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O princípio da dignidade da pessoa humana e sua aplicação no processo administrativo disciplinar

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Agenda 09/03/2008 às 00:00

Palavras-chave: Princípio da dignidade da pessoa humana. Exemplos de violações ao conteúdo do princípio ao longo da história como meio de divisar a densidade normativa da regra fundamental. Princípio da dignidade da pessoa humana como fonte de outros princípios e garantias constitucionais. Aplicação do princípio da dignidade da criatura humana no processo administrativo disciplinar.

Sumário: 1. Idéia da dignidade da pessoa humana 2. As violações à dignidade da pessoa humana ao longo da história como meio de aquilatar a densidade normativa do princípio constitucional fundamental 3. O princípio da dignidade da pessoa humana como fonte de outros direitos fundamentais 4. As formas de incidência do princípio da dignidade da pessoa humana no processo administrativo disciplinar 5. Conclusões


1. Idéia da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é princípio cuja essência pode ser aquilatada quando se considera o valor do homem como obra-prima da criação divina, como imagem e semelhança de Deus, na visão bíblica (Gênesis 1:26).

Ainda no Texto Sagrado se lê (Salmo 8: 4-8):

Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? Pois pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: Todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo, As aves dos céus, e os peixes do mar, e tudo o que passa pelas veredas dos mares.

O ordenamento jurídico, pois, encima o valor intrínseco supremo da criatura humana por meio do princípio da dignidade, cujo conteúdo pode bem ser dimensionado quando se coteja a história e se percebem as diversas agressões cometidas contra esse preceito basilar do direito.


2. As violações à dignidade da pessoa humana ao longo da história como meio de aquilatar a densidade normativa do princípio constitucional fundamental

Talvez seja mais útil que a enunciação das garantias decorrentes e circunjacentes à dignidade da pessoa humana, sob a ótica de uma exposição do conteúdo do preceito fundamental, a expressão de atos ofensivos ao princípio em comento ao longo da história da humanidade, tendo em vista que do conceito negativo pode-se compreender a essência da norma basilar ao direito dos povos civilizados.

Os que têm a oportunidade de assistir, aterrados, aos documentários sobre as atrocidades cometidas pelos nazistas contra mais de seis milhões de judeus, mortos durante a Segunda Guerra Mundial pelo III Reich, bem divisam o que representa uma agressão ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nas películas cinematográficas, com imagens e fatos reais, revelam-se as torturas cometidas em experiências científicas por médicos alemães, chefiados por Josef Mengele, principalmente sobre gêmeos, com até a dissecação dos tecidos de pessoas vivas, a amputação de pernas e membros, dentre outros abusos inacreditáveis, até a instilação de tinta nos olhos das cobaias humanas.

Aliás, foram fundadas faculdades de medicina nazistas, além de constar que 45% dos médicos alemães eram integrantes do Partido Nacional Socialista de Hitler, influenciados pelas idéias de saúde como valor de purificação racial, no que os discípulos tedescos de Hipocrátes desempenhariam relevante papel, segundo os ensinos então defendidos pelo ditador alemão. Os doentes incuráveis e os enfermos mentais são eliminados de forma discreta, a partir de 1937, pois se disseminara na época o sofisma de que esses pacientes ocupariam belas instalações em aprazíveis áreas verdes de confortáveis e amplos hospitais psiquiátricos, enquanto o cidadão ariano saudável da Alemanha tinha que suportar a habitação em casas modestas e desconfortáveis. [01]

Também se noticia a esterilização em massa de 400.000 ciganos, de incapazes e até dos desempregados há muito tempo, medidas seguidas de assassinatos em bloco, com injeções letais e, mais tarde, com os banhos nas câmaras com monóxido de carbono, numa soma inicial de 300.000 mortos, cujos corpos não eram entregues às suas famílias, para evitar comoção da sociedade alemã. [02]

No campo de concentração de Buchenwald, a Divisão de Pesquisa de Tifo e de Vírus do Instituto de Higiene da Waffen SS realizou, realmente, esterilizações sem anestesia; ministrou injeções para testar novos remédios de efeitos desconhecidos; executou testes bizarros de resistência ao frio e ao calor; consuma-se vivissecção nos prisioneiros e experimentos em seus fígados, injetavam veneno nas queimaduras de pessoas envolvidas em acidentes com fogo; contaminavam-se os detentos com tifo e se acompanhava sua lenta agonia, à medida que a doença progredia, sem qualquer tratamento para a infecção. [03]

