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Responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público em relação aos não-usuários do serviço

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Agenda 18/05/2008 às 00:00

Um ônibus de uma concessionária de transporte público coletivo atropela uma pessoa; particular eletrocutado por fios de alta voltagem pendentes na rua pela queda de um poste. Nesses casos, aplica-se o instituto da responsabilidade objetiva? Seria justo que, no caso de não usuários lesados pelos prestadores de serviços, não fosse aplicado o referido instituto?

1. Introdução

A responsabilidade extracontratual das pessoas jurídicas prestadoras de serviço público é um tema complexo, que envolve muitas controvérsias.

A Constituição Federal de 1988 representou um grande avanço no esclarecimento das controvérsias que a matéria suscitava, contudo, outros questionamentos foram levantados.

O artigo 37, § 6º, da Carta Magna, que consagra a responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público, tem sido objeto de interpretações diversas, algumas favoráveis aos administrados, outras restritivas dos benefícios nele consagrados.

Uma dessas controvérsias consiste no alcance subjetivo da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado pelos danos causados em decorrência da prestação do serviço público. Questiona-se se os concessionários, permissionários ou autorizatários de serviço público respondem objetivamente pelos danos causados aos usuários e aos não-usuários do serviço prestado ou somente pelos prejuízos sofridos pelos usuários.

Visualizemos as seguintes situações: um ônibus de uma concessionária de transporte público coletivo atropela uma pessoa; particular eletrocutado por fios de alta voltagem pendentes na rua pela queda de um poste. Nesses casos, aplica-se o instituto da responsabilidade objetiva? Seria justo que, no caso de não usuários lesados pelos prestadores de serviços, não fosse aplicado o referido instituto?

Esses questionamentos têm se tornado cada vez mais freqüentes, principalmente em virtude do crescente número de concessões e permissões de serviços públicos realizadas pela Administração Pública. Revela-se importante, portanto, a análise dos argumentos apresentados pela doutrina e pela jurisprudência para determinar a espécie de responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos em relação aos não-usuários do serviço.


2. Responsabilidade extracontratual do Estado

A Constituição Federal de 1988, seguindo o sistema adotado desde a Constituição Federal de 1946, consagrou a responsabilidade objetiva do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público pelos atos praticados pelos seus agentes, nos termos do seu artigo 37, §6º.

A responsabilidade extracontratual objetiva funda-se na teoria do risco administrativo, segundo a qual cabe ao Estado a responsabilidade pelos riscos decorrentes da atividade administrativa. Ou seja, independente da legalidade ou ilegalidade da atuação da Administração Pública, se a atividade desenvolvida submete o administrado à situação de risco, o Estado responde objetivamente, sem que haja aferição da culpa do agente causador do dano.

Outro fundamento da responsabilidade objetiva estatal é o princípio da repartição dos encargos públicos pela coletividade beneficiada pela atuação do Estado. A respeito deste princípio, leciona José dos Santos Carvalho Filho:

O Estado, ao ser condenado a reparar os prejuízos do lesado, não seria o sujeito pagador direto; os valores indenizatórios seriam resultantes da contribuição feita por cada um dos demais integrantes da sociedade, a qual, em ultima análise, é a beneficiária dos poderes e das prerrogativas estatais. Verifica-se, portanto, que os postulados que geraram a responsabilidade objetiva do Estado buscaram seus fundamentos na justiça social,... [01]

Assim, uma vez que as atividades administrativas são desenvolvidas no interesse de toda a coletividade, seus ônus devem ser suportados por todos. É a aplicação concreta do princípio da igualdade.

Convém examinar de forma detalhada o dispositivo constitucional em destaque: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de culpa ou dolo."

Pode-se verificar que a Constituição estabeleceu o mesmo regime de responsabilidade para as pessoas jurídicas de direito público e para as de direito privado prestadoras de serviço público, de modo que, dentro das mesmas circunstâncias, elas respondem igualmente de forma objetiva perante o terceiro lesado.

Ao mencionar "agentes", a Carta Magna quis abranger toda e qualquer pessoa que possui vínculo com as pessoas jurídicas de direito público e com as de direito privado prestadoras de serviços públicos, quer seja este vínculo permanente ou provisório, remunerado ou gratuito. Além disso, o agente deve estar atuando nessa qualidade, para que a norma incida.

Para a configuração da responsabilidade extracontratual objetiva, dispensa-se a aferição de culpa latu sensu (culpa strictu sensu ou dolo), sendo suficiente a conduta administrativa, o dano sofrido e o nexo de causalidade entre esses elementos. Dessa forma, cumpre ao lesado comprovar somente esses pontos, não sendo necessária a análise da culpa do agente causador do dano.

