V – Dos honorários dos profissionais liberais, ressalvados os advocatícios. Órgão competente para o litígio disso decorrente.
Com exceção dos advogados e seus clientes, já que neste tanto inexiste relação de consumo, para os demais profissionais liberais aplica-se a lei consumeirista, como exsurge da doutrina e jurisprudências colacionadas:
"Na linguagem deste Código, o paciente é o consumidor para quem se presta um serviço; o médico, o fornecedor que desenvolve atividades de prestação de serviços; e o ato médico, uma atividade mediante remuneração a pessoas físicas ou jurídicas sem vínculo empregatício." (31)
"Paciente que por negligência não cumpre as recomendações prescritas pelo médico assume o risco de eventuais danos, vez que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa, conforme art. 14, § 4º do Código de Defesa do consumidor." (32)
"PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DO RÉU QUE FIGUROU COMO ENGENHEIRO QUE ELABOROU O PROJETO E A EXECUÇÃO DA OBRA AFASTADA, VISTO QUE ESSA CONDIÇÃO O TORNOU SOLIDARIAMENTE RESPONSÁVEL PELOS DEFEITOS E IMPERFEIÇÕES NELA HAVIDOS, JUNTAMENTE COM O SEU CONSTRUTOR, TANTO EM FUNÇÃO DO ARTIGO 1.245 DO CÓDIGO CIVIL DE 1.916 QUANTO DO ARTIGO 12 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA ANTE O RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE CONSUMO ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES". (33)
Naturalmente, se os ditos profissionais liberais forem cobrar/executar seus honorários, por certo, e a parte adversa verificar algum defeito na prestação do serviço, arrimando-se no Código de Defesa do Consumidor, espelhará tratar-se este enlace de uma relação consumeirista, nada tendo de trabalhista, o que, por si só, já atrai o art. 3º, § 2º, primeira parte, da Lei nº 8.078/90.
Aliás, para as lides de consumo, a justiça peculiar é a dos Estados, até mesmo porque o jurisdicionado poderá lançar mão do Juizado Especial, de jeito que dirigir a competência em casos tais para a Justiça do Trabalho feriria de morte o art. 5º, XXXII, da Carta Política e art. 93, do diploma consumeirista.
Não fosse isso o suficiente, em momento algum o art. 114, I, da Lei Mater, se previu – e nem podia fazê-lo – a viabilidade do Poder Judiciário Trabalhista processar e julgar ações motivadas em questões de consumo, o que, mais um vez, põe à mostra que esta Justiça Especializada será competente para dirimir, isto sim, conflitos oriundos da "relação de trabalho", aqui entendidas aquelas fulcradas em contratos de atividades, o que exclui, incontestavelmente, as avenças puras de prestação de serviços advocatícios, como esposado no tópico antecedente.
Por derradeiro, salvantes as hipóteses de transação na conciliação prévia, do termo de ajustamento de conduta, dentre outras poucas, a EC 45/04 não fez elencar no art. 114 da Carta da República a factibilidade de execução de outros títulos extrajudiciais, como, aliás já era reconhecido pela boa doutrina:
"Títulos extrajudiciais não poderão ser cobrados na Justiça do Trabalho, como ocorre com cheques, notas promissórias, duplicatas etc." (34)
Então, algo é certo: nenhum profissional liberal, amparado em cheque, nota promissória, duplicata, ou outro título representativo da paga de seus respectivos honorários, poderá executá-los perante a Justiça Obreira, por absoluta incompetência desta.
Ainda que recentemente o Superior Tribunal de Justiça tenha entendido que a honorária, quer seja contratual, ou sucumbencial, detenha natureza alimentar.
Confira-se a propósito:
"A Corte Especial do STJ reconheceu a divergência, e adotou o entendimento firmado pela 3ª Turma. "Os honorários advocatícios (...) têm natureza alimentar, sendo equiparáveis a salários. Sendo assim, tal crédito está abrangido pela impenhorabilidade disposta pelo artigo 649, inciso IV, do Código de Processo Civil e, portanto, está excluído do decreto de indisponibilidade", afirmou o relator dos embargos de divergência, ministro Teori Albino Zavascki, ao votar. (Eresp nº 724158).