Também foram objeto de perplexidade mundial (depois de virem a público com a libertação dos campos de prisioneiros do Regime de Hitler, em 1945, quando do avanço final das tropas russas e norte-americanos dos aliados vencedores da Segunda Guerra Mundial) as notícias de execução de milhões de pessoas em câmaras de gás e posterior incineração dos seus corpos em fornos industriais; a existência de valas comuns para dezenas de milhares de vítimas, inclusive mulheres, crianças e idosos; a manutenção de regime de inanição e trabalho escravo dos detidos pelos Nazistas; o tratamento aviltante, a perda imotivada de direitos fundamentais como o da higiene pessoal, da liberdade de ir e vir, a execução fortuita, o homicídio dos mais fracos e a separação de famílias, de maridos e mulheres, de pais e filhos; a triagem dos que deveriam ser mortos e dos que sobreviveriam temporariamente como escravos, presos para trabalhos forçados vinculados ao esforço de guerra do Eixo opressor. Por sinal, até 1943, quase cinco milhões de prisioneiros estrangeiros tinham sido obrigados a trabalhar na Alemanha. [04]

Os cabelos de pessoas assassinadas serviam de matéria-prima para roupas de soldados e para os antigos pincéis de barbear dos integrantes do exército hitleriano! Em Auschwitz, registra-se que era freqüente, dentre 435.000 prisioneiros deportados recém-chegados, 400.000 serem executados imediatamente. [06]

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Ilsa Koch, conhecida vulgarmente pelos historiadores como "A Cadela de Buchenwald", esposa do comandante do campo de concentração de Buchenwald, o coronel da SS nazista Karl Koch, praticou atos de sadismo e barbaridade inauditos, como utilizar, como peças decorativas de sua sala de estar, as cabeças de prisioneiros, encolhidas quimicamente, assim como escolhia dentre os detentos os de pele mais macia e bela, preferencialmente ciganos ou prisioneiros de guerra russos, para fazer com o tecido humano capas de livros, abajures, carteiras e luvas, considerados como do melhor couro e mais raro! Também utilizava o cabelo de prisioneiros. [07]

Crianças eram deportadas de orfanatos para campos de extermínio, como sucedeu na Polônia ocupada, fato relatado pelo menino Adolf Berman, recolhido da instituição polonesa Janusz Korczak, ouvindo os gritos terríveis de soldados do III Reich. [08]

Somava-se o transporte de dezenas de milhares de pessoas em vagões de gado, sem recursos de higiene, alimentação e nem sequer água, por dias a fio, em meio a condições térmicas penosas, viagem durante a qual muitos, sobretudo idosos, já chegavam mortos aos campos de extermínio nazista, como testemunhado pelo sobrevivente Robert Clary, conhecido cantor francês judeu, então com 14 anos, o qual perdeu sua mãe na câmara de gás apenas três dias após chegar em Auschwitz. [09]

Poemas como "Os Sapatos de Treblinka" (que se referem aos mais de 800.000 -oitocentos mil - pares de sapatos encontrados no cruel campo de concentração), de autoria de Moshe Schulstein, prisioneiro sobrevivente daquele local de genocídio, comovem pela impactante descrição dos sofrimentos e da injustiça perpetrados contra seres humanos durante o extermínio pelos nazistas:

Eu vi uma montanha

mais alta que o Monte Branco

e mais sagrada que o Sinai

Era uma montanha de sapatos de judeus em Treblinka.

De repente, a montanha de sapatos se levantou

Aos pares, em fileiras,

Sapatos grandes e pequenos, de Varsóvia e de Paris

De Amsterdam e de Praga,

Sapatos de rabinos, comerciantes e trabalhadores,

Todo tipo de sapato

E os sapatinhos de tricô de uma criancinha

Como seus pais, ela foi morta.

Nós fomos trazidos a Treblinka marchando.

E agora saímos marchando para longe da matança que havia dia e noite.

Que o mundo nos ouça percorrer essa estrada.

Que o mundo ouça nossa história de sangue.