Ressalte-se, entretanto, que a responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco administrativo não se confunde com aquela baseada na teoria do risco integral [02], de modo que a responsabilidade do Estado pode ser afastada quando não haja nexo de causalidade entre a conduta administrativa e o dano sofrido. São as hipóteses de exclusão da responsabilidade, como quando se verifica a culpa exclusiva da vítima ou fatos imprevisíveis.

Apesar de a responsabilidade das prestadoras de serviço público ser objetiva, essas somente poderão exercer o direito de regresso se comprovada a culpa ou o dolo do agente causador do dano, que tem responsabilidade subjetiva.

Por fim, insta esclarecer que em relação às condutas omissivas do Estado, a despeito da divergência doutrinária e jurisprudencial, é dominante o entendimento de que a responsabilidade deste é subjetiva, fundando-se na teoria da culpa administrativa [03]. De acordo com essa teoria, o Estado somente poderá ser responsabilizado quando comprovada que a ausência ou o mau funcionamento do serviço público foi causa direta do prejuízo sofrido pelo terceiro, não sendo necessária a identificação do agente estatal que provocou o dano.

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3. Responsabilidade extracontratual das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público

Nos termos do artigo 175 da Constituição Federal de 1988, cumpre ao Poder Público diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

De acordo com o supracitado dispositivo constitucional, pode a pessoa jurídica de direito público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) transferir atribuições de sua titularidade para outra pessoa jurídica de direito privado, descentralizando a prestação dos serviços públicos. Essa transferência pode ocorrer de diversas formas, dentre as quais por meio de concessão, permissão e autorização de serviço público.

A transferência da atribuição de executar um serviço público implica a submissão das pessoas jurídicas de direito privado (concessionárias, permissionárias ou autorizatárias) às mesmas regras de responsabilidade extracontratual do Poder Público, quando se verificar a ocorrência de danos decorrentes da prestação do serviço, uma vez que atuam como seus substitutos. Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público "são verdadeira longa manus do Poder Público" [04].

Convém registrar que a fixação da responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos foi um avanço da vigente Constituição Federal. Isso porque as Constituições de 1946 e 1967, apesar de terem adotado a responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco administrativo, tão-somente contemplava como agentes responsáveis as pessoas jurídicas de direito público prestadoras de serviço público.

Saliente-se que a própria pessoa jurídica de direito privado é quem responde pelos danos decorrentes da prestação do serviço público, já que assume os riscos e as responsabilidades relativas às atividades desenvolvidas. Contudo, quando insuficiente o patrimônio da prestadora de serviço, responderá o Estado subsidiariamente, mas somente pelos danos decorrentes da prestação do serviço público.

A responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público frente aos usuários do serviço nunca foi objeto de contestação, tendo em vista a existência de relação jurídica contratual entre eles. Por outro lado, a extensão dessa responsabilidade aos não-usuários do serviço público prestado sempre suscitou controvérsias.

A respeito do tema, é possível encontrar autores que sustentam a sua interpretação restritiva e outros que defendem que a intenção do legislador constitucional foi ampliar ao máximo a proteção conferida ao cidadão. Essa polêmica também é visualizada nas decisões dos órgãos judiciários brasileiros.

Revela-se importante, portanto, a análise dos argumentos apresentados pela doutrina e pela jurisprudência para determinar a espécie de responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos em relação aos não-usuários, principalmente em face do crescente número de concessões e permissões de serviço público efetivadas pelo Estado.


4. Responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviço público em face aos não-usuários do serviço prestado

Inicialmente, é relevante destacar que o objetivo da Constituição Federal, ao contemplar expressamente a responsabilidade objetiva dos prestadores de serviço público, foi conferir proteção constitucional a todas as pessoas que estivessem submetidas aos riscos decorrentes da execução das atividades administrativas.

Trata-se de uma garantia conferida aos administrados, uma vez que, levando em consideração a posição superior em que se encontra o Poder Público, permite a imputação da obrigação de indenizar a esse, sem a necessidade de aferição da culpa do agente causador do dano.

Alguns doutrinadores defendem que a responsabilidade objetiva consagrada na Constituição Federal para as pessoas jurídicas de direito privado efetiva-se sempre que haja prejuízo do cidadão em decorrência da prestação de serviço público, não havendo que se distinguir a condição de usuário ou não-usuário do serviço.

Para os defensores desta tese, a Carta Magna estabelece o mesmo regime de responsabilidade para as pessoas de direito público e para as de direito privado, de modo que, dentro das mesmas circunstâncias, se a responsabilidade é objetiva para as pessoas jurídicas de direito público, também será para as de direito privado.

