5. O Papel da Sociedade Civil face a Dualidade de Funções do Presidente
A sociedade civil moçambicana acumulou, ao longo da última década, uma valiosa experiência de participação no diálogo sobre políticas, através de uma série de processos importantes: a Campanha Terra, em meados dos anos 90; a formulação da Agenda 2025 em 2001; os observatórios de pobreza e de desenvolvimento; os PARPAS, MARP.... Assiste-se hoje, no país, a um crescimento considerável da intervenção da sociedade civil nas políticas sociais, inclusive, em alguns casos, com algum nível de especialização em políticas setoriais e subsetoriais. Redes de organizações como o GDM, o CIP, a LDH, o IESE, o MASC, OMR, a CDD, a CEJP etc., tornaram-se interlocutores que não podem ser ignorados na discussão sobre a “rés publica” (Cambrão, 2016).
Um dos questionamentos é se as OSC moçambicanas são a voz do povo ou dos sem voz, ou, então, negócios em forma de projetos ou associações. Depende de cada tipo de organização e, fundamentalmente, do carácter e conteúdo de sua intervenção e utilidade social. Grosso modo, pode dizer-se que a maior parte delas são representativas, ou seja, advogam o interesse coletivo, dos seus membros e da sociedade no geral. São as chamadas “criadas”. Elas nascem espontaneamente e dentro da necessidade de resolver carências específicas sentidas por um grupo de cidadãos, uma comunidade ou uma região (Cambrão, 2016).
Para Cambrão (2018: 59), a Sociedade Civil baseia-se essencialmente em princípios e valores como: a solidariedade, a justiça social, a participação, etc., e é constituída por um conjunto de organizações concebidas enquanto formas de organização original, autónoma e que visam desenvolver formas de solidariedade colectiva e um projecto de transformação social, exigindo uma actuação que se baseie em princípios de qualidade, eficiência e eficácia, e uma gestão assente em processos cada vez mais participados.
Ainda na perspectiva do mesmo autor:
A Sociedade Civil assume, normalmente, um papel importante na flexibilidade do processo de Boa Governação, vista como transparência na gestão da coisa pública e no domínio do “accountability” ou da prestação de contas, ética, responsabilidade, equidade, integridade, rigor, imparcialidade. Isso é possível com a existência de uma Sociedade Civil forte, interventiva e proactiva. Porém, em Moçambique, o limitado número de organizações que intervêm na área da Boa Governação, no âmbito da democracia participativa – havendo mais organizações viradas para a provisão de serviços e advocacia em sectores como educação e saúde –, não ajuda para a efetivação deste propósito, ou desiderato (Cambrão,2018:4).
Partindo dos conceitos de sociedade civil supraditos, e tendo em conta a inercia dos partidos políticos, confissões religiosas, e outros organizações, face a dualidade de funções do Presidente da República e Presidente do Partido Frelimo, e pelo reconhecimento dos esforços empreendidos pela sociedade civil em prol da democracia e boa governação espera-se mais uma vez que em primeira instância seja coesa e detentora de conhecimentos fundamentais e essenciais sobre o tema que se pretende levar a discussão porque se acredita ser impossível impactar ou influenciar aos órgãos decisórios a optarem por um posicionamento (qualquer que seja) se o proponente não tiver domínio do conteúdo para o efeito; daí a necessidade de uma intervenção da Sociedade Civil coesa. Assim, acredita-se que se a proposta de adopção da figura do Presidente da República Suprapartidário partir da Sociedade Civil, poderá surtir o impacto desejável, se de forma organizada, a mesma criar espaços de auscultação, debates abertos e desencadear estudos comparativos e apresentar possíveis cenários satisfatórios e fundamentar a sua posição com base em evidências, em prol duma governação democrática, participativa e inclusiva.
Acredita-se igualmente que o Papel da sociedade civil é fundamental para a adopção da figura do presidente suprapartidário em Moçambique, pois no entendimento do autor ela pode contribuir de diversas formas tais como:
1. Advocacia e mobilização pública:
a) A Sociedade civil pode exercer um papel activo de advocacia, promovendo debates públicos, campanhas de conscientização; Mobilizando a população em torno da importância de um presidente mais neutro e representativo;
b) Realização de eventos, debates públicos, conferências e actividades de conscientização sobre os benefícios de um presidente suprapartidário utilizando os Mídias sociais para engajar a população;
c) Dialogo e lobby junto dos parlamentares, partidos políticos e lideres governamentais para sensibiliza-los sobre a construção de alianças e apoios políticos que possam viabilizar a reforma constitucional necessária.
