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Condomínios e proibição de hospedagem paga.

Agenda 06/12/2024 às 18:39

Discute-se a deliberação de condôminos para proibir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem.

Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que julgou procedente o pedido para impedir os réus, ora Recorrentes, de exercerem a atividade de alojamento/hospedagem remunerada em unidades residenciais de condomínio edilício cuja convenção impõe a destinação residencial de todas as unidades.

O case possui caráter de grande relevância jurisprudencial na medida em que a atividade dos réus, objeto da ação, foi também intermediada pela plataforma digital Airbnb, através da qual foram realizados anúncios e efetivados negócios com usuários para a hospedagem remunerada. Nesse sentido, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, deferiu o ingresso da AIRBNB Ireland UC como Assistente Simples dos Recorrentes, com base em seu interesse jurídico na solução da controvérsia.

No entanto, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial nos termos do voto do Ministro Raul Araújo, acompanhado pelos votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e do Ministro Antonio Carlos Ferreira, com fundamento, em síntese, de que a atividade exercida, com as peculiaridades narradas nos autos, constitui contrato atípico de hospedagem, equiparando-se aos serviços regidos pela Lei 11.771/2008 (contratos de hospedagem) e, portanto, possuindo cunho eminentemente comercial e lucrativo. Dessa forma, tal destinação dos imóveis não se coadunaria com a finalidade estritamente residencial imposta pela convenção condominial, que possui força normativa conferida pelos artigos 1.332, III e 1.333 do Código Civil (CC).

Ocorre que, mais acertadamente, o Ministro Relator Luis Felipe Salomão, do qual divergiram os demais, votou pelo provimento do especial para julgar improcedente o pedido inicial, e utilizou como fundamento principal a impossibilidade de privar os condôminos do uso, gozo e disposição da coisa, isto é, do exercício do direito de propriedade em sua vertente de exploração econômica, conforme o art. 1.228, caput e § 1º, do CC.

Em uma leitura atenta da discussão instaurada na instância superior, torna-se perceptível que o cerne da controvérsia está sobre questões essencialmente jurídicas, visto a ausência de clareza acerca das consequências fáticas da atividade exercida pelos Recorrentes nas relações com a vizinhança do condomínio recorrido. As poucas especificações fáticas narradas nos autos são utilizadas interpretativamente pelos Ministros para apoiar as conclusões de seus votos, como se vê através de afirmações divergentes sobre os acontecimentos:

Por sua vez, embora também invocado pelo Tribunal, não constam dos autos as deliberações levadas a efeito na alegada Assembleia de Condomínio, que teria tratado das atividades relativas aos recorrentes, estando alheia tal questão, portanto, à discussão dos autos.

Não bastasse a ausência de qualquer lei que limite tal comportamento dos requeridos (princípio da legalidade), há que se ressaltar que os recorrentes realizam as atividades de disponibilização de seus imóveis, na forma como apresentado, desde o ano de 2011, sem que tenha havido oposição, ao menos pelo que evidencia, de insurgência dos demais condôminos em relação a tais atividades.

Tampouco há prova alguma ou elemento indiciário de quebra ou vulneração de segurança quanto ao convívio no condomínio. Ao revés, há mesmo uma ideia de que a locação realizada por tal metódo (plataforma virtual) é até mais seguro - tanto para o locador quanto para a coletividade que com o locatário convive, porquanto fica o registro de toda a transação financeira e os dados pessoais deste e de todos os que vão permanecer no imóvel, inclusive com históricos de utilização do sistema.

(Voto do Ministro Relator Luis Felipe Salomão, Recurso Especial n.º 1.819.075/RS)

Conforme se constata do panorama fático descrito pelas instâncias ordinárias e acima reproduzido em grande parte, o Condomínio autor, ora recorrido, não se volta propriamente contra a possibilidade de os réus realizarem contratação de aluguel de longa ou regular duração com terceiros. O Condomínio se diz prejudicado é pela específica prática dos ora recorrentes de disponibilizarem a terceiros hospedagem remunerada e de curta duração, de franca rotatividade, perturbando a rotina de um condomínio edilício residencial e trazendo insegurança àquela coletividade.

(Voto do Ministro Raul Araújo, Recurso Especial n.º 1.819.075/RS)

Portanto, o deslinde das conclusões adotadas se dá, principalmente, com base na solução de duas questões preceituais: a natureza finalística das atividades de hospedaria exercidas pelos recorrentes, se comercial ou residencial, e a extensão da força normativa da convenção condominial. Com base nas respostas a essas questões, será definido, por cada Ministro, se a conduta dos Recorrentes mais se aproxima da atividade de locação para fins residenciais, ainda que por temporada, ou dos serviços de hospedagem fornecidos por estabelecimentos comerciais como hotéis, motéis, pousadas, apart-hotéis, entre outros; e, assim, se atrairá a incidência ou não da norma condominial que prevê a destinação exclusivamente residencial das unidades do edifício.

