4 EFICÁCIA PROBATÓRIA DOS CONTRATOS PELA INTERNET
A maioria dos perigos e dos problemas inerentes ao ambiente virtual foram devidamente demonstrados no capítulo anterior, os quais afetam diretamente a questão da validade jurídica dos contratos celebrados na grande rede, levando-nos à seguinte pergunta: quais são os métodos atualmente idealizados para a resolução de tais questões?
4.1 Documento eletrônico
Os documentos são meios criados para o registro de informações das mais variadas possíveis, sejam imagens, textos, etc., com o fim de conservá-las em uma base estável, perene, imune ao tempo, tendo como principal representante histórico o papel. Note-se que a diferença entre o documento tradicional em papel e o documento eletrônico é justamente a sua base [99], sendo que aquele utiliza um suporte imediatamente representativo, que permite uma percepção sensorial imediata do conteúdo das informações registradas, ao contrário deste, que é composto por uma seqüência de bits armazenada em um suporte mediatamente representativo (disquete, cd-rom, disco rígido, etc.), necessitando de um aparato específico (computador, etc.) para o acesso ao seu conteúdo.
O documento eletrônico vem tendo uma crescente utilização para os mais diversos fins (peticionamento eletrônico, declaração do IR pela internet, etc.) em razão de sua facilidade de uso, economia de recursos e velocidade de transmissão, podendo até vir a substituir completamente o papel no nosso dia a dia, em um futuro próximo.
Entretanto, por enquanto, o documento em papel ainda é o mais comumente utilizado no cotidiano, inclusive como meio de prova em processos judiciais, o que não significa que o documento eletrônico não tenha validade jurídica, eis que o direito processual civil brasileiro consagrou o regime de prova livre [100], onde qualquer meio probatório legal é admitido, valendo, nesse sentido, destacar os seguintes dispositivos legais:
"Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I - confissão; II - documento; III - testemunha; IV - presunção; V - perícia." (Art. 212, CC).
"O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento." (Art. 131, CPC).
"Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa." (Art. 332, CPC).
"O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor." (Art. 333, CPC).
"Não dependem de prova os fatos: I - notórios; II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III - admitidos, no processo, como incontroversos; IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade." (Art. 334, CPC).
"Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial." (Art. 335, CPC).
"Incumbe o ônus da prova quando: I - se tratar de falsidade de documento, à parte que a argüir;" (Art. 389, CPC).
"A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados." (Art. 401, CPC).
"Qualquer que seja o valor do contrato, é admissível a prova testemunhal, quando: I - houver começo de prova por escrito, reputando-se tal o documento emanado da parte contra quem se pretende utilizar o documento como prova;" (Art. 402, CPC).
Os documentos eletrônicos constituem, no mínimo, início de prova para a instrução processual [101], podendo ser complementados por outros meios probatórios, como por comprovantes de pagamento bancário, por prova testemunhal (ex: quem viu o recebimento de determinada mercadoria comprada pela internet), e até mesmo por prova pericial (ex: para verificar a procedência de uma mensagem eletrônica). Importante ressaltar que é possível requerer, no curso do processo, a inspeção judicial (art. 440, CPC – ex: para a verificação do conteúdo de um website) e a exibição de documento ou coisa que se ache em poder do Réu (art. 355, CPC – ex: para a instrução do processo). Tais expedientes também são possíveis em sede de medida cautelar preparatória (arts. 796 a 812, e 844 do CPC), assim como a produção antecipada de provas (art. 846, CPC) e a busca e apreensão de coisa (art. 839, CPC – ex: computador para a realização de perícia), caso haja fundado receio de que a parte contrária venha a destruir ou alterar as provas, ou nas demais previsões legais.
4.2 Criptografia
Um dos maiores problemas enfrentados nos contratos pela internet é a questão da preservação da integridade dos dados originais de um documento eletrônico, cujo atual grau de força probatória judicial (mínimo) decorre justamente da facilidade de ser alterado ou adulterado, sem que tal procedimento deixe vestígios aparentes.