Veja o que diz o CPC
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
Pela decisão do STJ os honorários recebidos a título de sucumbência passam a se equiparar aos contratuais, ganhando caráter alimentar e sendo, assim, impenhoráveis." (35)
É de se dizer que o signo da alimentariedade dos honorários advocatícios, por si só, não traslada a competência quando se tratar de litígio entre advogado e cliente, arrimado em mandato judicial (natureza civil) para a Justiça do Trabalho, a menos que o conflito de interesses esteja vinculado a um pacto de atividade, o que ocorre, por exemplo, quando um causídico se torna praticamente exclusivo na defesa dos interesses de uma empresa, como se dá com os bancos, grandes supermercados, etc.
Porque, se o caráter alimentar fosse o bastante para o deslocamento da competência, nos ilícitos que geram pensionamento mensal, a guisa dos de acidentes de trânsito (art. 950, CC), cuja indenização é supletiva à redução da capacidade laborativa do infortunado, chegar-se-ia ao absurdo de imaginar que a competência seria da Justiça Obreira!
VI – Das conclusões:
Feitas tais considerações, é de se dizer:
a) A Justiça do Trabalho não tem competência para dirimir lides envolvendo a cobrança de honorários advocatícios cujos litigantes sejam o advogado e seu cliente, ou vice-versa, já que não se cuida de relação de trabalho e, muito menos, de consumo, sobrando-lhe a caracterização do feitio puramente civil;
b) A Justiça do Trabalho será competente para processar e julgar litígios envolvendo advogado e seu cliente quando o primeiro prestar serviços praticamente de modo exclusivo a este último, bem como a atuação do causídico servir ao fomento da própria atividade lucrativa do tomador de seus préstimos, o que ocorre frequentemente no caso das instituições financeiras que se valem do trabalho do operador do Direito para alavancar e manter seu aporte financeiro. Em caso tal, está-se diante de um contrato de atividade, que por si mesmo já enquadra na faina no gizado pelo inciso I, do art. 114, da Constituição Federal;
c) A incompetência da Justiça do Trabalho, no conflito de interesses exclusivamente surgido entre advogado e seu cliente, sem que esse labor interfira na roda da produtividade desse último, se justifica ainda mais pela circunstância de que o Poder Judiciário Obreiro tem como escopo a protetividade do prestador de serviço, o que choca, muitas vezes, com o ideal de amparo que se deve dar ao tomador da força de trabalho. Essa mesma problemática não ocorre quando o advogado estiver laborando com vistas ao incremento da sinérgica fonte econômico-financeira de seu "patrão", uma vez que rompido esse liame, deve-se dar suporte a parte mais vulnerável, a qual, por intuitiva razão, aponta para a figura daquele que emprestara seu talento intelectual;
d) A Justiça do Trabalho será incompetente para solucionar perlengas envolvendo a cobrança/execução de honorários dos profissionais liberais, uma vez que o pólo passivo, em situações tais, poderá ventilar como defesa defeito na prestação do labor, o que exclui a índole trabalhista desse dissídio, colocando-a no berço do acolhimento consumeirista (art. 3º, § 2º, primeira parte), que, por essa mesma razão, fixa como órgão próprio para solver este impasse a Justiça Comum (Estadual ou Federal), como ressai do contido no art. 93, da Lei nº 8.078/90;
e) Ressalvadas as hipótese de títulos extrajudiciais que poderão advir na Justiça do Trabalho, mormente os afetos às transações em câmaras de Conciliação Prévia, termo de ajustamento de conduta, ou outros, como sói acontecer com os que guarnecem honorários profissionais, não poderão ser executados na Justiça Obreira, visto que esta competência não encontra fundamento em nenhum permissivo do art. 114, da Lei Maior;
f) Derradeiramente, ingresso de lides na Justiça do Trabalho que prendam desatavios entre clientes e advogados, excetuadas as hipóteses em que estes trabalhem de modo praticamente exclusivo para aqueles, se decididas, ainda que portadoras de sentença com trânsito em julgado, desde que não transcorridos o biênio decadencial, poderão ser fulminadas por ação rescisória, ante à incompetência absoluta de seus prolatores ( art. 485, II, do Código de Processo Civil).
