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Poder discricionário do juiz

Agenda 01/09/2000 às 00:00

Denomina-se poder discricionário, o poder de escolher dentro de certos limites, a providência que adotará, tudo mediante a consideração da oportunidade e da conveniência, em face de determinada situação não regulada expressamente pela lei.

"José Cretella Júnior – Ao livre e legal pronunciamento da autoridade administrativa que, consultando a oportunidade e a conveniência da medida, se traduz em ato desvinculado de prévia regra estrita de direito condicionante de seu modo de agir, num dado momento, damos o nome de poder discricionário da administração". (Enciclopédia Saraiva do Direito- vol 59, pág. 95)

Há na doutrina posições contrárias à existência de poder discricionário aos magistrados, distinguindo conceito discricionário com conceito jurídico indeterminado.

Entretanto, a grande maioria dos doutrinadores processualistas acatam a existência de atuação discricionária do juiz e entre eles Moniz de Aragão, in "Medidas Cautelares Inominadas", Revista Brasileira de Direito Processual, 57/33 dispõe: costuma-se referir a atuação discricionária do juiz no desempenho do chamado poder cautelar geral, em cujo exercício lhe é permitido autorizar a prática, ou impor a abstenção, de determinados atos, não previstos em lei ou nesta indicados apenas exemplificativamente".

A realidade é que o Juiz tem no exercício de sua atividade de dizer qual é o direito, quem tem o direito e satisfazer esse direito, devendo ter os instrumentos necessários para garantir a certeza dessa atividade, enquanto não puder efetivá-la.

Um dos grande males do processo é o tempo, que da mesma forma que é indispensável ao juíz para que conheça os fatos é indispensável para a garantia dos princípios processuais da ampla defesa e da igualdade das partes mas é responsável pela demora na entrega da tutela jurisdicional, quando então concorre para que ocorra injustiça.

Por isso, a ciência processual tem significativa preocupação com o tempo na solução dos litígios, determinando a retroatividade da eficácia da tutela, devendo a sentença ser aplicada levando-se em conta o momento de proposição da ação e até antes, quando da ocorrência dos fatos causadores do litígio.

          "Chiovenda disse com clareza e precisão " o processo deve dar na medida do que for praticamente possível a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter" ( il processo deve dare por quanto posibile praticamente a chi há un diritto tutto quello ch’ egli há diritto di consiguire.)

Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5º inciso XXXV, que não será excluído da apreciação do Poder Judiciário, não só a lesão de direito mas também a ameaça de lesão ao direito.

Visando não só garantir a solução do litígio reparando ou evitando que o dano ocorra, mas também a preservação do prestígio devido e necessário ao Poder Jurisdicional de forma que a busca do amparo judicial não torne causa de prejuízo ao cidadão, o direito processual dispõe de tutelas preventivas principais e tutelas preventivas cautelares.

São tutelas preventivas principais aquelas em que o autor demonstra exaustivamente seu direito e obterá sentença definitiva que impedirá o dano ameaçado - interdito proibitório - ação declaratória - mandado de segurança preventivo.

São tutelas preventivas cautelares aquelas deferidas para evitar que o processo principal perca a sua natural e indispensável função de solucionar a lide de forma justa.

As medidas cautelares são tratadas pelo C.P.C. atual no livro III, relacionando no seu Capitulo II uma série de procedimentos específicos.

Entretanto, no Capítulo I, estabelece em seus artigos 797,798, 799 e 804 poderes para que o Juiz possa determinar as medidas que entender necessárias e adequadas para garantia de que as partes não sofram lesão aos seus direitos antes do julgamento definitivo da lide

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Com essas disposições, o Código colocou à disposição do Juíz, alem das tutelas cautelares especificas, uma tutela cautelar genérica, denominada tutela cautelar inominada ou atípica.

Esse poder deferido ao Juiz, de poder deferir qualquer medida acautelatória, tendo em vista a situação de cada caso, é um poder essencialmente discricionário, considerando a oportunidade e a conveniência de sua adoção, é denominado pela doutrina como Poder Geral de Cautela do Juiz.

Galeno Lacerda, in Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, VIII Vol , Tomo I, 2ª Edição, considera tal atribuição como a mais importante e delicada atribuição confiada à magistratura, declamando Curet, "uma compreensão viva, um conhecimento profundo do direito e da jurisprudência, ao mesmo tempo que um espírito sagaz e pronto a apreender, de imediato, a solução motivada que se lhe solicite" (De la Juridiction des Référés, I, Paris, 1907, pág. 1)

Para ele, "No exercício desse imenso e indeterminado poder de ordenar as medidas provisórias que julgar adequadas para evitar o dano à parte, provocado ou ameaçado pelo adversário, a discrição do juiz assume proporções quase absolutas. Estamos em presença de autêntica norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do estado de direito, um poder puro, idêntico ao do pretor romano, quando, no exercício do impérium, decretava os interdicta..

