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A demora na decisão do contencioso administrativo-fiscal

Agenda 02/03/2008 às 00:00

Indaga-se: ocorre a extinção do crédito tributário, quando fica parado o processo, durante mais de 5 (cinco) anos, sem uma solução do contencioso administrativo fiscal?


1. Noções introdutórias

A demora na tramitação dos Processos, administrativos ou não, no âmbito de todo o Poder Público é uma realidade a ser observada. Com isso, quando a Administração Fazendária deixa de atuar em um processo, por mais de cinco anos de sua entrada no órgão incumbido de julgá-lo, há quem queira invocar a extinção do crédito tributário pela demora na solução do contencioso fiscal, argüindo a prescrição intercorrente, em analogia ao que dispõe o art. 267, II, do Código de Processo Civil – CPC. [01]


2. A prescrição intercorrente

Podemos definir prescrição intercorrente como sendo a perda da pretensão de atuar ou agir no processo, em virtude da inércia de seu titular, ao deixar de praticar os atos processuais necessários ao seu andamento, durante certo lapso de tempo.

Assim, o referido instituto se funde no não-exercício do titular durante um determinado prazo, isto é, tem ele como fatores operantes a inércia e o tempo.

O pressuposto temporal vem definido na norma legal, e tem seu início a partir do momento em que o interessado podia agir e não o fez, caracterizando-se a pendência no processo.

Conforme bem coloca Bruno Resende Rabello: [02]

"Não obstante a clareza da norma, doutrina e jurisprudência criaram a figura da prescrição intercorrente, com fundamento na inércia do suposto titular do direito em não praticar os atos processuais que lhe incumbiam, deixando o processo paralisado por lapso de tempo superior ao fixado para o exercício da pretensão.

Evidentemente, a paralisia do processo que daria causa à prescrição seria somente aquela imputável ao autor. O STJ sempre refutou a idéia de prescrição intercorrente nos casos em que a paralisação do processo pudesse ser atribuída à deficiência dos serviços forenses ou ao próprio beneficiário da prescrição, como na hipótese de retenção indevida dos autos."

Em observância ao princípio da oficialidade, [03] o processo administrativo caminha por impulso da própria Administração, até decisão final. Para isso, deve ela tomar todas as providências necessárias para que o mesmo, uma vez iniciado, chegue ao seu término, [04] sem que o interessado precise se preocupar com o seu andamento. É o que disciplina também o art. 262 do CPC. [05]

Nesse mesmo caminho, Hely Lopes Meirelles [06] doutrina:

"O princípio da oficialidade atribui sempre a movimentação do processo administrativo à Administração, ainda que instaurado por provocação do particular: uma vez iniciado passa a pertencer ao Poder Público, a quem compete o seu impulsionamento, até a decisão final. Se a Administração o retarda, ou dele se desinteressa, infringe o princípio da oficialidade, e seus agentes podem ser responsabilizados pela omissão."

Tratando ainda sobre o princípio da oficialidade, o mesmo autor [07] assim se manifesta:

"Outra conseqüência deste princípio é a de que a instância não perime, nem o processo se extingue pelo decurso do tempo, senão quando a lei expressamente o estabelece." (Grifo não é do original).

Nessa esteira, veio a Lei nº 11.051, de 29/12/2004, disciplinando o instituto da prescrição intercorrente, no Direito Tributário, ao incluir o § 4º, no art. 40 da Lei de Execuções Fiscais – LEF, nº 6.830/80, que assim estabelece:

"Art. 40.

§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato." (Grifamos).

No que se refere a esse dispositivo introduzido na LEF, há quem questione a sua constitucionalidade, por não se adequar formalmente ao que determina o art. 146, III, "b", da Constituição Federal de 1988, que exige lei complementar ao se dispor sobre normas gerais em matéria tributária, quanto ao instituto da prescrição. [08]

Argumenta-se ainda que o citado parágrafo 4º teve apenas o fito de procrastinar a contagem do prazo de prescrição intercorrente, definindo como termo inicial a data da decisão que ordenar o arquivamento dos autos, e mesmo assim, como uma faculdade do juiz e depois de ouvida a Fazenda. [09]

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É cediço que no processo judicial, em sede de execução fiscal, ocorre a prescrição intercorrente quando, uma vez iniciado o processo, não sendo encontrado o devedor ou bens penhoráveis, há desídia da Fazenda Pública em movimentar o processo, por prazo superior a cinco anos. Nesses termos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça -STJ [10] está pacificada, ementando que "a inércia da parte credora na promoção dos atos e procedimentos de impulsão processual, por mais de cinco anos, pode edificar causa suficiente para a prescrição intercorrente."

Nesse sentido, então, com fundamento no § 4º do art. 40 da LEF, enunciou-se a Súmula 314 do STJ: [11]

"Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente."

Desse modo, para as execuções fiscais, a partir da introdução da novel norma legal, a Jurisprudência do STJ [12] vem acolhendo o seguinte entendimento:

"1. Se a execução fiscal, ante a inércia do credor, permanece paralisada por mais de cinco anos a partir do despacho que ordena a suspensão do feito, cabível a decretação da prescrição intercorrente.

