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Metalógica jurídica e inteligência artificial

Agenda 03/10/2024 às 18:44

O que diferencia a metalógica da hermenêutica é que algumas escolas de pensamento hermenêutico permitem-se grande liberdade para digressões, não se atendo tão-somente à linguagem-objeto, mas podendo derivar para outras áreas do conhecimento.

A Inteligência Artificial Geral (AGI) será um campo profícuo para a Metalógica. Além de criar máquinas mais inteligentes, cujo QI tende a ser superior à média da maioria das pessoas, a AGI enfrentará o desafio de compreender a complexidade da mente humana, replicando-a. Evidentemente, aí residem dilemas éticos, dentre outros, que são um vasto campo para a Metalógica.

Se a Lógica é a ciência das conclusões necessárias, a Metalógica é a linguagem que fala sobre a Lógica, enquanto a Meta-metalógica é a linguagem que fala sobre a Metalógica, e assim por diante, um nível de linguagem referindo-se àquela que lhe é imediatamente inferior, em uma possível hierarquia de sucessivos graus de abstração, quiçá infinitamente, tão infinita quanto forem a inteligência humana e a inteligência artifical.

A Metalógica é uma forma lógica (metaconceito) que versa sobre outra forma lógica (conceito), trazendo respostas e ampliando conhecimentos e reflexões sobre as estruturas nas quais se assenta a inteligência artificial. Vale dizer: A Metalógica é uma metalinguagem que poderá ser desenvolvida tanto pela inteligência humana como também pela inteligência artificial generativa.

É bem antiga a intrínseca relação entre Direito e linguagem. Nos primórdios do Direito, a linguagem era simples (L), referindo-se diretamente apenas aos fatos, à realidade concreta. A natureza normativa é da essência da linguagem, mas há processos normativos que interpenetram várias camadas de linguagem e são, não raro, polissêmicos. É importante a análise do Direito em sua vertente semiótica e linguística, pois que é deveras reveladora, considerando-se que as normas jurídicas podem ser entendidas como signos, com funções sintáticas e semânticas1.

Todavia, é bem de se ver que, na verdade, talvez não haja necessariamente uma tendência natural das sociedades humanas à desigualdade, rotulada como “neodarwinismo social”, o que também traria consequências sintáticas e semânticas para a semiologia jurídica e, por conseguinte, para a Metalógica. Embora vários autores reconheçam essa tendência natural à desigualdade, cabe observar que ela não é arbitrária nem retórica, mas parte das constatações etológicas, cujos modelos se repetem nas sociedades dos animais2. Esta constatação pode gerar discrepâncias ou contradições entre modelos linguísticos do Direito e da realidade, dependendo do sistema de lógica aplicado, o que traz consequências importantes para a Metalógica e suas análises. Nesse sentido, o emprego de sistemas lógicos não-clássicos ou heterodoxos poderiam proporcionar à Metalógica traduções intersemióticas3.

Metalógica é o estudo das estruturas e das propriedades formais de sistemas lógicos formais. Poderia incluir, por exemplo, provas (ou desprovas), problemas de consistência, incorreção, inadequação, completude e decidibilidade de um caso. A Metalógica pode responder, por exemplo, a questões como se tal ou qual argumento é presumivelmente necessário; se há alternativas; se há consistência, etc.4 São metaconceitos.

Outro objeto de apreciação para a Metalógica é a criação de Inteligências Artificiais para corrigirem os erros da própria Inteligência Artificial, num exercício claro de metalinguagem, que poderá ser extendida em vários e incontáveis níveis, para o futuro. Serão ferramentas criadas especificamente para a correção de determinados dados.

Até mesmo as estratégias utilizadas pelas pessoas para obter melhores resultados no uso da ferramenta Inteligência Artificial poderão ser analisadas pela Metalógica, pois, com o avanço da tecnologia, ficarão obsoletas e, além disso, a escolha de certas estratégias significa a exclusão de outras, vale dizer, há uma forte carga semântica de subjetividade nessa eleição. Escolher algo é preterir outro algo.

É bem verdade que há interseções entre os campos da Metalógica e da Hermenêutica, entendida esta como a teoria da interpretação. Sim, pois há interpretações também na Metalógica, tanto no processo cognitivo como nas conclusões. Todavia, o que diferencia a Metalógica da Hermenêutica é que algumas escolas de pensamento hermenêutico permitem-se grande liberdade para digressões, não se atendo tão-somente à linguagem-objeto, mas podendo derivar para outras áreas do conhecimento. Já a Metalógica, por seu turno, tende a ater-se de modo mais específico à linguagem-objeto ou às demais linguagens às quais possa se referir, desde que derivadas e relacionadas à linguagem-objeto. Não obstante essa diferenciação, resta claro haver pontos em comum entre a Hermenêutica e a Metalógica, posto que em ambas ocorre o processo interpretativo dos dados e achados.

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Enfim, boa parte das discussões inter, multi e transdisciplinares que versarão sobre a IA e seus avanços tangerão o campo da Metalógica, ensejando meta-meta-análises gradativas, que se desenvolverão pari passu ao desenvolvimento tecnológico, nessa seara, não se confundindo com o nível 1 da linguagem-objeto.

Porém, é recomendável ter cautela com tudo o que se refere à IA. Por exemplo, alguns estudiosos não a caracterizam como mera ferramenta, mas sim como “consciência”; outros observam que a IA aprendeu a mentir, que pode expressar emoções, e assim por diante. Por razões assim, é imprescindível manter alerta o pensamento crítico sobre tudo o que se refere à IA, mesmo no caso da Metalógica.

Por derradeiro, permitimo-nos expor uma conjetura algo solipsista, que nos acompanha há cerca de uns trinta anos, desde os primórdios das redes neurais: é interessante observar que o desenvolvimento da IA caracteriza-se por ser eminentemente cerebral, imitando a inteligência humana e dos animais, parecendo descurar, aos menos por ora, de outros tipos de inteligência porventura existentes no Universo ou na natureza, como, por exemplo, a inteligência espiritual.


Notas

  1. ARAÚJO, Clarice von Oertzen. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

  2. MAMEDE, Gladston. Semiologia do Direito – Tópicos para um debate referenciado pela animalidade e pela cultura, 2ª. edição, Porto Alegre: Síntese, 2000.

  3. Plaza, Julio. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003.

  4. HAAK, Susan. Philosophy of Logics. Cambrige University Press: Cambridge / London / New York / New Rochelle / Melbourne / Sydney, 1980.

Sobre a autora
Maria Francisca Carneiro

Doutora em Direito pela UFPR, Pós-doutora em Filosofia pela Universidade de Lisboa, Mestre em Educação pela PUC/PR, Bacharel em Filosofia pela UFPR, advogada (licenciada), Professora aposentada da UFPR, Corresponding Fellow status with the Faculty of Law, Governance and International Relations at London Metropolitan University (UK), Membro do Centro de Letras do Paraná, da Italian Society for Law and Literature (Itália), do Conselho Editorial da Revista Collatio (USP/FDUPorto/Portugal), Editorial Board Member / Reviewer of the International Journal for Law, Language & Discourse (China 2010/2014) e do Scientific & Academic Publishing (USA). Autora de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARNEIRO, Maria Francisca. Metalógica jurídica e inteligência artificial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7764, 3 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111177. Acesso em: 23 dez. 2024.

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