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A progressão do regime e os crimes hediondos

Agenda 02/02/1997 às 00:00
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI Nº 8.072, DE 25/07/90

Já não há quem não saiba sobre algumas das razões que levaram o legislador pátrio à edição da lei ora em comento: ou seja, dar uma resposta jurídico-política (o que na verdade, não se constituiu numa resposta eficaz) à onda de seqüestros promovidos por grupos armados e tendo — preferencialmente — como vítimas, personalidades do mundo empresarial e sócio-econômico nacional (Sr. Roberto Medina, Sr. Abílio Diniz, dentre outros).

Setores influentes da sociedade (empresarial, político, etc.), clamavam junto ao governo e perante alguns escalões da segurança nacional, a tomada de alguma posição legal, de caráter enérgico e que pusesse—- o quanto antes —, um paradeiro à seqüência de seqüestro de pessoas que ocupavam uma posição de destaque na sociedade, bem como, igualmente, por outro lado, pudesse inibir ou atenuar a crescente criminalidade nos grandes centro populacionais que, a essa altura, em face de suas proporções inusitadas, expunham a constante perigo a vida das pessoas de bem.

É nesse cenário de aparente intranqüilidade social, que o legislador editou a Lei dos Crimes Hediondos, classificando através de seu art. 1º, determinados delitos como o de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V) , o latrocínio, a extorsão mediante seqüestro e sua forma qualificada, o estupro em combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, o atentado violento ao pudor, igualmente com a aplicação do art. 223, caput e parágrafo único, a epidemia com o resultado morte, além do genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889 de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.

Por outro lado, também através de seu art. 2º, deixou consignado o legislador ordinário que os delitos hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas e o terrorismo, seriam insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória e deveriam os agentes infratores de tais delitos (os previstos no art. 2º por último mencionado) cumprirem a pena que lhes fossem aplicada — integralmente — em regime fechado.

Com tal procedimento, entendo, pensou o legislador pátrio — erroneamente — estar contribuindo para a diminuição da crescente criminalidade ou, pelo menos, quem sabe, pensou estar criando um clima de medo junto à marginalidade criminosa o que, na verdade, nenhuma uma e nem outra coisa aconteceu.

É entendimento já consolidado nos meios jurídicos, que a criminalidade crescente em nosso país não será resolvida e combatida com eficácia, tão-somente, criando-se diplomas legais mais rígidos com a supressão de direitos e benefícios legais previstos para os que delinqüirem, mas sim, com a adoção de políticas sociais (saúde, educação, emprego, etc.) de caráter permanente e abrangente.

O que se viu, por conseguinte, foi o reverso justamente, ou seja, os índices de criminalidade dos grandes centros populacionais não só não diminuíram como, realmente, aumentaram, pondo em destaque o fracasso da política de rigorismo legal para o combate à criminalidade.



A LEI DE EXECUÇÃO PENAL: LEI Nº 7.210, DE 11/07/84

Através deste diploma legal, o legislador ordinário estabeleceu uma política penitenciária para o cumprimento das penas impostas aos condenados, tendo por base — fundamentalmente — o sistema progressivo na execução da sanção imposta.

Isto implica em dizer que, o condenado que tenha cumprido com bom comportamento um sexto (1/6) da pena no regime anterior (ou seja, o regime fechado), poderá progredir para o seguinte — semi-aberto — até alcançar a liberdade de forma restrita (regime albergue ou prisão albergue) antes de conseguí-la através do instituto do livramento condicional ou, até, eventualmente, mediante indulto presidencial.

O sistema progressivo, face nossa tradição histórica no que diz respeito à administração da sanção penal e, não obstante a falência do sistema penitenciário como um todo, ainda representa uma forma menos gravosa tendo em vista o objetivo final que é a recuperação do indivíduo para a sociedade ou seja, em outras palavras: a tão sonhada ressocialização do apenado para a sua reinserção no todo social.

É verdade que, nos tempos atuais, falar-se em ressocialização do condenado ante as péssimas condições carcerárias de nossos presídios de um modo geral e o descaso absoluto das autoridades governamentais, chega a ser até risível e alvo de chacotas. O problema carcerário e penitenciário como um todo, não tem tido - pelos governantes em qualquer dos níveis políticos de atuação - o respeito e atenção que se fazia mister, daí advindo, por certo, o verdadeiro caos que se instalou nesse campo da administração da pena ou, propriamente, na execução da sanção penal.