2. O preceito do art. 40 da LEF não tem o condão de tornar imprescritível a dívida fiscal, já que não resiste ao confronto com o art. 174 do CTN.

3. Tratando-se de execução fiscal, a partir da Lei nº 11.051, de 29.12.04, que acrescentou o § 4º ao art. 40 da Lei nº 6.830/80, pode o juiz decretar de ofício a prescrição, após ouvida a Fazenda Pública exeqüente."


3. O processo administrativo fiscal

A argüição da prescrição intercorrente, buscando a extinção do crédito tributário, pelo decurso do prazo, no processo administrativo fiscal, estaria fundamentada no parágrafo único do art. 173 do CTN, [13] em razão de a Fazenda Pública paralisar o andamento do processo por mais de cinco anos, ou proferir a decisão após esse prazo qüinqüenal, a contar de sua entrada no órgão julgador. [14]

Eurico M. D. de Santi, [15] tratando da matéria, considera não existir a prescrição intercorrente no processo administrativo e nem no processo de execução fiscal, nesses dizeres:

"No direito tributário, onde a matéria da prescrição é colocada de forma expressa e objetiva, afigura-se renitente absurdo aceitar a prescrição como modalidade extintiva do processo executivo, pretendendo implementar ‘a paz entre os litigantes’ ou ‘estabilizar a relação jurídica entre as partes interessadas, afastando o conflito’. Aliás, nessa matéria, a alusão à impossibilidade de aderir à ‘corrente que defende ação imprescritível’ denota mais uma vez a confusão entre ação e processo, conforme apontamos em item anterior, fato que parece fomentar essa vitanda idéia de que a prescrição deve extinguir o processo: a prescrição em direito tributário não tem esse fim e consuma-se no exercício do direito de ação."

O STJ [16] já decidiu, e é pacífica a jurisprudência no sentido de não acolher a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal, quando há o atraso no andamento do processo, pois "a demora na tramitação do processo-administrativo fiscal não implica a ‘perempção’ do direito de constituir definitivamente o credito tributário, instituto não previsto no Código Tributário Nacional." E assim, entre a notificação do lançamento tributário e a solução do processo administrativo fiscal, não há qualquer prazo extintivo, nem decadencial nem prescricional. [17]

Para Sacha Calmon Coêlho [18] "...entre os dois momentos não corre nem o prazo de decadência (que já acabou) nem o da prescrição (que ainda não se iniciou) o que corre são os consectários do crédito, os juros e a correção monetária (...)".

Assim, podemos afirmar, utilizando-se das palavras de J. Franklin Alves Felipe, [19] que "entre os dois prazos, o da notificação inicial e a conclusão do processo administrativo, pode ocorrer um lapso de tempo considerável, em que não há que se falar em decadência e ainda não se pode falar em prescrição."

Isto porque, com a constituição do crédito tributário, pelo lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo, cessa a inércia do Fisco, não se falando mais em decadência e o prazo prescricional, nos termos do art. 174 do CTN, [20] apenas tem seu início com a constituição definitiva do crédito tributário, isto é, com o trânsito em julgado administrativo. [21]

Cabe ressaltar, contudo, que transcorridos mais de cinco anos entre a constituição definitiva do crédito tributário e a propositura da execução fiscal, observada a suspensão prevista no § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80, [22] configura-se ocorrida a prescrição da pretensão à cobrança do tributo, não se tratando nesse caso de prescrição intercorrente. [23]

Nesse sentido, no âmbito do processo administrativo fiscal, a infringência ao princípio da oficialidade, deixando-se fluir período superior a cinco anos para a solução do contencioso administrativo fiscal, não é motivo suficiente para a extinção do referido processo e em conseqüência do crédito tributário.

Desse modo, entre o lançamento tributário contestado até que ocorra a decisão final do contencioso administrativo, independentemente do período transcorrido, não há a extinção do crédito tributário pelo decurso do prazo, por absoluta falta de previsão legal para semelhante pretensão.

Há que se destacar, no entanto, que a demora na tramitação do processo administrativo fiscal poderá trazer diversos transtornos ao sujeito passivo autuado, inclusive danos morais, quando nada for devido, desafiando assim ação contra o Estado se houver negligência ou desídia do servidor público no andamento do processo. Cabe ressaltar, ainda, que, enquanto não houver o trânsito em julgado nos autos, o contribuinte ou responsável autuado não está legalmente impedido de praticar qualquer ato perante a Administração Pública, tendo inclusive direito a certidões enquanto pendente de apreciação a impugnação apresentada, nos termos do art. 206 do CTN, [24] porquanto a exigibilidade do crédito tributário está suspensa, segundo o art. 151, III, do CTN, e nem reincidente será considerado, caso pratique nova infração nesse período, antes de decisão definitiva do processo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CABRAL, Antônio da Silva. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993.

FELIPE, J. Franklin Alves. Direito tributário na prática forense. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999.