Nós não os deixaremos descansar novamente. [10]

Ao chegar no campo de concentração de Belsen, na Alemanha, que fora recém-libertado pelos aliados, o reverendo Lesley Hardman, capelão judeu do 2º Exército Britânico durante a Segunda Guerra Mundial, profundamente emocionado ao ver os corpos das milhares de vítimas ali encontradas dentre os prisioneiros judeus e outros, proferiu a seguinte mensagem ao mundo:

Se todo o céu fosse feito de papel, e todas as árvores do mundo fossem transformadas em canetas, e toda a água dos oceanos virasse tinta, ainda assim não teríamos material suficiente para descrever todos os horrores e sofrimentos pelos quais estas pessoas passaram nas mãos desses animais imundos e seres desumanos chamados SS. [11]

Documentários denunciam as mais graves e intoleráveis violações contra a dignidade da pessoa humana, consubstanciadas na desvaloração de homens, mulheres e crianças de raças consideradas inferiores pelo "Império" Nazista.

Há relatos verídicos de sobreviventes, como um jovem cantor judeu de uma sinagoga de Varsóvia na Polônia, Meir Alter, que, auxiliando seu pai a caminhar pelas ruas da conhecida capital da Europa, foi abordado por oficial nazista da SS acerca das razões pelas quais o ancião não conseguia andar sozinho. Após responder que seu genitor era cego, o rapaz assistiu, estarrecido e traumatizado para sempre, à imediata e impiedosa execução de seu ente querido por um tiro fatal, desferido pelo militar tedesco, porque o veterano era considerado imprestável para os padrões de eugenia alemães. [12]

Aliás, a partir de março de 1933, o então primeiro-ministro Adolf Hitler lançou, no recém-inaugurado campo de concentração alemão de Dachau, todos os seres humanos considerados raça inferior, não-arianos, além de prisioneiros políticos, testemunhas de Jeová, comunistas, opositores do regime nazista, ciganos, homossexuais, socialdemocratas, judeus proeminentes. [13]

Outrossim, com a ascensão de Hitler ao poder, em janeiro de 1933, houve uma intensificação do combate ao bolchevismo cultural (que se dizia instigado pelos judeus) para o proposto retorno à arte clássica da antiguidade, do que se seguiu a padronização do belo como referência do regime nazista, do culto ao corpo, na forma inspirada da cultura grega, ao mesmo tempo em que raças consideradas inferiores, como os membros da comunidade judaica, foram perseguidas e se passou a pregar seu extermínio, com vistas à purificação racial da Alemanha. Condenaram-se as expressões artísticas divergentes dos padrões advogados pelo Nazismo, porque elas evidenciariam depravação moral e espiritual. [14]

Há outros depoimentos indescritíveis de barbaridades sobre barbaridades, estupros, roubos, humilhações, execuções sumárias, dentre outros atentados à dignidade da pessoa humana, como narrado pelo sobrevivente e testemunha Leon Kahn, da cidade de Eishishok, na Lituânia, onde os judeus, que constituíam metade da população e ali se estabeleceram desde o século XII, foram dizimados em massa, por ação de lituanos, após a invasão local pelos nazistas, em 1941, seguida de confisco de bens dos integrantes da nação judaica. Houve um dia final, quando todos os integrantes da comunidade judaica (inclusive crianças) foram exterminados, sendo as mulheres e moças mais jovens primeiramente estupradas por dezenas de homens, fato testificado pelo sr. Leon, então um menino de tenra idade, que se escondera no cemitério católico da localidade, de onde avistou a barbárie e ouviu as centenas de tiros. [15]

Conta-se o drama, em Varsóvia, de outra mulher: ao se ver desapossada de seus três filhos, suportou horroroso flagelo ao vê-los carregados por um oficial nazista para possível execução iminente. Desesperada, ela se agarrou aos braços do militar implacável e ouviu resposta que a deixou perplexa e sem reação: somente poderia ter uma das crianças de volta – as outras duas seriam levadas. Sem saber como escolher entre os três amores de sua vida, que nela fitavam os olhinhos aflitos e suplicantes, incapaz de abandonar duas pequenas criaturas adoradas nas mãos de fascínoras, a jovem senhora não conseguiu, dominada pela emoção materna, selecionar entre seu trio de infantes qual deveria sobreviver, o que a forçou a observar a bárbara subtração de todas, em conseqüência, pelos que menosprezavam, no mais baixo grau, a dignidade da pessoa humana como princípio jurídico fundamental. [16]