Com base nesses pressupostos, então alinhados, é que, agora, tecerei algumas considerações de caráter doutrinário e jurisprudencial, sobre a pretensão do condenado por crime hediondo ou a ele equiparado (caso do delito de tráfico de drogas) em ser beneficiado com a progressão de regime, segundo a Lei de Execução Penal.



A PROGRESSÃO DO REGIME EM CRIMES HEDIONDOS

Tomando como exemplo teórico o crime de tráfico de drogas, previsto no art. 12 da Lei nº 6.368/76, entendo que, não obstante respeitáveis opiniões em contrário, deva ele ter idêntico tratamento na execução da pena (sistema progressivo) como qualquer outro condenado por outro delito.

Ora, à toda evidência, o critério pela natureza do delito — o de tráfico de drogas —, utilizado pelo legislador ordinário, por exemplo, para excluir o direito à progressividade da pena no sistema penitenciário é absolutamente inconstitucional, porque atenta contra o princípio da individualização de pena como também contra o princípio da humanidade da pena, ambos previstos na Carta Política nacional.

É pelo primeiro que o juiz, em aplicando a pena, irá individuar, separar, particularizar a sanção imposta à realidade pessoal de cada infrator e, com isso, quando da execução, terá condições concretas de aferir, examinar, obter dados sobre a maneira sob a qual está sendo absorvida àquela pelo agente condenado e quais serão as suas perspectivas de ressocialização.

Se ao condenado por crime hediondo ou a ele equiparado no caso de tóxicos, nada lhe é oferecido pelo sistema punitivo e carcerário (Estado como detentor do jus puniendi, ilusória — por óbvio — é a preconizada ressocialização do condenado e vingativa se apresenta a sanção imposta com inequívoco retorno ao procedimento medieval já de há muito execrado do cenário jurídico civilizado.

A expiação da culpa centrada na única finalidade repressiva e de caráter retributivo atenta contra os princípios que fundamentam os direitos humanos e, por outro lado, desserve aos fins do Estado Moderno de Direito que, basicamente, tem na proteção judiciária ao indivíduo, seu fator exponencial.

Dissertando sobre a matéria e, em especial sobre a situação do recluso sem acesso à progressão, o preclaro MANOEL PEDRO PIMENTEL, in "Reforma Penal", Saraiva, págs. 55/56, assim se pronunciou, verbis:

"...persistirão os males da prisonização, aos quais se somarão outros, como a etiquetagem e a estigmatização. Afixado o rótulo de criminoso no sentenciado, este se torna estigmatizado e, uma vez que é visto definitivamente como criminoso, o desviante aprende a se ver como tal. Separado do grupo que o rotulou, busca identificar-se com o outro grupo, etiquetado como ele. Produz-se, assim, o que se chama de desvio secundário, uma vez que os etiquetados passam a comportar-se do modo que deles é esperado, tornando-se praticamente impossível sua reabilitação".

No mesmo sentido, é o entendimento de ANTONIO LOPES MONTEIRO, sobre a prescrição constante do § 1º, do art. 2º, in "Crimes Hediondos - Textos, comentários e aspectos polêmicos", Saraiva, pág. 115, verbis:

"Este dispositivo, embora seja lógico e decorra da filosófica deste diploma legal, merece severas críticas, pois não leva em conta toda uma política penitenciária, esquece a psicologia forense e as peculiaridades de cada sentenciado, sobretudo a adaptação a uma nova realidade social através do trabalho e da convivência, proporcionados na progressão dos regimes. Olvida-se o legislador de que o condenado nesta situação nada tem a perder, e o passo seguinte é o fomento das rebeliões, a fuga com reféns e a criação de verdadeiras quadrilhas, planejando e comandando empreitadas criminosos de dentro dos muros das casas de detenção e penitenciárias. Enfim, o que deveria ser uma etapa de regeneração transforma-se numa escola de aprimoramento da delinqüência organizada".