Este problema vem sendo superado por meio da criptografia [102], que permite a codificação de documentos com base em algoritmos matemáticos denominados de chaves, que, em suma, são seqüências de caracteres utilizados para codificar e decodificar mensagens. São dois [103] os principais métodos criptográficos utilizados no meio informático. O primeiro método é a criptografia de chave única (denominada de criptografia simétrica), que utiliza a mesma "chave" para codificar e decodificar documentos, sendo aplicada, por exemplo, nas conexões seguras via web (comunicações entre o browser e um site) baseadas no protocolo SSL (secure socket layer), em sites identificados pela sigla "https" (secure hiper text transfer protocol) no início da URL, geralmente bancários. O segundo método é a criptografia de chaves pública e privada (denominada de criptografia assimétrica), que utiliza um par de chaves distintas para codificar e decodificar documentos, sendo que a chave pública é de livre divulgação, enquanto que a chave privada é secreta ao seu dono. Desta forma, uma mensagem codificada com a chave pública somente pode ser lida com a respectiva chave privada do par, e uma mensagem codificada com a chave privada somente pode ser lida com a chave pública.
4.3 Assinatura digital
Superada a questão da preservação da integridade dos documentos eletrônicos, resta ainda a questão da identificação das partes na grande rede, que também é muito problemática [104], dependendo por várias vezes de elementos indiretos como o endereço IP, servidores utilizados, etc., o que torna a contratação impessoal e insegura, ante a ausência física dos contraentes, que acabam não sabendo com quem estão negociando.
De fato as informações cadastradas junto a um site ou fornecidas por e-mail não são suficientemente seguras para garantir a identidade dos usuários, haja vista a possibilidade de utilização de dados falsos, inverídicos, durante a formação do pacto.
Tudo fica mais fácil se a parte contrária admite a veracidade dos fatos afirmados em um processo, mesmo tacitamente, nos termos do art. 334 do CPC, entretanto, isto nem sempre acontece, razão pela qual surgiu a necessidade de criação de um método que pudesse atribuir plena validade jurídica ao documento eletrônico, garantindo segurança tanto com relação à sua integridade quanto com relação à identificação de seu "subscritor", dispensando assim qualquer necessidade de instrução probatória suplementar.
Uma alternativa trazida na obra de Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho [105] é a identificação das partes por meio da impressão digital, ou por meio da íris de uma pessoa, entretanto tais métodos demandariam altos gastos com compra de periféricos para a leitura dos olhos ou dos dedos dos usuários, o que acaba os tornando inviáveis.
A assinatura digital [106] é um método simples que atende plenamente a tal finalidade, servindo como meio eficiente de identificação das partes (funcionando como uma assinatura física), e adicionalmente como meio de prova dos atos e negócios pela internet, resguardando a integridade e autenticidade do documento eletrônico por meio da criptografia.
A assinatura digital atualmente utilizada trabalha [107] com o sistema de criptografia assimétrica, com um par de chaves (chave privada e chave pública), e funciona da seguinte forma: no momento em que um documento eletrônico está pronto, acabado, seja um contrato ou uma declaração, seja em um software de edição de textos ou em um software de e-mail, etc., o usuário que o redigiu utiliza a sua chave privada para "assinar" o documento, momento no qual ele é criptografado (resumido em uma seqüência denominada hash, a qual é codificada em algoritmos matemáticos), passando a conter o registro de quem o redigiu.
Por fim, por meio da respectiva chave pública do par será possível verificar a integridade do documento e aferir a identidade de quem o "assinou", por meio da seqüência hash (qualquer alteração do documento eletrônico após o uso da chave privada será acusada quando da utilização da chave pública, o que invalidará a assinatura digital dantes utilizada).
Importante ressaltar que a assinatura digital também pode ser utilizada para a verificação da procedência de sites na internet, como faz, por exemplo, o site do Banco do Brasil [108], que possui assinatura digital própria, certificada eletronicamente pela empresa VeriSign [109], podendo ser constatada no próprio browser, durante o acesso ao site, o que serve para dar segurança aos usuários, no sentido de que não estão acessando falsificações (fakes).
