Estas
linhas não tem a pretensão de entornar uma pá
de cal sobre o assunto e torná-lo definitivo, apenas por
à discussão um tema que me parece não ter
sido suficientemente abordado pela doutrina mais autorizada. Assim
colocado, partamos para sua análise.
Efetivamente
o art. 76 da Lei nº 9099/95, trouxe ao mundo jurídico
um instituto que até então era totalmente estranho
ao campo de atuação do direto processual penal que
é a possibilidade de transação entre o Ministério
Público e o autor do fato. Tem-se dito, inclusive, que
por conta deste novo instituto atribuiu-se ao Promotor de Justiça
a chamada discricionariedade regrada.
De
fato o artigo retro citado prevê a possibilidade de o órgão
ministerial propor a aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multa que, aceita pelo autor do fato,
é levada ao Juiz que a apreciará e, sendo o caso,
aplicará a pena proposta.
A dúvida surge no
exato momento em que feita a proposta de transação
penal, aceita pelo autor do fato e aplicada a pena restritiva
de direito ou multa pelo Juiz, o autor do fato vem a descumpri-la.
Quais seriam as conseqüências deste descumprimento?
O caminho a seguir seria a execução da pena imposta
? Ou seria o prosseguimento do feito com a instrução
criminal ?
Parece-me que a doutrina
tem se inclinado no sentido da execução da pena,
o que, em meu entendimento, com licença dos doutrinadores
mais abalizados, não encontra respaldo na lei e, nem ao
menos, na lógica jurídica.
Partamos
por etapa.
A grande benesse ao
autor do fato ao aceitar a proposta é, sem sombra de dúvida,
a inocorrência de registro de antecedentes criminais, entendo,
desde que venha a cumprir a transação.
Aceita a proposta de transação,
vindo a descumpri-la o autor do fato e, apenas para argumentar,
admitindo-se a tese da execução, como ficariam os
antecedentes criminais deste autor do fato, que não a cumpriu
voluntariamente ? Penso que não poderiam ser negativos,
todavia terão que ser, pois a lei assim determina.
Seria, então, uma
brecha para os transgressores oportunistas, por exemplo, ao aceitar
a aplicação de uma pena de multa, não vindo
a pagá-la e, não tendo patrimônio a garanti-la
em execução, a multa ficaria inexecutável
e, mais, o autor do fato seria brindado com a falta de antecedentes
criminais.
Anote-se, por outro lado,
que a transação penal, executada ( para aqueles
que assim entendem ) ou cumprida voluntariamente, não podem
gerar antecedentes por um fato que é de uma simplicidade
franciscana : até então o autor do fato não
foi acusado formalmente, o que existe é tão somente
uma notícia da delegacia ( termo circunstanciado ).
Este é o primeiro
aspecto.
Outro ponto que entendo ser
importante que se levante é o fato, como dantes já
dito, de o autor do fato, até então não se
defender, pois, não existe denúncia contra ele,
logo, não existe processo, o que existe é tão
somente um procedimento criminal que visa, a posteriori, à
instrução de processo penal.
Logo, como é que se
pode pensar em executar, na forma da lei de execuções
penais - como querem fazer crer alguns autores -, se ainda não
existe nem condenação, e, mais, não se pode
nem ao menos falar em culpa, já que a própria constituição
federal assim assegura no art. 5º - LVII, me parecendo ser
intuitivo que a execução de uma pena no juízo
criminal pressupõe a formação de um juízo
anterior de culpabilidade. .
A execução
da pena imposta na fase de transação, a meu ver
vai de encontro frontal ao devido processo legal, previsto no
artigo 5º - LIV da Constituição Federal. Entender-se,
como querem fazer crer alguns doutrinadores, que a Lei 9099/95
"criou" um novo sumário de conhecimento, que
seria então o devido processo legal é, "permissa
vênia" , um entendimento não condizente
com a sistemática processual pátria que prevê
(em uma simplória síntese) : acusação
- defesa - condenação/absolvição.
Na fase de transação penal não encontramos nenhum destes elementos, senão vejamos. Não há acusação, o que existe é uma notícia da delegacia (termo circunstanciado) que muitas vezes é levada a efeito por manifestação da própria suposta vítima. Não há defesa, porque nesta fase não se discute culpa, mais, o suposto autor do fato não pode se defender de algo que nem foi acusado. Não há condenação/absolvição, pois, não havendo denúncia, não havendo defesa, como é que poderíamos falar em condenação ou absolvição. Como é que poderíamos falar, então, em execução se não existe sentença condenatória. Perdoem-me a insistência, mas o que há é uma decisão meramente homologatória da transação entre autor do fato e Promotor de Justiça, que poderíamos perfeitamente classificar como decisão interlocutória.
Afora
os aspectos levantados, um outro de igual relevância me
aflora a mente, novamente apenas a título de argumentação,
admitindo-se a tese da execução da proposta de transação,
como executaríamos a proposta aceita, e não cumprida,
de prestação de serviços à comunidade,
converteríamos em privativa de liberdade (art. 45-II do
Código Penal), pelo tempo da prestação ?
Por esta tese a resposta seria afirmativa. Pergunto - me, o autor
do fato seria privado de sua liberdade sem ao menos ter sido denunciado
pela prática de algum crime ? E mais, sem ter uma sentença
condenatória em seu desfavor ?
Não podemos nos furtar
em afirmar que, por vezes, o suposto autor do fato, mesmo ciente
de sua não culpabilidade, aceita a proposta de transação,
apenas para ver-se livre de um procedimento criminal que, é
inegável, causa transtornos a qualquer pessoa (sobremaneira
àquelas inocentes - quer seja pela contratação
de advogados, quer pelo comparecimento às audiências,
quer pela colheita de provas...).
Assim sendo ao encararmos
a possibilidade de transação penal como um benefício
ao autor do fato, não o cumprindo, revoga-se o benefício
e aí então dá - se início ao processo
penal propriamente dito, onde irá se analisar a culpabilidade
do até então autor do fato (que após o recebimento
da denúncia recebe a denominação de réu).
Devemos, pois, ter a decisão
que homologa a transação penal como uma decisão
interlocutória, não podendo ser tida como sentença
de mérito (absolutória ou condenatória),
visto que nem ao menos examina aspectos de materialidade do crime,
que dirá de culpabilidade.
Poder-se-ia falar que a decisão
em realidade é sentença pelo fato de a lei (§
2º da Lei 9099/95) dispor que cabe apelação
contra esta sentença.
Entendo, todavia, que a referência a sentença é imprópria, quando em realidade dever-se-ia falar em decisão interlocutória, ou simplesmente decisão.
Por
estas razões acima expostas, que nem de longe pretendo
tê-las como verdades absolutas, é que entendo que
descumprida a proposta de transação penal deve-se
abrir vista ao órgão ministerial para, tendo elementos,
oferecer denúncia ou requer a remessa ao juízo comum
( arts 76 e 77 da Lei 9099/95 ).
Em assim sendo, coloco meu posicionamento à análise e crítica dos ilustres leitores.