Na Polônia, a afronta ao preceito da dignidade humana se revelou em episódio narrado por testemunha ocular, Alexander Donat, que atestou o fato de uma mãe, cujo marido trabalhava na companhia ferroviária Ostbahn, a qual saíra de sua residência, no Gueto de Varsóvia, para procurar leite para seus filhos. Abordada por soldados hitlerianos, respondeu que não possuía cartão para saída, um "Ausweis", motivo por que foi, aos gritos mais desesperados (marcantes para quem assistiu ao fato e o registrou para a posteridade como exemplo de agressão à humanidade) conduzida, sem piedade, para um caminhão que transportava judeus para o extermínio, em virtude da Operação Reinhard, ainda que a mulher invocasse possuir um cartão de trabalho em sua casa e que o seu bebê estava sozinho em seu modesto apartamento, o que nada importou para os implacáveis nazistas. O acontecimento foi tão contundente que a referida testemunha do fato comenta acerca daquela senhora: "Eu ainda a ouço gritando numa voz meio enlouquecida, entre um soluço de extremo desespero humano e o uivo de um animal". [17]

É com muita propriedade que o grande historiador britânico J.M. Roberts resume:

Talvez seja verdade que a Segunda Guerra Mundial afetou todos os membros da raça humana. Excedeu qualquer conflito anterior em horror e destuiççao. Foram destruídos recursos e forças sem paralelo. Os imensos massacres e a destruição física foram apenas uma fração do seu custo. Contudo, eliminou o que certamente fora a pior ameaça imposta à civilização e à humanidade. Demoraria muitos anos para que toda a história do custo moral da guerra aparecesse, mas um sinal vivo – e do que fora conquistado – se tornou imediatamente visível e aterrorizador quando os exércitos aliados avançaram na Alemanha e na Europa Central. Descobriram-se invadindo campos onde a brutalidade sádica e a negligência desumana foram muito além do que alguém algum dia concebera. Os prisioneiros ali durante anos sofreram tortura, fome e trabalho forçado. Passaram por isso às vezes por serem opositores políticos ao nazismo, às vezes porque eram reféns ou trabalhadores escravos, às vezes simplesmente como prisioneiros de guerra. Mas isto não era o pior. A maioria dos que sofreram eram judeus, condenados a um tratamento desumano e à morte simplesmente por sua raça. Os nazistas fizeram esforços especiais para eliminar os que eles supunham ser genericamente indesejáveis. No caso dos judeus, falavam com desenvoltura em uma ´Solução Final´ para o ´problema judeu´. Corretamente se atribuiu a palavra Holocausto aos que eles fizeram. Os números totais talvez nunca sejam conhecidos com precisão, mas cinco ou talvez seis milhões de judeus pereceram nas câmaras de gás dos campos de extermínio ou em fábicas e pedreiras onde morreram de exaustão e fome, ou no campo, onde eram cercados e fuzilados por destacamentos especiais de extermínio. Derrubar o sistema que fez isto acontecer foi uma conquista grande e nobre, uma vitória da civilização e da decência. Ironicamente, nenhuma potência aliada fora para a guerra conscientemente para conseguir um fim tão moral. O único guerreiro ideológico da luta do início ao fim fora Hitler, e os objetivos que buscara eram moralmente abomináveis. [18]

A esse respeito, registra-se que o comandante-em-chefe das tropas norte-americanas e britânicas, General Eisenhower, ordenou que todos os homens da divisão do exército dos Estados Unidos, que haviam entrado em Buchenwald, assistissem as cenas horríveis do campo de extermínio, a fim de que soubessem os motivos do combate dos povos livres contra o nazismo, dizendo: "Eles podem não saber pelo que estão lutando, mas ao menos agora eles sabem contra o que estão lutando." [19]

Também outros sofreram a opressão do regime nazista, transgressor do princípio da dignidade da pessoa humana, como os cidadãos franceses da Paris ocupada durante a Segunda Guerra Mundial, sujeitos à fome e à humilhação da brutal presença tedesca, à dieta de 1200 calorias diárias, à pilhagem de obras de arte, à supressão da liberdade de expressão pelas luzes acesas dos cinemas, durante a exibição de filmes, para que os alemães não permitissem vaias por parte dos parisienses contra as manipuladas notícias do exército de Hitler no front. Os judeus parisienses suportaram ainda pior, excluídos da vida pública: eram proibidos de ir a teatros e restaurantes, de usar telefones públicos, somente podiam utilizar o último vagão dos trens de metrô, medidas seguidas das deportações para campos de concentração, tudo em conseqüência da "Solução Final" engendrada por Hitler. [20]