4.4 Autoridade certificadora
A assinatura digital, por si só, também não é suficiente para garantir a veracidade da autoria do documento eletrônico, eis que existem vários softwares no mercado que permitem a utilização desta tecnologia de identificação e proteção de dados, ou seja, qualquer pessoa pode assinar digitalmente um documento eletrônico, com o nome que quiser. Mas então como atribuir plena certeza à autoria de uma assinatura digital? A resposta é: por meio de uma entidade, denominada de Autoridade Certificadora – AC [110], que identifique presencialmente as partes, coletando seus dados pessoais como o nome, a identidade, o C.P.F., e o endereço (no caso de pessoa física), ou seus dados comerciais como denominação, C.N.P.J., e sede (no caso de pessoa jurídica), e distribuindo a cada uma delas o certificado eletrônico, e o respectivo par de chaves assimétricas, desenvolvido com o uso de codificação exclusiva da AC, composto pela chave privada (para a assinatura digital), e pela chave pública (para a conferência, por terceiros, das assinaturas feitas com a chave privada).
Sabe-se que a simples verificação de identidade por meio da chave publica do usuário não garante veracidade da autoria do documento eletrônico, eis que somente a chave pública não realiza a vinculação entre o par das chaves, os dados do subscritor, e sua Autoridade Certificadora (terceiro de confiança). É nesse contexto que o certificado eletrônico foi desenvolvido [111], o qual contém o registro dos dados pessoais, da chave pública e da autoridade certificadora do usuário, servindo como uma espécie de documento de identidade, atestando o vínculo entre o proprietário da chave privada e sua respectiva chave pública, sendo assinado digitalmente pela AC que o emitiu (a verificação da autenticidade de tal assinatura pode ser feita por meio da chave pública da autoridade assinante), que é a mesma que inicialmente distribuiu o par de chaves assimétricas ao respectivo usuário certificado.
Os certificados eletrônicos geralmente são enviados junto com o documento eletrônico digitalmente assinado para verificação pelo destinatário, funcionando como se fosse a cópia da identidade do remetente. Ademais, independentemente do certificado eletrônico (que permite a rápida conferência da identidade), a verificação da assinatura digital também pode ser feita diretamente junto à Autoridade Certificadora, como se esta fosse um "cartório eletrônico", reconhecendo "firmas digitais" em documentos eletrônicos assinados por seus usuários, bem como autenticando as cópias físicas de tais documentos.
Em se tratando se uma Infra-estrutura de Chaves Públicas – ICP, as autoridades certificadoras se organizam da seguinte forma: existe uma AC – Raiz, hierarquicamente superior, cujo certificado eletrônico (que contém a chave pública) é auto-assinado pela sua própria chave privada, denominada de chave raiz (chave inicial que valida todas as chaves expedidas em níveis inferiores), por meio da qual os certificados eletrônicos (que contém a chave pública) das AC – Intermediárias são assinados, sendo que, a seu turno, as chaves privadas destas autoridades, denominadas de chaves AC, são utilizadas para assinar os certificados eletrônicos das chaves públicas de seus usuários. Esta seqüência de validação é denominada de "caminho de certificação", e fica registrada em todos os certificados eletrônicos (contendo a indicação da chave pública do usuário, da chave pública da AC – Intermediária, até a chave pública da AC – Raiz), por meio da qual pode ser verificado se a AC que emitiu o certificado é de fato autorizada pela AC – Raiz correspondente.
Quando não existe ramificação, há somente a AC – Raiz, que é quem assina diretamente os certificados eletrônicos das chaves de seus usuários, sem qualquer intermediação, encurtando o caminho de certificação, como é o caso de algumas empresas privadas, tal qual a VeriSign [112], que faz as vezes de Autoridade Certificadora centralizada. Já a CertiSign [113], que é uma empresa que atua no ramo de certificação no país, é parte integrante de uma ICP descentralizada, mais especificamente da ICP criada pela Presidência da República, nos termos da Medida Provisória nº. 2.200-2 de 24/08/2001 (ICP-Brasil).
A completa implementação e regulamentação da tecnologia de assinatura digital no Brasil irá permitir a plena incidência do art. 219 do Código Civil de 2002 e do art. 368 do Código de Processo Civil, dentre outros (ex: arts. 389, II e 585, II do CPC), aos documentos eletrônicos, tornando a assinatura digital válida de um documento eletrônico equivalente à assinatura manuscrita em papel, com presunção iuris tantum de veracidade:
"As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários." (Art. 219, CC).