VI – Referências Bibliográficas
(01) SANDIM, Emerson Odilon. A nova competência da Justiça do Trabalho e a questão dos honorários advocatícios: cabimento e executoriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1018, 15 abr. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8243>. Acesso em: 13 set. 2007.
(02) MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 2 ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
(03) DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: Ltr, 2005, p.103.
(04) Idem, p. 119.
(05) GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 47.
(06) TRT da 23ª Região. Processo nº 00270.2007.022.23.00-7. 2ª Turma. Rel. Des. LUIZ ALCÂNTARA. Data de julgamento: 15/08/2007.
(07) TJMG. Processo nº 1.0145.04.180090-8/001(1). Rel. Des. D. VIÇOSO RODRIGUES. Data de julgamento: 06/04/2006.
(08) TJDFT. Processo nº 20060110636452APC. 6ª Turma Cível. Rel. Des. SANDRA DE SANTIS. Data de julgamento: 06/09/2006.
(09) TJMS. Processo nº 2003.011823-3. 4ª Turma Cível. Rel. Des. PASCHOAL CARMELLO LEANDRO. Data de julgamento: 27/06/2006.
(10) TJRS. Processo nº 0018262527. 16ª Câmara Cível. Rel. Des. HELENA RUPPENTHAL CUNHA. Data de julgamento: 11/04/2007.
(11) MAIOR, Jorge Luiz Souto. Relação de emprego e direito do trabalho: no contexto da ampliação da competência da justiça do trabalho. São Paulo: Ltr, 2007, p. 97/98.
(12) TJMG. Processo nº 1.0145.04.180090-8/001(1). Cit..
(13) TJDFT. Processo nº 20060110636452APC. Cit..
(14) TJMS. Processo nº 2003.011823-3. Cit..
(15) BRAVO, Maria Celina; SOUZA, Mário Jorge Uchoa. O contrato do terceiro milênio. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2365>. Acesso em: 05 out. 2007.
(16) TJDFT. Processo nº 20030110257298APC. 4ª Turma Cível. Rel. Des CRUZ MACEDO. Data de julgamento: 27/03/2006.
(17) Idem.
(18) STJ. Processo nº REsp 539077/MS. 4ª Turma. Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Data de julgamento: 26/04/2005.
(19) STJ. Processo nº 48976/MG. 1ª Seção. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Data de julgamento: 09/08/2006.
(20) STJ. Processo nº 510220/SP. 3ª Turma. Rel. Min. CASTRO FILHO. Data de julgamento: 16/05/2006.
(21) TJMG. Processo nº 1.0707.03.072104-7/001(1). Rel. Des. FRANCISCO KUPIDLOWSKI. Data de julgamento: 17/05/2007.
(22) TRT da 15ª Região. Processo nº 01664-2006-130-15-00-8 RO. Rel. Des. ANA AMARYLIS VIVACQUA DE OLIVEIRA GULLA.
(23) SILVA, Edson Braz da. Direito do Trabalho Resumido: distinção entre o contrato de emprego e outros contratos de atividade. Unidade 11. Vol. 1. Disponível em: <http://www.ucg.br/site_docente/jur/edson/pdf/11.pdf>. Acesso em: 08 out. 2007.
(24) TRT da 3ª da Região. Processo nº 1.0518.02.025398-6/001(1). Rel. Des. DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA. Data de julgamento: 20/07/2006.
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(26) STJ. Processo nº Processo nº CC 52719/SP. 1ª Seção. Rel. Min. DENISE ARRUDA. Data do julgamento: 11/10/2006.
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(30) Notícia extraída do site do STJ. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=85520>. Acesso em: 13 nov. 2007.
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(32) TJPR. Processo nº 0341172-3. 8ª Câmara Cível. Rel. Des. Macedo Pacheco. Data de julgamento: 02/08/2007.
(33) TJPR. Processo nº 0166000-4. 6ª Câmara Cível. Rel. Des. Duarte Medeiros. Data de julgamento: 18/09/2007.
(34) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. 21ª. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 648/649.
(35) http://www.espacovital.com.br:80/noticia_ler.php?idnoticia=10139, acessado em 04/04/08