-a do cargo e impondo-lhe pena de caráter político [...]” (RICCITELLI, 2006, p. 02)

Bolsonaro, ocupando cargos de alto escalão no governo federal, com a prática de ataques às instituições democráticas, por meio de stress institucional, tendendo a convencer a população que a única escapatória seria a ruptura institucional.

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ATAQUES DE 8 DE JANEIRO DE 2023

Passado o pleito eleitoral com a derrota do, à época, presidente Jair Bolsonaro, para o seu concorrente Luís Inácio Lula da Silva, voltando ao poder após 12 anos, com 50,83% dos votos válidos. (LULA..., 2022)

Após o resultado das eleições, diversos grupos extremistas apoiadores do ex- presidente Bolsonaro começaram a orquestrar diversos atos visando demonstrar o seu inconformismo com o resultado do pleito eleitoral, levantando teorias de suposta frauda eleitoral e insegurança das urnas eletrônicas, como assim fizeram durante toda a corrida eleitoral. A suposta fraude eleitoral nunca foi comprovada, e sequer houve qualquer indício sólido desses argumentos, do qual o Ministério da Defesa, com seu corpo funcional encarregado de analisar as urnas, “entregou relatório sobre o sistema eleitoral sem apontar fraude ao Tribunal Superior Eleitoral” (ENTENDA..., 2022, online), confirmando a vitória do candidato petista.

“Insatisfeitos com a derrota de Bolsonaro nas urnas, bolsonaristas em todo o país passaram a ocupar a frente de quartéis com reivindicações golpistas” (ENTENDA..., 2022, online). Diversas caravanas foram registradas se direcionando ao Distrito Federal, acomodando diversos acampamentos em torno do Setor Militar Urbano, em frente ao Quartel-General do Exército.

Gradualmente o vandalismo ia se instaurando pelo país, em especial em Brasília, como presenciado na noite de 12 de dezembro de 2022, após um grupo extremistas bolsonaristas depredarem e atearem fogo em veículos, ataque à 5ª Delegacia de Polícia e tentativa de invasão à sede da Polícia Federal.

Porém, o ápice ocorreu em 8 de janeiro de 2023. Conforme relatório da inteligência do Governo, por volta de 100 ônibus transportando mais de 3 mil pessoas chegaram à Brasília com a intensão de retomar protestos de rua contra o resultado da eleição, sendo um ato premeditado por apoiadores extremistas desde o dia 3 de

janeiro daquele ano, por meio de envio em massa de mensagens instantâneas em diversos aplicativos de mensagens. (MATIAS; WETERMAN, 2023)

Mesmo ciente da possível manifestação e iminente perda de controle dos atos, o governo de Brasília cogitou enrijecer a segurança, no entanto, o contrário foi presenciado no dia 8 de janeiro, com o avanço dos manifestantes sedentos por golpe pela praça dos três poderes, furando o minúsculo bloqueio da Polícia do Distrito Federal, adentrando e promovendo um verdadeiro cenário de guerra. A sede do Congresso Nacional, a corte do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto foram depredados, com numerosos danos aos cofres públicos.

Até o final daquele dia, por volta de 300 pessoas já haviam sido presas (ENTENDA..., 2022). Ao total foram detidas mais de 2 mil pessoas, sendo que a maior parte recebeu liberdade provisória e acordos ao decorrer do ano de 2023, pelo Supremo Tribunal Federal. (DOS..., 2024)

Conforme fala da diretora-geral do Senado Federal, Ilana Trombka (SENADO, 2023, online), “a invasão de 8 de janeiro foi o maior ataque "simbólico e concreto" à democracia do país”

ABOLIÇÃO VIOLENTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E OS ATAQUES DE 8 DE JANEIRO

A origem do Estado possui vários apontamentos históricos dos quais são atribuídos a sua formação. Segundo entendimento atual, o Estado é uma formação histórica de organização jurídica, onde há uma limitação territorial, com presença de população definida, dotado de soberania sobre esse, sendo (MOARES, 2023, p. 2) “em termos gerais e no sentido moderno configura-se em um poder supremo no plano interno e um poder independente no plano internacional”.

Para Novelino (2024, p. 298) “o Estado de Direito assumiu formas variadas e passou por profundas transformações ao longo de sua história”. Passando da primeira institucionalização coerente pelo Estado Liberal, com a Revolução Francesa, como ganho da burguesia ascendente à época. Partindo, então, para o Estado Social, com

a crise do liberalismo após o fim da Primeira Guerra Mundial, passando o Estado a intervir nas relações visando suprir os anseios sociais.