2. Participação nos processos de Reforma, monitoramento e fiscalização:
a) A Sociedade civil deve ser envolvida nos processos de revisão constitucional e legislativa que eventualmente venha abordar essa questão, pois a sua participação pode trazer perspetivas diversas e ampliar a legitimidade do processo de reforma.
b) A sociedade civil pode desempenhar um papel crucial no monitoramento de sua implementação e na fiscalização do exercício do cargo, oque contribuiria para a accountability do presidente e a consolidação institucional, acompanhamento do processo de reforma constitucional e da implementação da nova configuração institucional e na criação de mecanismos de monitoramento e de prestação de contas para garantir a efectividade da mudança;
3. Fortalecimento da Democracia:
a) A actuação da Sociedade civil pode ajudar a fortalecer a democracia em Moçambique, promovendo uma cultura de participação, transparência e equilíbrio de poderes, favorecendo a aceitação e sustentabilidade da figura do presidente suprapartidário;
b) Realização de seminários e workshops para debater a viabilidade e os detalhes de implementação da figura do presidente suprapartidário, envolvendo especialistas em direito constitucional, ciência politica e administração publica para produzir estudos, pareceres e propostas fundamentadas.
4. Construção de Consensos:
a) A sociedade civil pode actuar como mediadora e facilitadora na construção de consensos entre os diferentes actores políticos sobre essa proposta, a sua actuação pode contribuir para superar divisões partidárias e promover soluções negociadas.
Notas Conclusivas
É essencial que a sociedade civil moçambicana seja envolvida de forma activa e proactiva no debate sobre assuntos cadentes da sociedade, como é o caso da dualidade de funções do Presidente da República de Moçambique e Presidente do Partido, de modo a garantir que a adopção do presidente suprapartidário que, obviamente reflectirá as aspirações e necessidades da população. O que se verificou, é que ela, neste quesito, nunca se pronunciou.
A sociedade Civil, pode propor, desencadear um estudo ou pesquisa e propor a Assembleia da República que os Presidentes de Partidos Políticos sejam independentes da figura do Presidente da República em todas as circunstâncias. Para tal, já que estes são provenientes dos partidos Políticos, propor igualmente que o Presidente do Partido eleito à Presidente da República suspenda ou renuncie o mandato à Presidente do Partido, pelo período igual ao seu mandato à Presidente da República com a possibilidade de renovação conforme o caso, garantindo assim a efetivação do princípio da imparcialidade, independência e separação de poderes. Assim, ter-se-ia um Presidente da República que governaria o país com total independência política e seria um mediador ou moderador de todos os Partidos Políticos existentes no País.
É importante referir que o ideal seria que o mandado dos partidos políticos não coincida com o mandato do Presidente da República. Para o efeito, findo o mandato suspenso após a tomada de posse como Presidente da República de Moçambique, este poderá retomar a presidência do partido. Este procedimento, permitiria que o Presidente da República, no exercício da sua função, pudesse prestar contas ao partido, pois o mesmo ao suspender o mandato como Presidente do Partido, delega os seus plenos poderes e competências ao Secretario Geral do Partido, porque a função do mais alto magistrado da nação deve, no decurso do respectivo mandato, ser a de isenção, independência e defesa do interesse nacional, sem dependência e interferência partidária.
À organização política democrática dos partidos políticos deve pressupor que o Presidente da República não seja igualmente o presidente do Partido. A ser assim, viola o princípio pelo qual dispõe que as normas constitucionais (n.º4 do artigo 2 da CRM) prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico, na medida em que não se observa a incompatibilidade prevista no artigo 148 da CRM.
