Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A definição do crime de tortura no ordenamento jurídico penal brasileiro

Exibindo página 4 de 4
Agenda 25/05/2008 às 00:00

CONCLUSÃO

No decorrer deste trabalho foi demonstrado que a tortura nem sempre foi proscrita dos ordenamentos jurídicos e, muito menos, prevista como crime. Essa é uma realidade que abarca também a história brasileira, pois é recente uma preocupação mais acentuada com o problema da tortura.

Valdir Sznick , citando Dionísyos Spinelles, apresenta três estágios pelos quais vem passando o enfrentamento do problema da tortura: 

a) Tortura Legal - quando a tortura era regulamentada e fiscalizada de acordo com preceitos legais que a permitiam em certos casos. 

b) Tolerância Informal - a tortura é aplicada sem apoio legal, contando, porém com certa condescendência social. 

c) Período Proibitivo - apresentado como regra nos sistemas jurídicos atuais que aboliram e proibiram a tortura, inclusive chegando a incriminá-la em suas legislações (constituições e leis ordinárias).75

O Brasil encontra-se indubitavelmente no terceiro estágio, pois que a tortura é proscrita pela legislação, conforme dispositivos constitucionais (art. 5º. III e XLIII, CF) e penais (Lei 9455/97). Isso sob o ponto de vista formal é absolutamente verdadeiro, mas será que o é substancialmente? A tortura deixou de ser uma realidade em nossa sociedade? A tolerância informal deixou de existir? A Lei 9455/97 tem sido devidamente aplicada? As respostas a essas perguntas são certamente negativas. Como adverte Carnelutti, "a tortura (...) desapareceu teoricamente do processo moderno. Diferente é a questão de se desapareceu também de sua prática".76

Deixando por ora de tratar de questões culturais, históricas, institucionais, políticas etc, que contribuem sobremaneira para a perpetuação da realidade indesejável da continuidade da tortura em nosso país, inobstante as regras legais existentes, cabe agora asseverar que um dos fatores que contribui de forma decisiva para a inoperância da Lei 9455/97 é sua redação deficiente no que se refere à definição do delito de tortura. Juntamente com outros diversos fatores já arrolados, essa deficiência da técnica legislativa gera uma divergência abissal entre a previsão legal do crime (criminalização primária) e a efetiva aplicação da lei penal (criminalização secundária)77. Por seu turno, tal ocorrência leva ao que os criminólogos denominam como o fenômeno da "cifra negra", ou seja, um grande número de condutas criminosas que são perpetradas e não são reprimidas pelas agências incumbidas da aplicação da lei penal, gerando sensação de impunidade e chegando a constituir um indicador de "descriminalização" (formal ou informal).78 

Isso decorre do fato de que os operadores do Direito sofrem uma inibição para a aplicação da lei penal quando seus dispositivos são demasiadamente abertos, tornando-se por demais duvidosa a tipificação correta. Note-se que, em Direito Penal, prevalece, em caso de dúvida, o Princípio do "Favor rei".79 A eliminação dessa inibição natural e sadia, ao contrário de solucionar a questão, feriria mortalmente direitos fundamentais atrelados à segurança operada pelo Princípio da Legalidade.

Dessa forma o único caminho viável é a reforma legal, visando uma tipificação mais consentânea com o Princípio da Legalidade e os modernos postulados garantistas, proporcionando segurança aos cidadãos e eficácia punitiva aos infratores da lei penal. Afinal, a ninguém deve parecer satisfatório que todo o percurso trilhado para a construção de um sistema que proscreve e incrimina a tortura, em atenção a direitos humanos fundamentais, torne-se "uma daquelas batalhas que se travam para que tudo fique na mesma", conforme as palavras desoladoras de Lampedusa.80


Notas:

1. Direito Constitucional, p. 58. Neste sentido na jurisprudência: RT - STF 709/418; STJ - 6a. Turma RHC 2.777-0/RJ - Rel. Mi n. Pedro Acioli - Ementário 08/721.

2. Ver a respeito: Nicolau EYMERICH, Manual dos Inquisidores, passim. Anita Waingort NOVINSKY, A Inquisição, passim. E ainda: Carl SAGAN, O mundo assombrado pelos demônios, passim.