Já o Estado Democrático de Direito, segundo do Ministro Alexandre de Moares, em sua obra sobre Direito Constitucional, é entendido nos seguintes dizeres:

O Estado Democrático de Direito, caracterizador do Estado Constitucional, significa que o Estado se rege por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e às garantias fundamentais que é proclamado, por exemplo, no caput do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, que adotou, igualmente, em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático ao afirmar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, para mais adiante, em seu art. 14, proclamar que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular”. (MOARES, 2023, p. 6)

Em 01 de setembro do ano de 2021 foi publicada a Lei nº 14.197/2021 acrescentando ao Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), em sua parte especial, o Título XII, pertinente aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, além de revogar a antiga Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983), além de dispositivos do Decreto Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 – Lei das Contravenções Penais. (BRASIL, 2021)

O Brasil passou mais de três décadas, desde a promulgação da Constituição Federal, sem uma devida tipificação dos crimes que atacam ou põe em ameaça o Estado Democrático de Direito. A Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), conforme ensina Rogério Sanches Cunha (2024, p. 1277) era “uma legislação arquitetada e construída em tempos de exceção, quando a democracia era somente esperança e a preocupação do legislador era a de tutela da ‘segurança nacional”.

O autor ressalta ainda a importância dos crimes até então vigentes na Lei de Segurança Nacional para os tempos atuais, já que antes possuíam pouca aplicabilidade prática, mas que ganhou realce com os discursos extremistas de ruptura institucional:

Embora os crimes tipificados na Lei de Segurança Nacional fossem de pouca incidência prática (no dia a dia), nos últimos anos, sobretudo, começaram a ser ventilados de forma surpreendente, até mesmo de maneira equivocada,

ignorando premissas, servindo de mola propulsora para que vozes minoritárias pregassem abertamente uma ruptura institucional – em outras palavras, um golpe semelhante àquele ocorrido em 1964. Tornou-se comum a disseminação de mensagens, pelas redes sociais e outros meios de comunicação digital, incitando ao ódio entre facções políticas, elogiando regimes ditatoriais, difamando o regime democrático e suas instituições, inclusive a própria credibilidade do sistema eleitoral, e, assim, criando uma falsa ideia de que a destruição da ordem constitucional e democrática pode ser uma solução (mas para qual problema?). (CUNHA, 2024, p. 1277-1278)

Dentre os novos capítulos do Título XII, inseridos pela Lei nº 14.197/2021 ao Código Penal, destaca-se o Capítulo II, denominado “Dos Crimes contra as Instituições Democráticas”, do qual dedicamos atenção especial ao art. 359-L, o qual trata do crime de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito, segundo o qual (BRASIL, 1940, online) “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:”, com pena de reclusão de 4 a oito anos, além de pena correspondente à violência.

Depreende-se aqui que o objeto de proteção é o próprio Estado Democrático de Direito, da qual a conduta típica é extraída pela expressão “tentar abolir”. Alerta-se que a conduta (CUNHA, 2024, p. 1322) “trata-se de uma forma de golpe, que não se restringe à mera mudança ilegal de governo, mas do próprio sistema democrático, por meio de ação sobre os poderes constitucionais”.

Esse crime pode ser praticado por qualquer pessoa, mesmo que de forma isolada, por mais que seja pouco provável a ação individual conseguir de fato uma ruptura no Estado Democrático de Direito. Havendo a presença de mais de uma pessoa, caracterizando um grupo, torna-se crime inafiançável, conforme dispõe o art. 5º, XLIV, da Constituição Federal: “Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. (BRASIL, 1988, online)

Diante disso, e aplicando ao ocorrido em 8 de janeiro de 2023, é possível vislumbrar com cristalinidade que as condutas praticadas configuram o tipificado no art. 359-L, do Código Penal. Visando afunilar a análise, já que cada integrante participante dos atos de 8 de janeiro poderão ter uma inclusão em tipificações mais bandas do que outros, por meios do corpo probatório e investigações que ainda estão em curso, será utilizado como referência a Ação Penal nº 1060 de competência

originária do Supremo Tribunal Federal, da qual houve a condenação do primeiro réu (Aécio Lúcio Costa Pereira) indiciado.

O plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela condenação do réu à pena de 17 anos, sendo que 5 anos e 6 meses de reclusão correspondem à prática do crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, nos termos do relator Ministro Alexandre de Moraes:

O Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares e julgou procedente a ação penal para condenar o réu AECIO LUCIO COSTA PEREIRA à pena de 17 (dezessete) anos, sendo 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada dia- multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, pois incurso nos artigos: 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do Código Penal, à pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão [..] (BRASIL, 2023, online)

Vale ressaltar que a mera tentativa é suficiente para consumação, já que (ANDREUCCI, 2024, p. 296) “o crime é formal, não havendo necessidade da ocorrência do resultado naturalístico”. Do contrário, não haveria em se falar em punição, já que “o novo regime jamais puniria seus criminosos”. (CUNHA, 2024, p. 1323)

Fala semelhante foi dita pelo Ministro Alexandre de Moares durante o julgamento do Ação Penal em questão:

Várias pessoas defendendo que o crime não ocorreu porque não conseguiram dar o golpe de Estado. Ora, não existe crime de golpe de Estado porque se tivessem dado um golpe de Estado, na verdade, quem não estaria aqui seríamos nós para julgar o crime. Quem dá golpe de estado não é julgado porque ganhou na violência o que democraticamente perdeu. Por isso que as elementares do tipo são bem claras: tentar depor. (MATIAS, 2023, online)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme apresentado, depreende-se que essa geração de apoiadores de ideais radicais e antidemocráticas não surgiram ao acaso, reforçando ainda mais a ideia de que os atos de 8 de janeiro de 2023 possuíam orquestradores, sem os quais toda a obra perpetrada não seria nem ao menos iniciada.

O perídio de governança do ex-presidente Jair Bolsonaro serviu como vitrine à sociedade, que as democracias não necessariamente são expostas ao risco por atos extremos e espetaculosos, mas com o desgaste contínuo da convivência harmônica entre os Poderes estruturantes do Estado. Um líder ocupante de cargo de alto escalão profanando ideias inconstitucionais, e pior, atacando os outros Poderes e seus agentes, em especial à Corte Máxima, revela que o afloramento se deu principalmente pela via política.

Inconformados com o resultado lícito das eleições de 2022, esses extremistas aos poucos iam concretizando o temido. A começar pela ocupação sistêmica dos entornos de quartéis generais dos Exército Brasileiro em vários Estados com gritos de ordem, exaltando anseios de tomada do poder político legalmente constituído por meio de Golpe de Estado. Surtindo infrutíferas as queixas espetaculosas perante os quartéis, grupos orquestradores moldaram e incentivaram uma legião de pessoas à atacarem à sede dos três poderes, depredando e destruindo diversos bens, que inclusive, possuem valor inestimável, em sua grande maioria.

Dessa forma, os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 encaixam-se ao disposto no Código Penal, por meio da alteração legislativa de 2021, no tocante ao crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, em seu art. 359-L, já que não se exige a consumação da fissura institucional para o enquadramento ao crime. Decisão nesse compasso foi aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, ao condenar o primeiro réu indiciado pelos atos de 8 de janeiro, na Ação Penal 1060, tornando-se um marco histórico de repressão e defesa à democracia brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANDREUCCI, Ricardo. Manual de direito penal. São Paulo: SRV Editora LTDA, 2024. E-book. ISBN 9788553620142. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553620142/. Acesso em: 28 mai. 2024.

APROVADA mudança do nome do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Tribunal Superior Eleitroal, Brasília, 15 mai. 2018. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2018/Maio/aprovada-mudanca-do-nome- do-partido-do-movimento-democratico-brasileiro-pmdb. Acesso em: 03 mai. 2024.

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BRASIL. Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021. Brasília-DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2021/lei/l14197.htm. Acesso em: 20 mai. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Penal 1060, 0075782- 21.2023.1.00.0000. O Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares e julgou procedente a ação penal para condenar o réu AECIO LUCIO COSTA PEREIRA à pena de 17 (dezessete) anos, sendo 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada dia-multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, pois incurso nos artigos: 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do Código Penal, à pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão [...]. Procedente. Autor: Ministério Público Federal. Réu: Aecio Lucio Costa Pereira. Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 14 set. 2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6644740. Acesso em: 24 mai. 2024.

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Sobre os autores
Herbeth Barreto de Souza

Advogado e Professor. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e Professor da disciplina de Direito Penal IV da FACSUR︎

Lucielma Sousa Leal

Discente do curso de Direito da Faculdade Supremo Redentor – FACSUR

Informações sobre o texto

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