          "PROCESSUAL CIVIL- Agravo de Instrumento – Tutela Antecipada – Poder geral do juiz. I – A concessão da tutela antecipada é prerrogativa do poder geral do juiz e só deve ser cassada em caso de ilegalidade ou abuso de poder; II Recurso provido" (Ac. un da 1ª T do TRF da 2ª R – Ag 025454 – DJU2 02.03.99, p. 63 – ementa oficial) IOB 3/15443.

O Conteúdo da Tutela Cautelar vem explicitada no artigo 799, o qual aparentemente se exauri na ordem de guarda judicial de pessoas e depósitos de bens e impor a prestação de caução.

Entretanto, como grande defensor do amplo poder geral de cautela, Galeno Lacerda demonstra com incontestável lógica, que a exemplificação do artigo não possui caráter exaustivo, nem restritivo, ao seu objeto.

O dispositivo divide-se em duas partes, sendo uma geral, ampla e indefinida "autorizar ou vedar a prática de determinados atos" a outra, exemplificativa "ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução"


Deferimento da cautela ex offício:

O Poder Geral de Cautela do Juiz está presente no Processo de Conhecimento e de Execução, com previsão também nos artigo 266 e 793:

"266....poderá o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes, a fim de evitar dano irreparável." "793....

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As disposições destes artigos têm comando geral e irrestrito, sem vincular a decisão do magistrado ao pedido das partes, donde se conclui que poderá determinar a realização de atos comissivos e omissivos de ofício, abrangendo todas as medidas cautelares, previstas no Código ou não.

A prestação da tutela cautelar inominada incidental e deferida de ofício pelo juiz é defendida pelo Processualista Nelson Nery Jr.:

          "- Revista de Processo - RT- nº 53, pág. 193 - A terceira corrente, que nos parece a mais acertada, admite conceda o juiz providência cautelar de of[icio, somente em se tratando de cautelar incidente. A nosso juízo está correto este posicionamento, porquanto deve haver harmonia entre os artigos 2º, 797, 798,799 do CPC, no sentido de ser respeitado o princípio da demanda.. Uma vez já provocada a atividade jurisdicional com o ajuizamento da ação, no curso do processo poderá o juiz, ex offício, determinar medidas cautelares para assegurar a efetiva realização do processo de conhecimento ou de execução".

Tem a mesma posição Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, 3º Vol. Ed. Saraiva, pág. 156, "b- nos próprios autos do processo de conhecimento ou de execução, quando uma situação de emergência exige a atuação imediata do juiz independentemente de processo cautelar e mesmo de iniciativa da parte. Esta segunda forma de manifestação do poder cautelar geral do juiz tem sido menos estudada pelos autores, que desenvolvem mais sua preocupação sobre as medidas inominadas a serem decididas em procedimento cautelar formal.

Essa posição já era defendida por Vicente Greco Filho, quando ainda exercia a Procuradoria de Justiça, nos idos de 1984, em artigo NOTAS SOBRE MEDIDAS CAUTELARES E PROVIMENTO DEFINITIVO, na revista JUSTITIA editada pelo Ministério Público de São Paulo, nº 125, pág. 88.

GALENO LACERDA, analisa a iniciativa do Juiz nas tutelas de segurança, à luz do interesse público ou social, quando todas elas se justificam, fazendo uma interpretação analógica dos artigos 797, 798 e 888, pela disposições neles contidas : " ....... determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes;....

          O artigo 797 cuida do poder legal do juiz de decretar medidas cautelares "sem audiência das partes" isto é no plural, sem audiência do autor e do réu. Em outras palavras consagra-se a cautela de – ofício." ......art. 798.....poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio.........Art. 888......Em todos estes casos, patente como é o interesse público ou de ordem social, prescreve a providência.....poderá ordenar ou autorizar. ( Com. ao Cad. Proc. Civil, Forense).


          Deferimento inaudita altera pars da tutela cautelar

A prestação da tutela cautelar pelo Juiz mesmo antes de ouvir a parte contrária, é requisito da necessidade de pronta e eficaz garantia contra os riscos ao direito ou interesse de um dos litigantes com consequente ocorrência de danos durante o desenvolvimento do processo de conhecimento.

Esse efeito do Poder Geral de Cautela do Juiz encontra-se expresso no artigo 804 do CPC. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu...


A Reforma do CPC: Tutela Antecipada e Poder de Cautela Geral
Expansão do Processo Cautelar

Com a rejeição da jurisprudência e doutrina em admitir a antecipação dos efeitos da tutela definitiva e a necessidade cada vez mais evidente, de um instrumento eficiente na forma e no tempo para que o juiz pudesse garantir ao consumidor da tutela jurisdicional a eficácia plena de sua decisão no processo de conhecimento, acabou sendo deturpada a natureza da tutela cautelar com a dessiminação da prestação liminar da tutelas cautelares satisfativas.

A reforma do CPC veio fortalecer e ampliar o poder discricionário do Juiz, rompendo com a sua limitação às tutelas cautelares, para armá-lo com o instrumento da Antecipação da Tutela, podendo antecipar a eficácia, ainda que provisóriamente, da decisão de mérito, uma tutela preventiva provisória, sempre que entender adequada e necessária.