A adopção do Presidente suprapartidário, implicaria a revisão constitucional. Seria necessário avaliar a viabilidade de uma emenda constitucional que separasse o cargo de Presidente da República do Presidente do Partido no poder e implicaria uma análise como essa mudança afectaria o equilíbrio de poderes entre o Presidente, o Governo e o Parlamento, evitando concentração excessiva ou dispersão de autoridade e verificar se essa configuração fortaleceria a legitimidade e a representatividade do Presidente da República perante a diversidade politica e social de Moçambique. Por fim, avaliar-se-ia os desafios e a viabilidade de uma transição para esse novo modelo, envolvendo os principais partidos e lideranças do país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Almond, Gabriel A. Research note: a comparative study of interest groups and the political process. American Political Science Review, 1957;
Amaral, Diogo Freitas do (2014). Uma Introdução à Política. Lisboa: Bertrand Editora, Lda;
Bonavides, Paulo (1983). Ciência Política. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983. CHUBB. Interest groups and the bureaucracy: the politics of energy. Stanford University Press;
Cambrão, Pedrito (2023). Por uma Governação Sustentável: O Caso de Moçambique. NJINGA E SEPÉ: Revista Internacional De Culturas, Linguas Africanas E Brasileiras,3(2), 20-33. Recuperado de https://Revistas.unilab.edu.br/index.php/njingalsape/article/view/1347;
Cambrão, P.C.C. (2019). Papel da Sociedade Civil em Prol da Boa Governação – O Caso de Moçambique. Sociologia: Revista da Faculdade De Letras Da Universidade Do Porto, 36,71-96. Obtido de https://ojs.Letras.up.pt/index.php/Sociologia/article/view/5316;
Chambule, Alfredo (2000). Organização Administrativa de Moçambique, Maputo:CIEDIMA-Central impressora e editora de Maputo, SARL;
De Mello, Osvaldo Aranha Bandeira, Princípios Gerais de Direito Administrativo, Forense, Rio, 1 ed., 1969, p.141);
-
Dobrowolski, Sílvio. Notas sobre a atuação dos grupos sociais no cenário político. Revista de Informação Legislativa, Ano 22, n. 87, Brasília, 1985;
Epstein, Leon D. Political parties in western democracies. New Brunswick & London, Transaction Books, 1982;
Fernandes, Rubem César. O que é o terceiro setor? Revista do Legislativo, Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, n. 18, p.26- 30, abr/jun. 1997;
Gomes, Camila Paula de Barros. O papel das organizações da sociedade civil (OSC) na contemporaneidade. 25 RDDA, vol. 4, n. 2, 2017;
Hipólito, Ana Mafalda Maló. Direito Administrativo: Faculdade De Direito De Lisboa- Universidade de Lisboa, 2016/2017;
Macuácua, Edson da Graça Francisco (2023). Riscos do sistema político moçambicano, Escolar Editora;Maputo, Moçambique;
Mancuso,Wagner Pralon. Partidos políticos e grupos de interesse: definições, atuação e vínculos. Leviathan, n. 1, p. 395-407, 2004;
Powell Jr., G. Bingham. Uma teoria de política comparada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972;
Panebianco, Angelo. Modelos de partido: organización y poder en los partidos políticos. Madrid: Editora Alianza, 1990;
Pasquino, Gianfranco. Teoria dos grupos e grupos de pressão. In: VV.AA Curso de introdução à Ciência Política, Unidade VI. Editora da Universidade de Brasília, 1982;
Ribas, António Joaquim. Direito Administrativo Brasileiro, Ministério da Justiça, Rio, 1866);
-
Sobrinho, Manoel de Oliveira Franco, Curso de Direito Administrativo, Saraiva, S.Paulo, 1979, p.47;
Ucama. António (2022). A independência do Poder Judicial-Bases, Pressupostos e desafios para Moçambique. Aliance editores;
Wootton, Graham. Grupos de interesse. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972.
Legislação:
Imprensa Nacional, Constituição da República de Moçambique, Maputo, 2004;
Imprensa Nacional, Constituição da República, Maputo, 2 de Novembro de 1990;
Decreto nº.18/90, de 28 de Agosto, aprova o Estatuto do Partido Político FRELIMO;
Lei nº.1/2018 de 12 de Junho, Lei da Revisão Pontual da Constituição da República de Moçambique;
Lei nº. 14/2011, de que regula a formação da vontade da Administração Pública, estabelece as normas de defesa dos direitos e interesses dos particulares;
Decreto nº. 30/2001, de 15 de Outubro, que aprova as normas de funcionamento dos serviços da administração pública.