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Desse entendimento não diverge o douto JOÃO JOSÉ LEAL, in "Crimes Hediondos - Aspectos Político-Jurídicos da Lei nº 8.072/90", São Paulo : Atlas, 1996, p. 113, verbis:

"Ignorou o legislador que a execução de longas penas privativas de liberdade em regime unicamente fechado representa um castigo insuportável e que, por isso, desmotiva o preso para quem desaparece qualquer perspectiva, qualquer esperança de retorno à liberdade. Rigorosamente submetido ao cumprimento de uma longa pena neste regime, o preso se transformará num rebelde, num amotinado e num violento destemperado, ou então num despersonalizado e desesperançado, sem vontade própria, sem dignidade e sem razão de viver, ou seja, no protótipo de um autêntico hipo-humano".

No mesmo diapasão, é o entendimento de JÚLIO FABRINI MIRABETE, in "Crimes Hediondos, a Constituição Federal e a Lei", São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 66, verbis:

"Trata-se de regra em perfeita harmonia com os estudos de penalogia que indicam a necessidade dessa progressão para os condenados que apresentem sinais de recuperação e que a transferência para regime semi-aberto e, posteriormente, aberto, facilita ou pelo menos possibilita a reintegração progressiva do condenado ao meio social".

E, ainda, em confortando o entendimento já expendido, merece, por oportuno, a citação do posicionamento do preclaro Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal que, a respeito, disse:

"Tenho como relevante a argüição de conflito do § 1º, do art. 2º, da Lei nº 8.072/90 com a Constituição Federal, considerado quer o princípio isonômico em sua latitude maior, quer o da individualização da pena previsto no nº XLVI do art.5º, da Carta Política, quer, até mesmo, o princípio implícito segundo o qual o legislador ordinário deve atuar tendo como escopo maior o bem comum, sendo indissociável da noção deste último a observância da dignidade da pessoa humana, que é solapada pelo afastamento, por completo, de contexto revelador da esperança, ainda que mínima, de passar-se ao cumprimento da pena em regime menos rigoroso.

"Preceitua o parágrafo em exame que nos crimes hediondos definidos no art. 1º da citada lei, ou seja, nos de latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte, genocídio, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e, ainda, terrorismo, a pena será cumprida integralmente em regime fechado.

"No particular, contrariando-se consagrada sistemática abusiva à execução da pena, assentou-se a impertinência das regras gerais do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, distinguindo-se entre cidadãos não a partir das condições sócio-psicológicas que lhes são próprias, mas do episódio criminoso no qual, por isto ou aquilo, acabaram por se envolver. Em atividade legislativa cuja normalização não exigiu mais do que uma linha, teve-se o condenado a um dos citados crimes como senhor de periculosidade ímpar, a merecer, ele, o afastamento da humanização da pena que o regime de progressão viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que segregara, já então com as cicatrizes inerentes ao abandono de suas características pessoais e à vida continuada em ambiente criado para atender a situação das mais anormais e que, por isso mesmo, não oferece quadro harmônico com a almejada ressocialização.

"Tenho o regime de cumprimento da pena como algo que, no campo da execução, racionaliza-a, evitando a famigerada idéia do ‘mal pelo mal causado’ e que sabidamente é contrário aos objetivos do próprio contrato social. A progressividade do regime está umbilicalmente ligada à própria pena, no que acenando ao condenado com dias melhores, incentiva-o à correção de rumo e, portanto, a empreender um comportamento penitenciário voltado à ordem, ao mérito e a uma futura inserção no meio social. O que se pode esperar de alguém que, antecipadamente, sabe de irrelevância dos próprios atos e reações durante o período no qual ficará longe do meio social e familiar e da vida normal que tem direito um ser humano; que ingressa em uma penitenciária com a tarja de despersonalização?