"As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato." (Art. 368, CPC).
"Incumbe o ônus da prova quando: II - se tratar de contestação de assinatura, à parte que produziu o documento." (Art. 389, CPC).
"São títulos executivos extrajudiciais: II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;" (Art. 585, CPC).
4.5 ICP – Brasil
A regulamentação da assinatura digital no Brasil vem ocorrendo com maior intensidade [114] desde a implementação da Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), por meio da Medida Provisória nº. 2.200-2 [115] de 24/08/2001, que, em seu art. 10º, prevê que os documentos eletrônicos de que tratam suas disposições são considerados documentos públicos ou particulares (dependendo do caso) para todos os fins legais, validando as respectivas assinaturas digitais na forma do art. 131 do CC de 1916 (presunção de veracidade em relação ao signatário), sem que isso retire a força probatória de outros documentos com certificação alheia à ICP-Brasil, desde que aceito pelas partes como válido.
A IPC-Brasil possui a seguinte organização funcional: 1) é gerida pelo Comitê Gestor, que é diretamente vinculado à Casa Civil da Presidência da República, responsável pela implantação, funcionamento, e expedição das regras operacionais da ICP-Brasil, dentre outras atribuições (arts. 3º e 4º); 2) é composta pela Autoridade Certificadora Raiz – AC-Raiz (atualmente o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI [116]), que é a primeira autoridade da cadeia de certificação, competente para emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados das AC de nível imediatamente subseqüente ao seu, e gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos, dentre outras atribuições (art. 5º); 3) é composta pelas Autoridades Certificadoras – AC, que são entidades credenciadas a emitir certificados digitais (vinculando o par de chaves criptográficas aos respectivos titulares), competentes para emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar tais certificados, e manter registro de suas operações, dentre outras atribuições (art. 6º); e 4) é composta pelas Autoridades de Registro – AR, que são entidades operacionais vinculadas a uma determinada AC, competentes para identificar e cadastrar usuários presencialmente, encaminhar solicitações de certificados às AC, e manter registros de suas operações (art. 7º).
A estrutura hierárquica da ICP-Brasil [117] nos trás, mais uma vez, a noção de cadeia de certificação, partindo da Autoridade Certificadora Raiz, que possui a chave raiz (inicial), com um código criptográfico próprio, do qual derivam os códigos das chaves AC das demais Autoridades Certificadoras (hierarquicamente inferiores), das quais, por sua vez, derivam o código do par de chaves assimétricas emitidos aos usuários finais.
No caso da ICP-Brasil, a AC – Raiz já foi indicada como sendo o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI, o qual credenciou as seguintes Autoridades Certificadoras intermediárias para atuação: AC – PR; AC – SERPRO; AC – SERASA; AC – CERTISIGN; AC – SRF; AC – CEF; e AC – JUS. Eis um exemplo (quando se acessa o site da Presidência da República [118] é possível verificar, pelo certificado eletrônico, toda a cadeia de certificação, desde a assinatura digital do site, passando pela AC – PR, até a AC – Raiz):
Inúmeras outras entidades vêm atuando no nosso país como autoridades certificadoras, para os mais diversos fins, cada qual com metodologias diferentes ou semelhantes às adotadas na ICP-Brasil, sem, entretanto, estar vinculada ou subordinada a esta, como o faz, por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da ICP-OAB [119].
A criação da ICP-OAB se baseou nos precedentes inaugurados pela edição da Medida Provisória nº. 2.200-2 de 24/08/2001, que atribuiu validade jurídica aos documentos eletrônicos assinados digitalmente (mesmo os alheios à certificação da ICP-Brasil), bem como na Lei nº. 8.906 de 1994 (Estatuto da Advocacia [120]), vez que, por se tratar de identificação de advogados, e da conseqüente declaração de qualidade de advogado do titular do certificado digital, a ninguém mais competiria fazê-lo, senão à OAB.