Nesse sentido, leciona Hely Lopes Meirelles:

"...não é justo e jurídico que a só transferência da execução de uma obra ou de um serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente,..". [05]

Ademais, a responsabilidade não pode ser definida em razão da condição da vítima, mas sim, nos termos do texto constitucional, pela qualidade do agente causador do dano e pela existência de dano em decorrência da prestação do serviço público.

Não se pode pretender criar um ônus maior para o lesado, na caracterização da responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, somente por ele não ter relação contratual com as prestadoras de serviço público.

Por outro lado, os defensores da tese de que a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público em relação aos não-usuários é subjetiva, sendo indispensável à aferição de culpa ou dolo do agente, sustentam que o termo "terceiro" contido no artigo 37, §6º, da Constituição Federal refere-se exclusivamente aos usuários do serviço público prestado.

Tal argumento, todavia, não é imune a objeções.

É importante esclarecer que a interpretação conferida por esses doutrinadores diverge da intenção do texto constitucional, ao estabelecer expressamente a responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público.

Numa interpretação sistemática, o único sentido que pode ser dado ao termo "terceiro" é de que corresponde a qualquer pessoa que não tenha vínculo funcional com a pessoa jurídica de direito público ou com a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.

Ademais, no que se refere às garantias constitucionalmente atribuídas aos cidadãos, às normas ampliativas de direitos, é uníssono o entendimento de que não cabe interpretação restritiva, mas sim extensiva, a fim de assegurar a efetividade dos direitos constitucionais, abrangendo o maior número de casos possíveis. Como já mencionado, a Constituição almejou proteger todas as pessoas que se submetem ao risco administrativo, logo, não há que se distinguir a condição das pessoas lesadas.

Em abono a tese ora esposada, leciona Luis Flávio Gomes: "Por força do princípio interpretativo pro homine cabe enfatizar: quando se tratar de normas que asseguram um direito, vale a que mais amplia esse direito; quando, ao contrário, estamos diante de restrições ao gozo de um direito, vale a norma que faz menos restrições (em outras palavras: a que assegura de maneira mais eficaz e mais ampla o exercício de um direito)". [06]

Deve-se frisar, ainda, que a Constituição Federal não criou diferença entre a responsabilidade objetiva do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, haja vista que a concessionária ou permissionária apenas substitui o Poder Público na execução do serviço, em razão do que qualquer distinção seria inapropriada.

Ressalte-se que esse entendimento não aniquila a possibilidade de a responsabilidade objetiva da prestadora ser afastada em face da presença de causa excludente do nexo causal, tais como: culpa exclusiva da vítima ou culpa de terceiro.

A despeito dos argumentos doutrinários expostos, a 2ª turma do Supremo Tribunal Federal, em 16 de novembro de 2005, no julgamento do RE 262651/SP, in verbis, que versava sobre a responsabilidade de uma concessionária do serviço público de transporte que bateu em um automóvel particular, entendeu, por votação majoritária, que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público somente é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não alcançando aqueles que não sejam.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º. I. -. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F. II. - R.E. conhecido e provido. A Turma, por votação majoritária, conheceu do recurso e lhe deu provimento, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e o Presidente, que lhe negavam provimento. [07]

Convém transcrever trecho do voto vencedor do Ministro Carlos Velloso:

Essa me parece, na verdade, a melhor interpretação do dispositivo constitucional, no concernente às pessoas privadas prestadoras de serviço público: o usuário do serviço público que sofreu um dano, causado pelo prestador do serviço, não precisa comprovar a culpa deste. Ao prestador do serviço é que compete, para o fim de mitigar ou elidir a sua responsabilidade, provar que o usuário procedeu com culpa, culpa em sentido largo. É que, conforme lição de Romeu Bacellar, "é o usuário detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal". A ratio do dispositivo constitucional que estamos interpretando parece-me mesmo esta: porque o "usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal", não se deve exigir que, tendo sofrido dano em razão do serviço, tivesse de provar a culpa do prestador desse serviço.

Fora daí, vale dizer, estender a não-usuários do serviço público prestado pela concessionária ou permissionária a responsabilidade objetiva — CF, art. 37, § 6º — seria ir além da ratio legis.