"Sob este enfoque, digo que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento da pena não é em si a minimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao que inicialmente sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está, isto sim, no interesse da preservação do ambiente social, da sociedade, que, dia-menos-dia receberá de volta aquele que inobservou a norma penal e, com isto, deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. À ela não interessa o retorno de um cidadão, que enclausurou, embrutecido, muito embora o tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de recuperá-lo, objetivando uma vida comum em seu próprio meio, o que o tempo vem demonstrando, a mais não poder, ser uma quase utopia. Por sinal, a Lei nº 8.072/90 ganha, no particular, contornos contraditórios. A um só tempo dispõe sobre o cumprimento da pena no regime fechado, afastando a progressividade, e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vida gregária antes mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime. É que, pelo art. 5º, da Lei nº 8.072/90, foi introduzido no art. 83, do CP, preceito assegurando aos condenados por crimes hediondos pela prática de tortura ou terrorismo e pelo tráfico ilícito de entorpecentes, a possibilidade de alcançarem a liberdade condicional desde que não sejam reincidentes em crimes de tal natureza — inciso V. Pois bem, a Lei em comento impede a evolução no cumprimento da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramento condicional.

"Descabe a passagem do regime fechado para o semi-aberto, continuando o incurso nas sanções legais a cumprir a pena no mesmo regime. No entanto, assiste-lhe o direito de ver examinada a possibilidade de voltar à sociedade, tão logo transcorrido quantitativo superior a dois terços da pena. Conforme salientado na melhor doutrina, a Lei nº 8.072/90 contém preceitos que fazem pressupor não a observância de uma coerente política criminal, mas que foi editada sob o clima da emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade.

"Por ela, os enquadráveis nos tipos aludidos são merecedores de tratamento diferenciado daquele disciplinado no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, ficando sujeitos não à regras relativas aos cidadãos em geral, mas a especiais, despontando a que, fulminando o regime de progressão da pena, amesquinha a garantia constitucional da individualização.

"Diz-se que a pena é individualizada porque o Estado Juiz, ao fixá-la, está compelido, por norma cogente, a observar as circunstâncias judiciais, ou seja, os fatos objetivos e subjetivos que se fizerem presentes à época do procedimento criminalmente condenável. Ela o é não em relação ao crime considerado abstratamente, ou seja, ao tipo definido em lei, mas por força das circunstâncias reinantes à época da prática. Daí cogitar o art. 59, do CP que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, não só as penas aplicáveis dentre as cominadas (inciso I), como também o quantitativo (inciso II), o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade - e, portanto, provisório, já que passível de modificação até mesmo para adotar-se regime mais rigoroso (inciso III) e a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

"Dizer-se que o regime de progressão no cumprimento da pena não está compreendido no grande todo que é a individualização preconizada e garantida constitucionalmente é olvidar o instituto, relegando a plano secundário a justificativa socialmente aceitável que o recomendou ao legislador de 1984.

"Destarte, tenho como inconstitucional o preceito do § 1º,do art. 2º, da Lei nº 8. 072/90, no que dispõe que a pena imposta pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados será cumprida, integralmente, no regime fechado.

"Com isto, concedo parcialmente a ordem, não para ensejar ao paciente qualquer dos regimes mais favoráveis, mas para reconhecer-lhe, porque cidadão e acima de tudo pessoa humana, os benefícios do instituto geral que é o da progressão do regime de cumprimento da pena, providenciando o Estado os exames cabíveis".

Comunga do mesmo entendimento, o preclaro Ministro do Superior Tribunal de Justiça, LUIZ VICENTE CERNICCHIARO que, ao julgar o Recurso Especial nº 41.160-2-SP, deixou consignado:

"Como muito bem registra o acórdão, cujo trecho foi lido no douto voto do Sr. Ministro relator, a individualização da pena compreende três fases: cominação, aplicação e execução. Não pode, portanto, lei ordinária, como é a lei nº 8.072 de 1990, estabelecer, de forma rígida e inflexível, que, para os crimes ali definidos e especificados, haverá de ser cumprido inteiramente em regime fechado.

"Data venia, não obstante o patrimônio jurídico, que é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há equívoco de constitucionalidade. Por isso, tenho insistido em meu ponto de vista. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, atualmente, amenizou a sua conclusão. De início fizera compreender que, no dispositivo da chamada Lei dos Crimes Hediondos, os crimes capitulados nos arts. 12, 13, 14 e 16. Em decisão recente, de mais ou menos trinta dias, restringiu a sua jurisprudência ao art. 12, referindo-se apenas ao tráfico. Vê-se, portanto, é jurisprudência que está, ainda, em fase de cristalização". (RSTJ 681/381).