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A questão de se identificar o diploma legislativo por excelência, isto é, a norma primária, que regerá a situação concreta torna-se ineficaz na medida em que é incontroverso para todos os Ministros que a situação narrada possui peculiaridades incabíveis para o enquadramento nas leis vigentes, como consta na ementa do referido acórdão:

(...) 4. Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações).

(...) 6. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisora de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008.

(REsp 1.819.075/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 27/05/2021)

Diante disso, os argumentos utilizados pelo Ministro Relator Luis Felipe Salomão são essencialmente mais relevantes para a solução da controvérsia no que diz respeito às principais questões de direito acima aventadas.

Em primeiro lugar porque a atividade de disponibilização remunerada de imóveis, ou de parte deles (cômodos), para ocupantes sem vínculo entre si sempre existiu em muitas formas e com variada complexidade, tendo sido somente potencializada pela internet e pelas plataformas digitais para o que se denomina de “economia de compartilhamento”. Assim, é impossível generalizar o grau da natureza de exploração comercial e lucrativa em que essas atividades estão sendo exercidas, ainda que associadas à prestação de serviços como disponibilização de internet, café da manhã, televisão a cabo, limpeza, etc.

A ponderação mais correta sempre se dará caso a caso, de modo que se evidencie, através das circunstâncias fáticas, o nível de complexificação econômica em que a atividade está sendo exercida e como isso está impactando concretamente a utilização escorreita da unidade residencial do condomínio edilício, em consonância com as normas de vizinhança e com a função social da propriedade previstas nos artigos 1.228, § 1º, e 1.336, IV, do Código Civil.

Na hipótese, percebe-se que a atividade praticada pelos Recorrentes, mesmo que incluindo a disponibilização dos serviços de internet e lavagem de roupas, possui nítido caráter rudimentar e incipiente comparada à ampla estrutura de prestação de serviços do setor de hotelaria e turismo, e comparada, inclusive, a outros hospedeiros que se utilizam das mesmas plataformas digitais para constituir verdadeiras empresas de prestação do serviço de hospedaria em média/larga escala.

Em segundo lugar, não há como negar que o direito de propriedade abrange sua utilização na vertente de exploração econômica da coisa: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas (...)”, art. 1.228, § 1º, do CC. Do contrário, não poderia ser admitida a locação de bens imóveis, inclusive por temporada, em condomínios cuja convenção prevê a destinação exclusivamente residencial, visto que a finalidade da locação é, primariamente, econômica e, somente em um segundo momento, residencial. Além disso, inadmitida a exploração econômica de imóveis em condomínios edilícios, a crise de habitação do país seria aprofundada sem qualquer motivo plausível, social ou jurídico.

Dessa forma, é vedado o tolhimento ao direito de propriedade, ainda que em sua vertente econômica, visto ser direito fundamental protegido constitucionalmente (art. 5º, XXII, CF), senão pelas limitações impostas razoavelmente pela função social que dele se espera, também prevista constitucionalmente (art. 5º, XXIII, CF).

Com isso, pretende-se expor que a regra instituída pelo condomínio Recorrido, citada a seguir, é demasiadamente genérica e abstrata diante dos variados níveis de complexidade e graus de exploração econômica que potencialmente fomentarão as atividades exercidas pelos seus condôminos quanto às unidades residenciais: "Art. 4º - As unidades autônomas destinam-se a fins residenciais.", artigo 4º da Convenção do Condomínio EDIFICIO COORIGHA.

Não há como interpretá-la de maneira ampliativa, concedendo força normativa para impedir a exploração econômica em pequena escala das unidades residenciais, em face do princípio da legalidade nas relações privadas – tudo aquilo que não for proibido pela lei, é permitido aos particulares – e do direito de propriedade exposto, em sua vertente de exploração econômica.

Nesse sentido, deverão os condôminos deliberar em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), para a incorporação de modificação à Convenção do Condomínio, não para permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem, como consta na ementa no referido acórdão, mas, ao contrário, para a especificação bem delimitada de quais formas de exploração econômica das unidades não serão permitidas por influírem concretamente no preparo dos funcionários, no funcionamento regular das áreas comuns ou na estrutura de segurança do edifício. A assembleia deverá estipular regras claras como o tempo mínimo ou máximo de estadia por hóspede e a quantidade máxima de ocupantes para cada unidade, sendo completamente ilícita e desarrazoada a proibição completa da atividade.

Sobre o autor
Luiz Fernando Nantes Braz Riquelme

Graduando em direito pela Universidade de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIQUELME, Luiz Fernando Nantes Braz. Condomínios e proibição de hospedagem paga.: Comentário crítico: Recurso Especial n.º 1.819.075/RS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7828, 6 dez. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112052. Acesso em: 19 dez. 2024.

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