A ICP-OAB utiliza a tecnologia de assinatura digital baseada na criptografia assimétrica, e possui uma estrutura semelhante à da ICP-Brasil, sendo que o Conselho Federal é a Autoridade Certificadora Raiz, possuidora da chave raiz (publicada no Diário Oficial), a qual é utilizada para assinar os certificados das chaves AC das Autoridades Certificadoras Intermediárias (os 27 Conselhos Seccionais), que são quem distribuem aos respectivos advogados o par de chaves (pública e privada) para a assinatura digital (em petições eletrônicas e em comunicações profissionais), completando a cadeia de certificação. São pelas chaves AC que os certificados eletrônicos das chaves dos advogados são assinados.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região [121] também implantou (em fase experimental), por meio da Portaria nº. 70 de 2004, a assinatura digital de documentos eletrônicos, por meio da qual algumas de suas decisões judiciais já vêm sendo assinadas, como as referentes ao juízo de admissibilidade dos recursos dirigidos aos tribunais superiores. Tal "assinatura digital" utiliza um método diferente, na medida em que gera um "código verificador" impresso no documento em papel juntado aos autos, cuja autenticidade pode ser aferida no site do tribunal (Autoridade Certificadora centralizada). Eis um exemplo:
Atualmente a MP nº. 2.200-2 de 24/08/2001 é o diploma legal brasileiro mais importante no que se refere à atribuição expressa de validade aos documentos eletrônicos, mas possui direcionamento voltado para o âmbito da administração pública, afastando-se das relações de cunho privado entre particulares (como o comércio eletrônico), as quais acabam sendo regidas pela construção jurídico-doutrinária exposta neste trabalho científico, sem qualquer regramento específico. Contudo, esta realidade está prestes a mudar, eis que tais questões vêm sendo discutidas no congresso nacional, com vistas à positivação de soluções [125], por intermédio de vários projetos de leis, dentre os quais valem ser destacados:
O Projeto de Lei nº. 4.906 de 2001 (apresentado pelo Senado Federal), que trata sobre comércio eletrônico, atribui expressa validade jurídica à informação sob a forma de mensagem eletrônica (art. 5º), desde que o documento original seja preservado para consultas posteriores (art. 6º). Também reconhece a possibilidade da formação (proposta e aceite) de contratos pela internet (art. 11), dispondo sobre a forma, o tempo (momento de formação do pacto) e o lugar do envio e do recebimento das mensagens eletrônicas (art. 22).
O Projeto de Lei nº. 1.589 de 1999 (apresentado pelo Dep. Luciano Pizzato), apensado ao PL nº. 1.483 de 1999, dispõe [126] sobre a assinatura digital no comércio pela internet, e determina quais informações devem constar obrigatoriamente na oferta eletrônica (art. 4º), tais como o endereço físico do estabelecimento, o C.N.P.J., etc. Também dispõe sobre a validade do documento eletrônico assinado por meio de assinatura digital com criptografia assimétrica (art. 14), equiparando os tabeliães devidamente autorizados às autoridades certificadoras, no que se refere à emissão do par de chaves criptográficas (art. 25), à emissão do certificado eletrônico (art. 26), à autenticação de cópias físicas de documentos eletrônicos (art. 33), etc. Por fim, prevê sanções administrativas (art. 41) e penais (art. 43) às hipóteses de falsificações de documentos, improbidades cometidas pelos tabeliões, etc.
O Projeto de Lei nº. 5.403 de 2001 (apresentado pelo Senado Federal), que trata sobre os provedores de acesso, dispõe que os mesmos devem manter um registro de todas as conexões de seus clientes por um período mínimo de um ano (art. 1º), com a data, hora de conexão e desconexão, e endereço IP (art. 4º), assim como um cadastro atualizado dos seus usuários, contendo pelo menos nome, endereço, R.G. e C.P.F. ou C.N.P.J. (art. 3º), sendo que tais informações somente poderiam ser liberadas mediante determinação judicial (art. 5º). Importante ressaltar que tal projeto de lei tem como principal finalidade propiciar meios e recursos para o auxilio em investigações policiais que envolvem a prática de atos ilícitos na internet (v. no mesmo sentido: PL nº. 3.016 de 2000, PL nº. 3.891 de 2000, PL nº. 4.972 de 2001, PL nº. 7.461 de 2002, PL nº. 480 de 2003, PL nº. 5.009 de 2005, etc.).