Já o entendimento jurisprudencial, embora dominante no sentido de negar a progressão, comporta parcela considerável no sentido de acolher o pedido de deferir a progressão como se pode observar pela observação de alguns acórdãos ora colacionados, verbis:

"Crimes hediondos. Tráfico ilícito de entorpecentes. Regime fechado. A Constituição da República consagra o princípio da individualização da pena. Compreende três fases: cominação, aplicação e execução. Individualizar é ajustar a pena cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da infração penal, no momento da aplicação e da execução. Impossível, por isso, legislação ordinária impor (desconsiderando os dados objetivos e subjetivos) regime único e inflexível" (STJ - RE - 19.420-0- Rel. Min. Vicente Cernicchiaro - DJU, 7.6.93, p.11.276).

"Regime de cumprimento de pena. Inteligência do § 1º, do art. 2º, da Lei nº 8.072/90. Inconstitucionalidade frente ao princípio da individualização da pena exigida no art. 5º, XLVI da Carta Magna". (TJDF - AC 11.745 - Rel. Hermenegildo Gonçalves ).

"Regime prisional semi-aberto. Crime hediondo. O regime prisional será o semi-aberto, consideradas a primariedade do acusado e a inconstitucionalidade da Lei nº 8.072/90, quando estabelece o regime fechado integral. O ilustre Procurador de Justiça de São Paulo, Dr. Jacques de Camargo Penteado, em artigo publicado na RT 674/286 ("Pena Hedionda") concluiu que é inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 porque impede a individualização da pena constitucionalmente garantida"(TJSP - AC - Rel. Celso Limongi - RJTJSP 138/444).

Por sua vez, o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por decisão da 2a. Câmara Criminal, em acórdão da lavra do eminente Des. Álvaro Wandelli, proferido no Recurso de Agravo nº 369, da capital, deixou manifesta a sua inclinação pela admissibilidade da progressão em tais casos e, em face de sua clareza, permito-me transcrever os tópicos mais importantes do aludido julgado, verbis:

"Recurso de agravo - Narcotraficância - Crime hediondo - Possibilidade de progressão do regime fechado para o semi-aberto. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 frente ao princípio da individualização da pena - Art. 5º, XLVI, da Carta Magna - Recurso provido. A Constituição da República consagra o princípio da individualização da pena. Compreende três fases: cominação, aplicação e execução. Individualizar é ajustar a pena cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da infração penal, no momento da aplicação e da execução. Impossível, por isso, legislação ordinária impor (desconsiderando os dados objetivos e subjetivos) regime único e inflexível"(STJ - RE nº 19.420-0- Rel. Vicente Cernicchiaro - DJU, de 7.6.93, pág. 11.2.76). (Ementa)

E no corpo do acórdão, lê-se:

"A Lei nº 8.072/90, em seu art. 2º, § 1º, determina o cumprimento integral da pena privativa de liberdade em regime fechado, nos crimes hediondos, na prática de tortura, no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e no terrorismo. Discutível, contudo, a constitucionalidade desse dispositivo, em face do princípio da individualização da pena, previsto entre os Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º, XLVI, da CF).

É inegável que parte dominante da jurisprudência, inclusive do nosso Tribunal, entende ser incabível a progressão do regime fechado para o semi-aberto, em se tratando de crime hediondo, sendo que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade do § 1º, do art. 2º, da Lei nº 8.072/90, com a seguinte ementa:

"À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional"(HC nº 69.603 — Plenário, j. em 18.12.92, DJU, 23.4.93, pág.6.922).

Em sentido contrário, partidário da tese da inconstitucionalidade do referido artigo, doutrina Jacques Camargo Penteado:

"Há muito nos afastamos da pena tarifada. Uma coisa é fixar limites amplos para determinação do regime inicial de cumprimento da pena. Outra, bem diversa, é impedir progressão ao regime menos rigoroso depois de descontado certo período e apurado mérito do reeducando. ‘A individualização repele qualquer tentativa de catalogação dos réus. Isto já seria uma medida de cunho generalizante, contrária à intenção individualizadora do Texto Constitucional’ (Ives e Bastos, ob. cit., pág. 237). Pena individualizada é a fixada pelo Poder Judiciário com determinação da forma inicial e acompanhamento do progresso para, saindo do regime original, aproximar o reeducando da liberdade gradativamente" (Pena hedionda, in RT 674/286). Esse posicionamento encontra ressonância no art. 112, da Lei de Execução Penal, verbis: ‘A pena privativa de será executada em forma progressiva, com a transferência para o regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão’."

