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A crise mundial da saúde pública e sua relação com a degradação do meio ambiente.

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Agenda 08/06/2024 às 14:20

5. A VIGILÂNCIA E EPIDEMIOLOGIA DAS PRINCIPAIS ARBOVIROSES NO BRASIL

Entende-se vigilância em saúde pública como a observação sistemática e contínua da frequência, distribuição e dos determinantes dos eventos de saúde e suas tendências na população. É um processo contínuo e sistemático, com a aplicação de metodologias, para verificação de tendências, por meio de um processo comparativo entre o observado e o esperado, com a finalidade de detecção ou antecipação de mudanças na frequência, distribuição ou de determinantes do processo saúde e doença na população.

Em consenso internacional a OMS em conjunto com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) estabeleceram o calendário epidemiológico em que são agrupados as morbidades e óbitos em um período de tempo padrão, denominados de semanas epidemiológicas, as quais resultam em número de 52 ou 53 semanas, ao longo dos 365 dias do ano. Com isso é possível comparar o comportamento de doenças diretamente em determinado ano ou período do ano em relação aos anteriores, facilitando, também, a comparação entre países11.

Por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), alimentado pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos de notificação compulsória pelas secretarias de saúde municipais e estaduais brasileiras, são editados os boletins epidemiológicos semanais pelo Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA).

Esses são instrumentos relevantes, destinados a promover a disseminação de informações quantificadas e qualificadas, para auxiliar o planejamento da saúde, definir prioridades de intervenção e seus impactos, além de contribuir com a orientação de ações de saúde pública no país, tais como: monitoramento de eventos e doenças com potencial para desencadear emergências de saúde pública, análises da situação epidemiológica de doenças e agravos de responsabilidade da SVSA, relatos de investigação de surtos e outros temas de interesse da saúde pública do país. Desse modo, o sistema permite, de forma descentralizada, a democratização da informação, permitindo o acesso aos profissionais de saúde e à comunidade.12

A situação epidemiológica de 2022 e o monitoramento sobre dengue e chikungunya foram apresentadas no Boletim da SVSA13, órgão do Ministério da Saúde, referentes às notificações ocorridas entre o período de 2/1/22 a 31/12/2022, que corresponde à Semana Epidemiológica (SE) 1 a 52, por meio do Sinan On-line, sistema que permite o acesso direto às informações aos profissionais de saúde e à comunidade brasileira, de qualquer lugar do Brasil. Em relação à zica, as informações são obtidas por meio do Sinan Net e referem-se ao período de 2/1/2022 a 3/12/2022 – SE 1 a 48. Já a febre amarela, o monitoramento é feito por meio de exames em macacos mortos (epizootia) nas matas em períodos sazonais (forma silvestre) e em humanos (forma urbana).

De acordo com o Boletim Epidemiológico, volume 54, de janeiro de 2023, da SVSA, foram analisadas separadamente o comportamento epidemiológico das arboviroses:

5.1. Dengue

A Dengue é a patologia mais prevalente entre as arboviroses nas Américas, principalmente no Brasil. O período de maior transmissibilidade ocorre, geralmente, nos meses mais chuvosos e de altas temperaturas, geralmente, de novembro a maio. Todas as faixas etárias são igualmente suscetíveis à doença, porém, os idosos e os portadores de doenças crônicas (diabetes, hipertensão arterial etc.) têm maior risco de evoluir para casos mais graves e outras complicações que podem levar ao óbito.

Os fatores determinantes das sucessivas epidemias de dengue no Brasil é devido a introdução de novos sorotipos, bem como pelas alterações climáticas com elevação das médias de temperatura e pluviosidade, deficiências de saneamento básico e oferta de águas, baixo nível socioeconômico e cultural. Conforme explanam Silva e Angerami14, o progressivo agravamento das epidemias de dengue se explicam, também, pelo aumento do número de pessoas infectadas, ao longo dos anos, por um ou mais sorotipos, pela população predominantemente urbana, pela quantidade crescente de resíduos sólidos gerados pelas indústrias, pelo transporte de mercadorias, proliferação de invasões, loteamentos e construções irregulares. Conquanto, um grande desafio à saúde pública brasileira.

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FIGURA 1 – CURVA EPIDÊMICA DOS CASOS PROVÁVEIS DE DENGUE, POR SEMANAS EPIDEMIOLÓGICAS DE INÍCIO DOS SINTOMAS, BRASIL, 2019 A 2022.

Fonte: Sinan Online (banco de dados atualizado em 2/1/2023). Dados sujeitos a alteração referentes a SE 52. Brasil, 2022.

Até a SE 52 ocorreram 1.450.270 casos prováveis de dengue, com a taxa de incidência de 679,9 casos/100 mil habitantes no Brasil. Ao comparamos o ano 2021, em relação à 2022 observa-se um aumento de 162,5% de casos. Já em 2019, observa-se uma redução de 6,2% de casos registrados, provavelmente, em decorrência do isolamento social da pandemia de COVID-19. Em 2022, a Região Centro-Oeste apresentou a maior taxa de incidência de dengue, com 2.086,9 casos/100 mil hab., seguida das Regiões: Sul (1.050,5 casos/100 mil hab.), Sudeste (536,6 casos/10 mil hab.), Nordeste (431,5 casos/100 mil hab.) e Norte (277,2 casos/100 mil hab.).

