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Reflexão sobre a nomenclatura e função processual dos parentes da vítima durante a instrução criminal

Agenda 19/11/1997 às 00:00

1. A "praxis" quotidiana tem demonstrado que em incontáveis processos criminais que tramitam em inúmeras comarcas , tem havido interpretação equivocada do disposto em o art. 206, combinado com o art. 208, ambos do Código de Processo Penal.

2. Rezam os precitados preceitos legais, "verbis":

Art. 206 - "A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão , entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo , obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias." Grifei.

Art. 208 - "Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206". Grifei.

3. Do cotejo das normas "supra" fica evidente que o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge , ainda que desquitado e o irmão do acusado podem recusar-se a depor como testemunhas e , a rigor , acaso efetivamente venham a ser oitivados, serão considerados meros declarantes, pois não se lhes deferirá o compromisso de dizer a verdade.

4. Contudo, como anotamos acima, o que se tem é que preceptivos direcionados aos parentes do(s) réu(s), vêm sendo aplicados aos parentes da(s) vítima(s) - mediante equivocada e desautorizada analogia.

5. Não existe qualquer fundamento legal para que esses - sempre que chamadas a depor "sobre suas percepções sensoriais a respeito dos fatos imputados" - sejam arrolados como simples informantes.

6. Mormente, quando se tem em conta o mandamento de que a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor, pois, a manter-se a hermenêutica guerreada, também os parentes do agente passivo poderão vir a objetar recusa em testemunhar, em severo prejuízo da instrução criminal...

7. É bem de ver, aos parentes do imputado, assiste mera faculdade de comparecerem em juízo e de narrarem a verdade. A lei lhes outorgou a possibilidade de ofertarem recusa, eximindo-os de prestar testemunho, tendo em vista os laços consangüíneos com o criminoso.

8. Latente o princípio moral de que ao ascendente , ao descendente e demais parentes do defendente declinados em o art. 206 do CPP, não se deve impor a obrigação de incriminá-lo, porque tal dever, acaso cumprido com rigor, implicaria, potencialmente, em sérios constrangimentos familiares.

9. Todavia, os parentes da vítima estão não só obrigados a testemunharem dos fatos injurídicos irrogados em detrimento do acusado, como não podem ser classificados como meros declarantes, na medida em que hão de prestar compromisso de dizer a verdade.

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10. Desse entendimento não dissente o sempre lembrado Mirabete. É conferir:

"A lei não exclui do dever de testemunhar os parentes do ofendido, que são ouvidos sob compromisso e podem ser acusados da prática do crime previsto no artigo 342 do CP" ("In, C.P.P. Interpretado - Ed. Atlas - 1994 - Pág.259).

11. Não convence o argumento de que toda a prova é relativa e de que desinfluente é ao convencimento do Juiz o fato de elementos de prova serem trazidos aos autos por "testemunhas", ou, por "informantes", indiferentemente.

12. É que a intenção do legislador volveu-se a imprimir relevo à função regradora e preventiva do compromisso de dizer a verdade, a exercer influência psicológica no depoente, afastando-o da tentação de desviar-se da realidade, em desprestígio da instrução probatória.

13. E, aquele princípio (da relatividade da prova), a nosso modesto pensar, não carrega o timbre da inflexibilidade. Cede diante de certas virtualidades. Entre evidência eminentemente técnica e prova oral insulada e descompromissada, não há esconder, esta terá poucas chances de ser dominante. Entre a prova pessoal gravada com o emblema do compromisso e declarações órfãs de comprometimento com a pureza dos fatos, em regra, não há refugir, a primeira carrega maior carga de convencimento.

14. Demais disso, é conhecida a pouca importância a que , na prática, em audiência, por não estarem algemados ao compromisso, se dá ao depoimento dos chamados "declarantes".

15, Logo, diante do crivo do juramento, é certo que maior atenção e destaque serão conferidos ao seu testemunho - pois testemunhas são - prestigiando-se de forma mais acentuada o princípio da verdade real, sem que ecloda qualquer enfermidade ao contraditório.

16. Finalmente, impende sublinhar, o direito opera fundado em um sistema e como tal faz-se necessário a observância de seus regramentos, pena de comprometer-se o rigor científico que deve servir de bússola ao exegeta.

Sobre o autor
Guilherme Costa Câmara

promotor de Justiça na Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÂMARA, Guilherme Costa. Reflexão sobre a nomenclatura e função processual dos parentes da vítima durante a instrução criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1125. Acesso em: 5 nov. 2024.

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