No filme "A Lista de Schindler", mostra-se o perfil do excêntrico comandante do campo de concentração nazista, que, de manhã, implacável, executava um prisioneiro judeu para começar o dia, atirando com seu rifle do alto de seu confortável quarto de dormir. Intolerante com qualquer contratempo ou desagrado, sucedeu que, por causa de mancha que não desaparecera de sua banheira, apesar dos exaustivos, mas infrutíferos, esforços de horas de trabalho de menino de cerca de dez anos de idade, que prestava serviços como empregado do alto oficial de Hitler, resolveu alvejar e matou o rapaz com um só tiro à distância.

Em cena seguinte do mesmo filme baseado em fatos reais, o empresário nazista Oskar Schindler, chocado após presenciar inúmeros assassinatos fortuitos cometidos pelo arbítrio do comandante do campo de extermínio, convence o oficial da SS que seria um ato de grandeza poupar a vida dos faltosos e desprezíveis aos olhos de Hitler, apesar de o militar de alta patente poder, naquela quadra da guerra, sob a égide da dominação bélica da Alemanha Nazista, cometer homicídio, de forma impune, nas instalações de extermínio, contra prisioneiros integrantes de raças inferiores. Mais tarde, o célebre civil e industrial alemão tornar-se-ia famoso pelo ato inesquecível de humanidade ao literalmente passar a comprar vidas judaicas dos gananciosos oficiais que comandavam os campos de genocídio, pessoas que seriam exterminadas não fora a iniciativa do homem de negócios, o qual foi reconhecido como justo pela nação de Israel e teve seus ossos sepultados em Jerusalém, em face do precioso ato de desprendimento e valorização humanitária consumado pelo ex-fornecedor de serviços industriais ao III Reich. [21]

Inúmeros outros exemplos de violação do princípio da dignidade da pessoa humana poderiam ser colacionados na história mundial.

A rainha católica da Inglaterra, Maria Tudor I, filha do rei Henrique VIII, consumou atrozes perseguições contra mais de 300 protestantes no breve período de seu reinado, torturados e mortos na fogueira, a partir do ano 1555. Seu pai, a propósito, já consumara bárbaras condenações por traição, como de monges que foram enforcados, destripados e depois decapitados, porque se recusaram a assinar a Supremacia de Henrique, como fundador da Igreja Anglicana, separada da Cúria Romana em face da negativa papal do deferimento do divórcio do primeiro casamento do monarca inglês com Catarina de Aragão. [22]

A Bíblia Sagrada comenta sobre as agruras da violação desse postulado áulico da dignidade humana – e talvez seja isso que tenha inspirado o escritor do texto canônico (Eclesiastes 4: 1-3):

Depois voltei-me, e atentei para todas as opressões que se fazem debaixo do sol; e eis que vi as lágrimas dos que foram oprimidos e dos que não têm consolador, e a força estava do lado dos seus opressores; mas eles não tinham consolador. Por isso eu louvei os que já morreram, mais do que os que vivem ainda. melhor que uns e outros é aquele que ainda não é; que não viu as más obras que se fazem debaixo do sol.

Talvez a menção dessas violações grosseiras e inaceitáveis à dignidade da pessoa humana possa enunciar a densidade normativa desse princípio e sua importância para toda a humanidade e como pedra angular de todos os ordenamentos jurídicos dos povos livres e civilizados.

Na Alemanha, após 1933, com a ascensão de Hitler ao poder, os lares foram invadidos à noite, rasgando-se a garantia de inviolabilidade de domicílio. O líder do III Reich pregava que "só o uso da força bruta, de modo contínuo e cruel, pode ocasionar uma decisão em favor do lado que apóia." Todas as reuniões do partido comunista foram proibidas na Alemanha. Logo 4.000 pessoas foram lançadas em campos de concentração. [23]

Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. O princípio da dignidade da pessoa humana e sua aplicação no processo administrativo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1712, 9 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11033. Acesso em: 23 nov. 2024.

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