Nota-se, portanto, que em 2022, a doença avançou em números de casos na Região Centro-Oeste, deslocando-se, inicialmente da Região Norte, onde houve a primeira epidemia em Roraima, nos anos de 1981 e 1982, deslocando-se, em seguida, para o Rio de Janeiro, em 1986, espalhando-se de lá para outros estados brasileiros15. Até a SE 52, Brasília, a capital da República, surpreendeu com 70.622 casos notificados, o que coincide com a urbanização desordenada, loteamentos irregulares, surgimento de favelas, a infraestrutura deficiente, coleta de lixo inadequada, dentre outros fatores, levando em conta as condições sociais e ambientais. A tabela 1 demonstra os municípios que apresentaram os maiores registros de casos prováveis de dengue até a SE 52.

TABELA 1 – MUNICÍPIOS COM MAIORES REGISTROS DE CASOS PROVÁVEIS DE DENGUE, ATÉ A SE 52, BRASIL, 2022.

UF de residência

Município de residência

Casos

Incidência (casos/100 mil hab.)

dengue SE 52

DF

Brasília

70.672

2.283,9

GO

Goiânia

56.503

3.632,2

GO

Aparecida de Goiânia

27.810

4.620,8

SC

Joinville

21.353

3.531,1

SP

Araraquara

21.070

8.759,4

SP

São José do Rio Preto

20.386

4.345,1

CE

Fortaleza

19.094

706,3

GO

Anápolis

17.452

4.401,2

PI

Teresina

17.169

1.970,9

RN

Natal

16.268

1.814,2

Fonte: Ministério da Saúde/ SVSA. Boletim epidemiológico, volume 54, Brasil, 2023.

Até a SE 52 foram confirmados 1.016 óbitos e os estados que apresentaram o maior número foram: São Paulo (282), Goiás (162), Paraná (109), Santa Catarina (88) e Rio Grande do Sul (66).

5.2. Chikungunya

A circulação do vírus Chikungunya, no Brasil, foi identificada pela primeira vez em 2014, sendo originário da Tanzânia, leste da África. Via de regra, essa doença é transmitida pela picada Aedes Aegypti em ambientes urbanos, ou pelo Aedes albopictus, em ambientes rurais ou selvagens. Depois de infectada, a pessoa fica imune pelo resto da vida16. A característica marcante da chikungunya são as dores articulares intensas e a fadiga muscular, na fase febril aguda, que tem a duração pelo período de 5 a 14 dias, podendo causar sequelas capazes de perdurar por mais de um ano, danos cerebrais e deformação nas articulações. Portanto, é uma doença incapacitante, cujas sequelas mantêm o indivíduo afastado do trabalho, gerando importante impacto econômico.

O nome Chikungunya significa “aqueles que se dobram” em swahili, um dos idiomas da Tanzânia. Refere-se à aparência curvada dos pacientes acometidos pela doença, que foram atendidos na primeira epidemia documentada, na Tanzânia, entre 1952 e 195317.

Ocorreram 174.517 casos prováveis de chikungunya no Brasil, até a SE 52 de 2022 (81,8 casos/100 mil hab.). Houve um aumento de 32,4%, em comparação aos casos 2019, e de 78,9% em relação a 2021, para o mesmo período analisado.

FIGURA 2 – CURVA EPIDÊMICA DOS CASOS PROVÁVEIS DE CHIKUNGUNYA POR SEMANAS EPIDEMIOLÓGICAS DE INÍCIO DOS SINTOMAS, BRASIL, 2019 A 2022

Fonte: Sinan Online (banco de dados atualizado em 2/1/2023). Dados sujeitos a alteração, referentes a SE 52. Brasil, 2022.

As regiões brasileiras com maior incidência de casos foram: Nordeste (257,4 casos/100 mil hab.), Centro-Oeste (36,6 casos/100 mil hab.), e Norte (26,4 casos/100 mil hab.). Destaca-se que alguns pacientes podem apresentar formas atípicas graves da doença, podendo evoluir ao óbito.

A tabela 2 demonstra os municípios que apresentaram os maiores registros de casos prováveis da doença, até a SE 52.

TABELA 2- MUNICÍPIOS COM MAIORES REGISTROS DE CASOS PROVÁVEIS DE CHIKUNGUNYA, ATÉ A SE 52, BRASIL, 2022.

UF de residência

Município de residência

Casos

Incidência (casos/100 mil hab.)

chikungunya SE 52

CE

Fortaleza

20.453

756,6

AL

Maceió

5.984

580,1

CE

Brejo Santo

3.663

7.297,5

CE

Crato

3.384

2.527

CE

Juazeiro do Norte

3.063

1.100,8

PI

Teresina

2.979

342

PB

João Pessoa

2.952

357,5

PE

Salgueiro

2.792

4.535,3

TO

Palmas

2.591

826,9

MG

Januária

2.238

3.293,2

Fonte: Ministério da Saúde/ SVSA. Boletim epidemiológico, volume 54, Brasil, 2023.