GRECO, Marco Aurélio. Perempção no lançamento tributário. Separata. S/d: 502-517.

HABLE, José. A extinção do crédito tributário por decurso de prazo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. Atualizada. São Paulo: Malheiros, 1994.

RABELLO, Bruno Resende. As perspectivas da advocacia pública e a nova ordem econômica, editora OAB/SC, 2005.

SANTI, Eurico M. Diniz. Decadência e prescrição no direito tributário. 2 ed., São Paulo: Max Limonad, 2001.


NOTAS

(1) BRASIL. CPC. "Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) (...) II - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;". Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 fev. 2008.

(2) RABELLO, B. R. Obra citada. p. 994.

(3) "O princípio da oficialidade caracteriza-se pelo dever da Administração em impulsionar o procedimento de forma automática, sem prejuízo da atuação dos interessados." Disponível: http://pt.wikipedia.org/wiki/. Acesso em: 25 fev.2008.

(4) CABRAL, A. S. Obra citada. p. 70.

(5) BRASIL. CPC. "Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial." Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 fev. 2008.

(6) MEIRELES, H. L. Obra citada. p.17.

(7) MEIRELES, H. L. Obra citada. p.17.

(8) Em sentido contrário, mesmo antes da inclusão do mencionado § 4º, já defendia SANTI, Eurico M. Diniz, que "como o Art. 40 da Lei n. 6.830/80 não trata de matéria de prescrição tributária, mas de suspensão do processo de execução fiscal, é tema de direito processual civil e não de normas gerais de direito tributário, que exigem lei complementar." Obra citada. p. 237.

(9) HARADA, Kiyoshi. Traçoeira lei tributária. Lei nº 11.054/2005 e a prescrição tributária intercorrente. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 597, 25 fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6373>. Acesso em: 24 fev. 2008.

(10) BRASIL. STJ. EREsp 237079/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, 1ª Seção, Data do Julgamento 28/08/2002, DJ 30.09.2002, p. 151. Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 23 fev. 2008.

(11) BRASIL. STJ. SÚMULA nº 314, 1ª Seção, data julgamento 12/12/2005, DJ 08.02.2006 p. 258. Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 24 fev. 2008.

(12) BRASIL. STJ. AgRg no Ag 922486/SC. Rel. Min. CASTRO MEIRA; 2ª T. data de julgamento: 13/11/2007; DJ 27.11.2007 p. 297 Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 23 fev. 2008.

(13) BRASIL. CTN. "Art. 173 - O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: (...) Parágrafo único - O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento." Ver sobre a interpretação dada ao parágrafo único do art. 173 do CTN, in HABLE, José. Obra citada. p. 70/71.

(14) GRECO, M. A. Obra citada. p. 508.

(15) SANTI, E.M.D. Obra citada. p. 239-246. No mesmo sentido, CABRAL, A. S. Obra citada. p. 358, cita que "os tribunais se recusam a admitir essa espécie de prescrição, pois a presunção não é de negligência, mas de impossibilidade de o fisco julgar todos os processos no tempo devido."

(16)BRASIL. STJ. REsp nº 53467/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 2ª T, Data do Julgamento 05.09.1996, DJ 30.09.1996 p. 36613. Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 24 fev. 2008.

(17) Nesse sentido, REsp 822705/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T, Data do Julgamento 20/04/2006, DJ 02.05.2006 p. 297: "(...) Antes de haver ocorrido esse fato, não existe ''dies a quo'' do prazo prescricional, pois, na fase entre a notificação do lançamento e a solução do processo administrativo, não ocorrem nem a prescrição nem a decadência (art. 151, III, do CTN). (...)." . Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 23 fev. 2008.

(18) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Decadência e prescrição contra a Fazenda Pública, Revista de Direito Tributário. São Paulo, RT, 1979 (III) 9/10:295-303. p. 21-22.

(19) FELIPE, J. F. A. Obra citada. p. 60.

(20) BRASIL. CTN. "Art. 174. A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva." (Negritamos) Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 fev. 2008.

(21) HABLE, J. Obra citada. p. 35.

(22) BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. "Art. 2º (...). § 3º - A inscrição (...) suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo." Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 fev. 2008.

(23) O acolhimento da prescrição intercorrente pelo Poder Judiciário está limitado à fase do processo de execução fiscal, e não no processo administrativo, conforme o REsp nº 74040/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª T, Data do Julgamento 13/12/1995, DJ 11.03.1996 p. 6579, entre outros

(24) BRASIL. CTN. "Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.". Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 16 fev. 2008.

Sobre o autor
José Hable

Auditor Fiscal da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. Conselheiro e Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF). Mestre em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Tributário, com o título de especialista docente em Direito Tributário, pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF e Instituto de Cooperação e Assistência Técnica – ICAT (2000). Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB (1999). Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Católica de Administração e Economia - FAE (1990). Graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná UFPR (1990). Professor de Direito Tributário. Autor de livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HABLE, José. A demora na decisão do contencioso administrativo-fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1705, 2 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11002. Acesso em: 23 dez. 2024.

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