"...O cumprimento da pena em regime fechado, sem possibilidade de progressão, sem dúvida, conduz à antiga concepção da sanção como finalidade unicamente repressiva, com um caráter exclusivamente expiatório e retributivo, contrária à moderna concepção de função socializadora da pena, que consiste em oferecer ao delinqüente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico-penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e ativa daquele. O sistema progressivo, além de compatível com o consagrado princípio da individualização da pena, tem caráter reeducativo e possibilita ao condenado, de acordo com o mérito demonstrado durante a execução, promoção a regime menos rigoroso, antes de atingir a liberdade. Por isso, a progressão constitui importante estímulo à ressocialização, o que não ocorre se a pena tiver de ser cumprida em regime integral fechado. Nesse último caso, como diz Jaques Camargo Penteado, "se o virtuoso aguarda recompensa pelo sacrifício, não é lícito esperar regeneração do infrator que não terá apreciado seu mérito eventual". ("Pena Hedionda", ob. cit.). Consoante leciona Alberto Silva Franco, "A individualização da pena, mercê do regime prisional progressivo, insere-se no tronco comum do processo individualizador que se inicia com a atuação do legislador, passa pela ação do juiz e finda-se, ao atingir o nível máximo de concreção, na execução penal. Destarte, excluir, legalmente, o sistema progressivo, é impedir que se faça valer, na sua fase final, o princípio constitucional da individualização. Lei ordinária que estabeleça, portanto, regime prisional único, sem possibilidade de nenhum tipo de progressão, atenta contra tal princípio e revela expressa ofensa ao preceito constitucional. Mas não é só. A exclusão legal do sistema progressivo conflita também com o princípio constitucional da humanidade da pena que, na expressão de Jescheck ("Tratado de Derecho Penal", pág. 23, 3a. ed., 1993), ‘converteu-se no pensamento reitor da execução penal’. Pena executada, com um único e uniforme regime prisional, significa pena desumana porque inviabiliza um tratamento penitenciário racional e progressivo; deixa o recluso sem esperança alguma de obter a liberdade antes do termo final do tempo de sua condenação e, portanto, não exerce nenhuma influência psicológica positiva no sentido de seu reinserimento social; e, por fim, desampara a própria sociedade na medida em que o devolve à vida societária após submetê-lo a um processo de reinserção às avessas, ou seja, a uma dessocialização"("Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial", São Paulo, Ed. RT, 1995, pág.426).

Acentua ainda, o v. acórdão:

"...Cumpre ressalta, finalmente, que, pela legislação vigente, somente o condenado em regime semi-aberto pode freqüentar cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (art.35, § 2º, do CP). Tal possibilidade, vedada aos que cumprem pena em regime fechado, constitui fator primordial na prevenção dos crimes e recuperação dos delinqüentes. Isto porque a formação profissional proporciona melhores oportunidades no mercado de trabalho e, como conseqüência lógica, diminui os efeitos do fenômeno da estigmatização do egresso, contribuindo para sua ressocialização. Certamente, preocupada com esses aspectos, a Lei de Execução penal, em seu art. 17, dispôs que a assistência educacional compreende a instrução escolar e a formação profissional do preso ou internado. Como se conclui pela Exposição de Motivos da referida lei, tal assistência, entre outras previstas, constitui dever do Estado "visando a prevenir o delito e a reincidência e a orientar o retorno ao convívio social". Sem a possibilidade de progredir ao regime semi-aberto, perde o condenado o direito à freqüência a cursos profissionalizantes, importante fator no processo reeducacional. O que se deve ter em mente, e é exatamente este o alcance que se deve empregar à garantia constitucional da individualização da pena, compatível com o atual estágio do Direito Penal, é que a segregação pura e simples do homem do convívio social tem aspecto de mero castigo, quando, hodiernamente, tem-se que o objetivo principal da sanção criminal é a recuperação do delinqüente, e isso só pode ser conseguido através de emprego inteligente de processos de reeducação, e não apenas isolando-o completamente da sociedade, sem esperança nenhuma até o termo final do tempo de sua condenação."



