1. A "praxis" quotidiana tem demonstrado que em incontáveis processos criminais que tramitam em inúmeras comarcas , tem havido interpretação equivocada do disposto em o art. 206, combinado com o art. 208, ambos do Código de Processo Penal.
2. Rezam os precitados preceitos legais, "verbis":
Art. 206 - "A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão , entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo , obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias." Grifei.
Art. 208 - "Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206". Grifei.
3. Do cotejo das normas "supra" fica evidente que o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge , ainda que desquitado e o irmão do acusado podem recusar-se a depor como testemunhas e , a rigor , acaso efetivamente venham a ser oitivados, serão considerados meros declarantes, pois não se lhes deferirá o compromisso de dizer a verdade.
4. Contudo, como anotamos acima, o que se tem é que preceptivos direcionados aos parentes do(s) réu(s), vêm sendo aplicados aos parentes da(s) vítima(s) - mediante equivocada e desautorizada analogia.
5. Não existe qualquer fundamento legal para que esses - sempre que chamadas a depor "sobre suas percepções sensoriais a respeito dos fatos imputados" - sejam arrolados como simples informantes.
6. Mormente, quando se tem em conta o mandamento de que a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor, pois, a manter-se a hermenêutica guerreada, também os parentes do agente passivo poderão vir a objetar recusa em testemunhar, em severo prejuízo da instrução criminal...
7. É bem de ver, aos parentes do imputado, assiste mera faculdade de comparecerem em juízo e de narrarem a verdade. A lei lhes outorgou a possibilidade de ofertarem recusa, eximindo-os de prestar testemunho, tendo em vista os laços consangüíneos com o criminoso.
8. Latente o princípio moral de que ao ascendente , ao descendente e demais parentes do defendente declinados em o art. 206 do CPP, não se deve impor a obrigação de incriminá-lo, porque tal dever, acaso cumprido com rigor, implicaria, potencialmente, em sérios constrangimentos familiares.
9. Todavia, os parentes da vítima estão não só obrigados a testemunharem dos fatos injurídicos irrogados em detrimento do acusado, como não podem ser classificados como meros declarantes, na medida em que hão de prestar compromisso de dizer a verdade.
10. Desse entendimento não dissente o sempre lembrado Mirabete. É conferir:
"A lei não exclui do dever de testemunhar os parentes do ofendido, que são ouvidos sob compromisso e podem ser acusados da prática do crime previsto no artigo 342 do CP" ("In, C.P.P. Interpretado - Ed. Atlas - 1994 - Pág.259).
11. Não convence o argumento de que toda a prova é relativa e de que desinfluente é ao convencimento do Juiz o fato de elementos de prova serem trazidos aos autos por "testemunhas", ou, por "informantes", indiferentemente.
12. É que a intenção do legislador volveu-se a imprimir relevo à função regradora e preventiva do compromisso de dizer a verdade, a exercer influência psicológica no depoente, afastando-o da tentação de desviar-se da realidade, em desprestígio da instrução probatória.
13. E, aquele princípio (da relatividade da prova), a nosso modesto pensar, não carrega o timbre da inflexibilidade. Cede diante de certas virtualidades. Entre evidência eminentemente técnica e prova oral insulada e descompromissada, não há esconder, esta terá poucas chances de ser dominante. Entre a prova pessoal gravada com o emblema do compromisso e declarações órfãs de comprometimento com a pureza dos fatos, em regra, não há refugir, a primeira carrega maior carga de convencimento.
14. Demais disso, é conhecida a pouca importância a que , na prática, em audiência, por não estarem algemados ao compromisso, se dá ao depoimento dos chamados "declarantes".
15, Logo, diante do crivo do juramento, é certo que maior atenção e destaque serão conferidos ao seu testemunho - pois testemunhas são - prestigiando-se de forma mais acentuada o princípio da verdade real, sem que ecloda qualquer enfermidade ao contraditório.
16. Finalmente, impende sublinhar, o direito opera fundado em um sistema e como tal faz-se necessário a observância de seus regramentos, pena de comprometer-se o rigor científico que deve servir de bússola ao exegeta.