O Projeto de Lei nº. 7.316 de 2002 (apresentado pelo Poder Executivo), que trata, de forma geral, sobre assinatura digital e certificação eletrônica, abrange, também, as relações entre particulares, dispondo que as assinaturas digitais têm o mesmo valor jurídico e probante da assinatura manuscrita (art. 4º). Também prevê o credenciamento de "prestadores de serviço de certificação", devidamente autorizados pela AC-Raiz da ICP-Brasil (art. 5º), nos termos da MP n. 2.200-2 de 24/08/2001. Por fim, mantêm as competências do Comitê Gestor, da AC-Raiz, e dos antigos certificados eletrônicos, tratados na supracitada MP (art. 19).
A partir de 1999 houve um crescimento significativo no número de Projetos de Lei que, de forma direta ou indireta, regulamentam questões relacionadas à internet. Consequentemente, em breve o Brasil passará a dispor de uma legislação mais concreta para disciplinar o comércio eletrônico, o que, ainda assim, representa um desenvolvimento legislativo tardio se comparado com os exemplos provenientes da comunidade internacional.
4.8 Direito Comparado
A natureza da internet permitiu que a realidade do comércio eletrônico pudesse atravessar rapidamente os continentes [127], o que fez com que vários países passassem a se preocupar com a questão, gerando, via de conseqüência, várias iniciativas legislativas nesse sentido, sempre focadas no documento eletrônico, sua segurança, integridade e meios de prova. Por estas razões, o direito comparado deve ser tido como uma fonte jurídica muito importante, eis que conjuga a experiência mundial sobre o tema em análise, devendo servir como instrumento harmonizador de soluções, haja vista ser a internet um fenômeno global.
Nos Estados Unidos [128], a primeira lei sobre comércio eletrônico foi promulgada em 1995, pelo Estado de Utah, recebendo a denominação de Utah Digital Signature Act, a qual é, até hoje, considerada a mais completa do mundo sobre assinatura digital. O Estado da Califórnia foi o segundo a introduzir uma legislação sobre a validade das assinaturas digitais, sendo que atualmente a maior parte dos estados americanos já possui legislação tratando do comércio na internet. Em razão disto, o Congresso Nacional, buscando uniformizar essas leis em âmbito federal, promulgou o Millenium Digital Commerce Act, em 19/11/1999, que versa sobre assinaturas eletrônicas em geral, bem como o Eletronic Signatures in Global and National Commerce Act, em 30/06/2000, que dispõe sobre validade das assinaturas e dos documentos eletrônicos, direitos do consumidor, etc., os quais seguem diversas diretrizes contidas na Lei Modelo da Uncitral, da Organização das Nações Unidas.
A União Européia [129] se inspirou no exemplo norte americano ao promulgar, em 08/06/2000, por meio do Parlamento Europeu, a Diretiva nº. 2000/31/CE, que dispõe sobre vários aspectos jurídicos do Comércio Eletrônico, como o reconhecimento das transações realizadas por meio da internet, e a implementação da assinatura digital, com o escopo de regulamentar e estimular o e-commerce nos países integrantes do bloco. Note-se que uma importante contribuição trazida pelo direito europeu é a exigência de cadastramento e de autorização prévia para todas as empresas que pretendem exercer atividades na internet, o que aumenta a segurança nas contratações eletrônicas, especialmente para os consumidores.
Portugal [130] tratou da validade do documento eletrônico e da assinatura digital no Decreto-Lei n. 290-D/99, de 02/08/1999, dispondo sobre o credenciamento das autoridades certificadoras e sobre a emissão de certificados eletrônicos. Já a Espanha regulamentou a formação de contratos eletrônicos inicialmente no Real Decreto Ley nº. 14/1999, que tratou da firma digital, e posteriormente, inspirada na Diretiva nº. 2000/31/CE da União Européia, editou o Real Decreto Ley nº. 34/2002, abordando diversos temas como a formação, lugar de celebração, tempo, validade e prova dos contratos celebrados pela internet.