Ao comentar a decisão do Supremo Tribunal Federal, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma:

Ressalte-se que para a deflagração da responsabilidade pública tal como prevista no art. 37, §6º, o Texto Constitucional não faz qualquer exigência no que concerne à qualificação do sujeito passivo do dano; isto é: não requer que os atingidos pelo dano o sejam a titulo de usuários. Portanto, para a produção dos efeitos supostos na regra é irrelevante se a vítima é usuário do serviço ou um terceiro em relação a ele. Basta que o dano seja produzido pelo sujeito na qualidade de prestador do serviço público. Também não se poderia pretender que, tratando-se de pessoa de Direito Privado, a operatividade do preceito só se daria quando o lesado houvesse sofrido o dano na condição de usuário do serviço, porque o texto dá tratamento idêntico às "pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos". Assim, qualquer restrição benéfica a estes últimos valeria também para os primeiros, e ninguém jamais sufragaria tal limitação à responsabilidade do Estado. Por surpreendente que seja, O Supremo Tribunal Federal, em uma caso de particular prestador de serviço público, já decidiu em sentido diverso ao que se vem sustentar [08] (destacamos)

Ademais, convém registrar entendimento esposado por Sérgio Cavalieri Filho, a respeito do caso em espeque:

O entendimento é surpreendente, porque a norma constitucional fala expressamente em terceiros. E terceiro indica alguém estranho ao prestador de serviços públicos, alguém com o qual não tem relação jurídica preexistente. Logo o §6º do art. 37 da Constituição só se aplica à responsabilidade extracontratual. Ora, o usuário do serviço de transporte tem contrato com o transportador, pelo que não pode ser considerado terceiro. A responsabilidade deste para aquele é contratual. [09]

A decisão em análise foi proferida por uma das turmas do STF, razão pela qual não se pode afirmar ser este o posicionamento dominante da Corte Suprema.

A discussão sobre essa matéria foi suscitada novamente no STF, no RE 459749, submetido desta vez a julgamento pelo seu plenário. A despeito de o julgamento do recurso estar suspenso para análise de pedido de homologação de transação efetivada pelas partes no Juízo de origem, conforme publicação do dia 01/02/2008, é relevante analisar os votos proferidos no julgamento do recurso antes de sua suspensão, que revelam a tendência existente no STF a respeito do assunto.

Convém transcrever a ata de julgamento (informativo nº. 458)

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que, com base no princípio da responsabilidade objetiva (CF, art. 37, § 6º), condenara a recorrente, empresa privada concessionária de serviço público de transporte, ao pagamento de indenização por dano moral a terceiro não-usuário, atropelado por veículo da empresa. O Min. Joaquim Barbosa, relator, negou provimento ao recurso por entender que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva também relativamente aos terceiros não-usuários do serviço. Asseverou que, em razão de a Constituição brasileira ter adotado um sistema de responsabilidade objetiva fundado na teoria do risco, mais favorável às vítimas do que às pessoas públicas ou privadas concessionárias de serviço público, toda a sociedade deveria arcar com os prejuízos decorrentes dos riscos inerentes à atividade administrativa, tendo em conta o princípio da isonomia de todos perante os encargos públicos. Ademais, reputou ser indevido indagar sobre a qualidade intrínseca da vítima, a fim de se verificar se, no caso concreto, configura-se, ou não, a hipótese de responsabilidade objetiva, haja vista que esta decorre da natureza da atividade administrativa, a qual não é modificada pela mera transferência da prestação dos serviços públicos a empresas particulares concessionárias do serviço. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto que acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau. RE 459749/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.3.2007. (RE-459749) (destacamos)

O fato de a Administração Pública resolver executar os serviços públicos que lhe competem indiretamente, por meio da sua delegação às pessoas jurídicas de direito privado, não pode implicar a redução das garantias asseguradas constitucionalmente aos administrados.

Nesse sentido, pronunciou-se o Ministro Joaquim Barbosa, ao proferir seu voto no RE 262651/SP:

"Penso ser incabível tal distinção em matéria de responsabilidade civil do Estado. Para fins de fixação dessa responsabilidade, é inteiramente irrelevante uma ou outra qualidade ou condição pessoal da vítima dos danos. Introduzir uma distinção adicional entre os usuários e não usuários do serviço significa um perigoso enfraquecimento do princípio da responsabilidade objetiva, cujo alcance o constituinte de 1988 quis o mais amplo possível". (destacamos)

Além disso, a fixação da responsabilidade subjetiva para a pessoa jurídica privada prestadora de serviço público, quando seu agente causa dano a não-usuário, impondo a este o ônus de comprovar a culpa do agente, acarreta a violação do regime isonômico de responsabilidade estabelecido pela Constituição Federal entre as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado.

Sobre a autora
Edna Ribeiro Santiago

Procuradora da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Edna Ribeiro. Responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público em relação aos não-usuários do serviço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1782, 18 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11198. Acesso em: 18 dez. 2024.

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