O diagnóstico diferencial entre a dengue e a chikungunya deu-se pela associação da infecção viral com complicações neurológicas como microcefalia congênita e síndrome de Guillain-Barré (SGB) foi demonstrada por estudos realizados durante surtos da doença no Brasil e na Polinésia Francesa.

5.3. Zica

O Zica vírus (ZIKV) foi isolado pela primeira vez em macacos na floresta Zika de Kampala, Uganda no ano 1947. O primeiro isolamento humano do ZIKV foi relatado na Nigéria em 1953. Desde então, o ZIKV expandiu sua abrangência geográfica para vários países da África, Ásia, Oceania e Américas.

Ocorreram 9.204 casos prováveis de zica no Brasil, até a SE 48 de 2022, com a taxa de incidência de 4,3 casos/100 mil hab. Em relação a 2019, os dados demonstram uma redução de 8,7% no país. Porém, quando comparados a 2021, observa-se um aumento de 42% no número de casos. Até a SE 48, foi confirmado um óbito no estado de Goiás. As regiões brasileiras de maior incidência foram : O Nordeste (13,3 casos/100 mil hab.), Norte (3,3 casos/100 mil hab.), e Centro-Oeste (1,7 casos/ 100 mil/hab.).

Figura 3 - CURVA EPIDÊMICA DOS CASOS PROVÁVEIS DE ZICA POR SEMANAS EPIDEMIOLÓGICAS DE INÍCIO DOS SINTOMAS, BRASIL, 2019 A 2022.

Fonte: Sinan Online (banco de dados atualizado em 2/1/2023). Dados sujeitos a alteração, referentes a SE 52. Brasil, 2022.

A tabela 3 demonstra os municípios que apresentaram os maiores registros de casos prováveis da doença, até a SE 48, onde se denota elevado número de casos em municípios norte-rio-grandenses.

TABELA 3 – MUNICÍPIOS COM MAIORES REGISTROS DE CASOS PROVÁVEIS DE ZICA, ATÉ A SE 52, BRASIL, 2022

UF de residência

Município de residência

Casos

Incidência (casos/100 mil hab.)

Zika SE 48

RN

Parnamirim

300

110,1

RN

Macaíba

278

335,6

RN

Natal

278

31,0

RN

Extremoz

272

928,9

BA

Macajuba

234

2.067,5

RN

Baía Formosa

219

2.336,5

AL

União dos Palmares

206

312,3

RN

Arês

195

1.342,4

RN

Santo Antônio

171

700,2

CE

Sobral

169

79,6

Fonte: Ministério da Saúde/ SVSA. Boletim epidemiológico, volume 54, Brasil, 2023.

5.4. Febre amarela

A febre amarela (FA) tem importância epidemiológica por sua gravidade clínica e potencial de disseminação em áreas urbanas infestadas pelo Aedes Aegypti.

Na região extra-amazônica, períodos epidêmicos são registrados ocasionalmente, caracterizando a reemergência do vírus no Brasil, com padrão de ocorrência sazonal, incidindo, a maioria dos casos, entre dezembro a maio, com surtos que ocorrem com periodicidade irregular, i.e., quando o vírus encontra condições favoráveis para a transmissão: elevadas temperaturas e pluviosidade, alta densidade de vetores e hospedeiros primitivos, presença de indivíduos suscetíveis, baixas coberturas vacinais e novas linhagens do vírus, podendo se dispersar para além dos limites da área endêmica. A cobertura vacinal é de fundamental importância em todo território brasileiro como a forma de prevenir a doença.

O monitoramento da febre amarela realizado entre julho 2022 a junho de 2023, até a SE 50, demonstrou a notificação de 686 eventos envolvendo primatas não-humanos (macacos) mortos e/ou doentes suspeitos. Desse total apenas dois casos foram confirmados (0,3%). No mesmo período foram notificados 158 casos humanos e nenhum foi confirmado.

FIGURA 4 – CASOS HUMANOS SUSPEITOS DE FEBRE AMARELA, POR SEMANA EPIDEMIOLÓGICA DE INÍCIO DE SINTOMAS E CLASSIFICAÇÃO, JULHO DE 2022 A JUNHO DE 2023 (SE 50)

Segundo o MS18, é uma doença de notificação compulsória imediata em todo evento suspeito, seja ele silvestre ou urbano.

Sobre a autora
Eloiza Sales Correia

Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília/ UniCEUB (2023). Enfermeira. Graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade de Brasília (1985). Pós-graduada em Auditoria em Serviços de Saúde (FACISA) e Enfermagem do Trabalho (FACISA). Pós-graduanda Latu Sensu em “Direito e Saúde” pelo Centro Universitário de Brasília em Direito e Saúde (UniCEUB/ICPD).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREIA, Eloiza Sales. A crise mundial da saúde pública e sua relação com a degradação do meio ambiente.: As arboviroses, uma vingança da natureza?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7647, 8 jun. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109708. Acesso em: 5 nov. 2024.

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