No México [131] foram realizadas alterações no Código Civil, Comercial, de Processo Civil e do Consumidor em 28/05/2000, tomando por base a Lei Modelo da Uncitral, a fim de traçar a estrutura para a validade dos contratos eletrônicos. Na argentina a assinatura digital foi regulamentada apenas no âmbito da administração pública, por meio do Decreto nº. 427 de 16/04/1998, sendo que ainda existem anteprojetos de lei em tramitação no Congresso Nacional para estender o alcance do instituto para as relações comerciais. Já no Uruguai, a Lei nº. 16.002 de 25/11/1988 (alterada pela Lei nº. 16.736 de 05/01/1996) tratou sobre o conceito de documento eletrônico, dispondo sobre sua validade jurídica. Por fim, a Colômbia promulgou a Lei nº. 527 de 23/08/1999, por meio da qual o documento eletrônico, assinatura digital, autoridades certificadoras, e comércio eletrônico foram regulamentados no país.
Na Índia o Information Tecnology Act, que foi sancionado em 19/06/2000, dispõe sobre assinatura digital e documentos eletrônicos em geral. Em Hong Kong a Eletronic Transactions Ordinance, em vigor desde 07/04/2000, também dispõe sobre assinatura digital e documentos eletrônicos. Na Coréia do Sul, o Código de Proteção aos Consumidores do Comércio Eletrônico está em vigor desde janeiro de 2000, baseado nas Guidelines da OECD. Já na Rússia, a previsão da assinatura digital em negócios eletrônicos existe desde 1995. Por fim, no Japão, o comércio eletrônico ainda é tratado pela antiga regulamentação de vendas de porta em porta de 1976 (a qual dispõe que os adquirentes devem ser devidamente informados sobre o nome, endereço e telefone do vendedor, preço do produto e do frete, etc.), sendo que atualmente existe um anteprojeto de lei no parlamento japonês que dispõe sobre assinatura digital e validade dos documentos eletrônicos, tomando por base as Guidelines da OECD.
4.9 Organizações Internacionais
A organização internacional é uma [132] associação de Estados, com personalidade jurídica própria, estabelecida por um tratado, com constituição e órgãos comuns, criados para atender a um determinado fim institucional. Nesse sentido, importante ressaltar que várias organizações internacionais têm reconhecido a importância que a internet vem exercendo no atual estágio de globalização, inclusive no que se refere ao comércio eletrônico, razão pela qual algumas já até editaram declarações, leis modelos, etc., para tentar auxiliar a comunidade internacional a regulamentarem tais recentes questões. É nesse contexto [133] que a Organização das Nações Unidas, por intermédio de sua Comissão para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), editou, em 1996, a Lei Modelo sobre comércio eletrônico, que recebeu enorme reconhecimento internacional, influenciando a criação e a revisão legislativa de diversos países nos anos que se seguiram.
A Lei Modelo da Uncitral foi uma iniciativa pioneira, ou seja, tratou sobre questões referentes ao comércio eletrônico nunca dantes enfrentadas em qualquer outro diploma legislativo, razão pela qual consagrou-se como o primeiro grande texto normativo sobre a contratação pela internet, dispondo desde princípios, conceitos, regras gerais, e direito do consumidor, até regras específicas relativas à diferentes áreas mercantis, etc.
Já a Organização Mundial do Comércio – OMC, criada na rodada do Uruguai, tratou pela primeira vez do comércio eletrônico na Conferência de Cingapura, em 1996, quando adotou a Declaração Ministerial sobre Comércio de Tecnologia da Informação. Posteriormente, em Conferência ocorrida em Genebra, no ano de 1998, a OMC reconheceu a crescente importância do e-commerce no mundo por meio da Declaração Ministerial sobre Comércio Eletrônico, determinando, em conseqüência, que seus principais órgãos realizassem pesquisas sobre os temas mais importantes do assunto, com a apresentação de relatórios anuais, o que foi novamente endossado na Conferência de Doha em 2001.
Por fim [134], a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico – OECD, que é composta pelos trinta países membros mais desenvolvidos do mundo, emitiu, em 1998, uma Guideline relativa ao comércio eletrônico, a qual deveria servir, assim como a Lei Modelo da Uncitral, como instrumento auxiliar na criação e revisão legislativa dos países da comunidade internacional. Referida Guideline trata dos direitos do consumidor virtual, e contém diversas recomendações de formas de resolução de litígios no e-commerce, etc.