A INTERPRETAÇÃO DA LEI (PENAL E PROCESSUAL PENAL)

Segundo a melhor doutrina, interpretar uma lei é prescrutar-lhe o seu sentido, o seu fim, aquilo que a norma — na sua finalidade — quis ou pretendeu dizer.

JÚLIO FABRINI MIRABETE, in "Processo Penal", 2a. ed., São Paulo : Atlas, 1992, p.70, preleciona, verbis:

"A interpretação é o processo lógico que procura estabelecer a vontade da lei, que não é, necessariamente, a vontade do legislador. A lei deve ser considerada coo entidade objetiva e independente e a intenção do legislador só deve ser aproveita como auxílio ao intérprete para desvendar o verdadeiro sentido da norma jurídica".

(Grifei).

E ainda, do mesmo autor:

"’Na interpretação da lei, deve-se atender aos fins sociais a que ela se dirige a às exigências do bem comum’ (art.5º da LICC). Deve-se, porém, ter em vista na interpretação da lei processual penal que a tutela da liberdade individual está compreendida nos imperativos do bem comum e que o fim da pena é promover a integração social do condenado (art.1º da LEP)".

(Destaquei).

Nesta conformidade e tendo em mira esses princípios, o juiz, quando se deparar com uma norma que lhe pareça inconstitucional ou que atente contra os princípios por ela mesma traçados, deverá como tal considerá-la na primeira hipótese ou, na segunda, deverá deixar de aplicá-la e, desse modo, aplicará a disposição que lhe pareça mais justa ante o caso concreto que lhe é submetido.

O julgador, portanto, é antes de tudo verdadeiro intérprete da vontade do legislador expressa na norma, mas, evidentemente, não ficará adstrito a tal vontade quando essa afrontar a consciência social ou os direitos fundamentais da pessoa humana assegurados no texto magno.

A desobediência a uma norma pré-fixada (considerada injusta ou inconstitucional), não implica, necessariamente, no rompimento ou esfacelamento do ordenamento jurídico porque, na essência, o próprio fim preconizado pela norma agendi é a realização do Direito, esse o fim último da ciência jurídica.

O legislador ordinário, entendo, ao fixar o cumprimento integral da pena em regime fechado, atentou — sem sombra de dúvidas — contra o princípio maior — porque previsto na Constituição Federal — da individualização da pena, além de ferir os princípios que regem a própria aplicação e execução da norma legal devendo por isso, a disposição proibitiva, ser declarada de forma incidental — inconstitucional — com a sua não aplicação ao caso vertente, decorrendo, em conseqüência, o deferimento da progressão almejada caso o recorrente atenda os demais requisitos legais para a obtenção daquela.

Por outro lado, é oportuno ainda registrar a incoerência e açodamento do legislador ordinário na elaboração apressada da disposição restritiva, pois, dispondo logo depois sobre a possibilidade do agente criminoso em tais circunstâncias, obter livramento constitucional desde que cumpridos dois terços (2/3) da pena, não sendo reincidente, permitiu o mais quando proibiu o menos. Nesse sentido, constata-se que, o legislador nacional, apercebendo-se do seu lamentável equívoco na edição da aludida norma draconiana, quis abrandar o seu rigorismo fazendo inserir no texto legal a nova disposição atenuadora e permissiva.

As leis, como um dos instrumentos de controle social, têm caráter abrangente (ou seja, destinam-se à sociedade como um todo) e são legítimas e juridicamente aceitáveis quando não resultantes de clima passional de determinada época e, só serão juridicamente válidas e aceitáveis, enquanto persistir a existência dos mesmos fatos sociais que lhe derem origem.

Com base nessa visão é que entendo que a disposição inserta no § 1º, do art. 2º da Lei nº 8.072/90, por ser disposição absolutamente inconstitucional, não revogou a previsão constante do art. 112 da Lei nº 7.210 de 11/07/84 que trata da progressão do regime da pena imposta.

Sobre o autor
Agamenon Bento do Amaral

advogado, mestre em Direito, procurador de Justiça aposentado, professor de Direito da UFSC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Agamenon Bento. A progressão do regime e os crimes hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 6, 2 fev. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1103. Acesso em: 19 nov. 2024.

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