Para Cândido Rangel Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, 2ª Edição, Edt. Malheiros, "é uma arma poderosa contra os males corrosivos do tempo no processo"

Há doutrinadores como José Joaquim Calmon de Passos, que não vêm no Instituto da antecipação da Tutela, poder discricionário do Juízo, defendendo a posição de que a expressão poderá do artigo 273 não é uma faculdade a ele deferida. "Se a lei põe os pressupostos de seu deferimento, cria em favor da parte o direito de obtê-la" Comentários ao Código de Processo Civil, vol III, 8ª edição, Edt. Forense, pág.22.

Confrontando essa posição, Cândido R. Dinamarco, obr. Cit., pág. 140, expõe: "A discricionariedade do juiz na concessão da tutela antecipada reflete-se ainda no poder, que a lei expressamente lhe dá, de a qualquer tempo (antes da sentença, é claro) revogar ou modificar a medida concedida (art. 273, § 4º)".


Antecipação da Tutela inauldita altera pars

O artigo 273 do CPC não estabelece um limite temporal para concessão da antecipação da tutela, que pode ocorrer desde a propositura da ação até a prolação da sentença definitiva.

Não contem os dispositivos do instituto da Antecipação da Tutela nenhum impedimento ao seu deferimento antes da citação do réu.

Posições contrárias a essa possibilidade argumentam que tal medida, tratando-se antecipação dos efeitos da tutela, portanto satisfativa, afronta o principio do contraditório. Entretanto, ela representa uma limitação ao princípio, o qual fica deferido para um momento posterior do procedimento, uma vez que não se trata de juízo final.

Algumas decisões já começam a surgir nesse sentido:

"Quando a lei criou o instituto da antecipação da tutela jurisdicional, à similitude das cautelares, não impediu que ela fosse outorgada antes da formação da triangularidade processual, bastando haver adminículos probatórios, de pronto, anexados ao exórdio. Provas boas, firmes e formadoras de certa convicção bastam para o deferimento da antecipação da tutela, mesmo porque não se trata de juízo finalístico no processo." 7ª Câm. Civ. do TAMG- RT 749/418

"A antecipação da tutela sem audiência da parte contrária é providência excepcional, autorizada apenas quando a convocação do réu contribuir para a consumação do dano que se busca evitar (273 do CPC)" 3ªCâm. de D. Privado do TJSP – RT 764/221

Antonio Claudio da Costa Machado, defende a Antecipação da Tutela liminarmente, com aplicação analógica do § 3ºdo art. 461 do CPC e do art. 804 como autorizadores da realização de audiência de justificação prévia para deferimento liminarmente da antecipação:

"frente à disciplina global da tutela antecipatória que é integrada por certo sistema pelo § 3º do artigo 401, está autorizada pelo sistema a invocação analógica deste último dispositivo para permitir ao juiz realizar audiência de justificação prévia no âmbito da outorga da providência genérica do art. 273.(Tutéla Antecipada, 3º ed. Ed. Juarez de Oliveira, pág. 557)


Limites ao Poder Discricionário

Rodolfo de Camargo Mancuso, em artigo publicado na RT nº 643, A Tutela Judicial na Segurança, pág. 39/40 cita Galeno Lacerda: "Discricionariedade - "Discrição" não significa arbitrariedade, mas liberdade de escolha e de determinação dentro dos limites da Lei"

São limites do poder geral de cautela:

- não pode antecipar decisão sobre a lide principal;

- não é dado a juiz conceder um bem superior ou de outra natureza;

- é inaceitável a concessão de uma medida cautelar que se revele impraticável na execução da ação principal;

- não é incondicional, prende-se às mesmas condições da tutela cautelar típica;

- o Direito Material há que preexistir - o fumus boni iuris -;

- não se pode decretar segurança atípica, quando contar com a segurança típica;

- não se admite tutela cautelar para suspender eficácia de decisão judicial.


Conclusão

Tem o Juiz no desempenho do Poder Cautelar Geral à sua disposição : tutela preventiva definitiva, tutela preventiva provisória e tutela preventiva cautelar.

A Jurisprudência já está se tornando pacífica na admissão de que o Juiz, também no Instituto da Tutela Antecipada, tal qual nas Ações Cautelares Inominadas, possui o poder geral de cautela.

Os Magistrados se não têm o Poder Discricionário, tal qual do Direito Administrativo, têm um amplo poder para garantir a efetividade da tutela jurisdicional, sendo necessário que utilizem esse poder nos exatos termos expressos por Candido Rangel Dinamarco: uma arma poderosa contra os males corrosivos do tempo no processo"

O exemplo das Cautelares Satisfativas não pode ser desprezado e a prática do deferimento da Tutela Antecipada inaudita altera pars e a adoção de medidas cautelares inominadas incidental ex offício, devem tornar-se prática comum, evidentemente com a prudência e responsabilidade que exige.

Sobre o autor
Antonio Luiz Bueno de Macedo

advogado em Moji Mirim (SP), professor da Faculdade de Direito de São João da Boa Vista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Antonio Luiz Bueno. Poder discricionário do juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110. Acesso em: 25 dez. 2024.

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