3. Norberto BOBBIO, A Era dos Direitos, p.20.

4. John RAWLS, Uma Teoria da Justiça, passim.

5. Nythamar de OLIVEIRA, Rawls, p. 14.

6. John RAWLS, Justiça como eqüidade - uma reformulação, p. 14.

7. Pedro Armando Egydio de CARVALHO, O Sistema Penal e a Dignidade Humana, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 24/169.

8. Michel FOUCAULT, Vigiar e Punir, p. 11-61.

9. Pietro VERRI, Observações sobre a tortura, passim.

10. Michel FOUCAULT, Vigiar e Punir, p. 69-116.

11. Ver sobre o tema os textos clássicos: Pietro VERRI, op. cit., passim. Cesare BECCARIA, Dos Delitos e das Penas, p. 46-54.

12. Antonio Carlos de Araújo CINTRA, Ada Pellegrini GRINOVER, Cândido Rangel DINAMARCO, Teoria Geral do Processo, p. 313.

13. Hodiernamente essa divisão entre os Processos Civil e Penal, emprestando caráter privado ao primeiro e público ao segundo é absolutamente superada. O ''Processo'' (em qualquer de seus ramos) tem caráter nitidamente público, não se devendo confundir o direito material pleiteado em juízo com o Processo enquanto ''instrumento estatal'' que viabiliza a prestação jurisdicional. Neste sentido: Flávio Martins Alves NUNES JÚNIOR, Princípios do Processo e outros temas processuais, Volume I, p. 94-95. ''A doutrina moderna, (...), refuta o caráter ''privatista'' do processo, considerando-o instrumento público de pacificação social. (...) E não é só: a doutrina pátria moderna percebe que o processo (seja civil, seja penal) possui natureza pública, não importando qual o objeto em discussão''.

14. CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, op. cit.., p. 313.

15. Princípios do Processo e outros temas processuais, Volume I, p. 109.

16. Apud, op.cit., p. 112. Ver ainda: Francisco das Neves BAPTISTA, O mito da verdade real na dogmática do Processo Penal, p. 212-213. ''Desenganadamente, a verdade que se persegue no processo penal, como no civil, é a verdade ética, ou verdade suficiente, pragmaticamente construída mediante argumentação, para pôr termo a uma contenda, a uma tensão oriunda da proposta punitiva do Estado, visante a atingir o imputado, sempre, em sua dignidade (com a desonra da reprovação pública) e, por vezes, em sua liberdade de locomoção. O deslinde desse conflito deve dar-se de tal forma que o povo, e sobretudo a comunidade jurídica, aceite a solução como satisfatória, ou, no mínimo, consiga compreende-la, conquanto dela discorde, em razão dos argumentos de sua fundamentação. Essa verdade, força é admitir, é formal, vale dizer, aceitável somente porque atingida com a observância de raciocínios gnoseologicamente válidos. Mas nem por isso é menos verdade.''

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

17. Francisco das Neves BAPTISTA, O mito da verdade real na dogmática do Processo Penal, p. 1-14.

18. Ver sobre o tema os clássicos: Francesco CARNELUTTI, As misérias do Processo Penal, p. 43-47. C.J. A. MITTERMAIER, Tratado da Prova em Matéria Criminal, passim. Nicola Framarino Dei MALATESTA, A Lógica das Provas em Matéria Criminal, passim.

19. Marco Antonio de BARROS, A busca da verdade no processo penal, p. 37-38.

20. A Constituição de 1988 e o ordenamento jurídico-penal brasileiro, p. 69.

21. Norberto BOBBIO, A Era dos Direitos, p. 24.

22. Os tratados internacionais e legislações acerca dos Direitos Humanos não são parcos e nem constituem novidade nos diversos sistemas jurídicos.

23. René Ariel DOTTI, Os Direitos Humanos do preso e as pragas do Sistema Criminal, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 42/264.

24. Tal manifestação constitui-se numa reação vigorosa contra a herança autoritária e cruel das Ordenações do Reino de Portugal que foram aplicadas no Brasil: Ordenações Afonsinas, de Dom Afonso V (1500-1514); Ordenações Manuelinas, de Dom Manuel, o Venturoso (1514-1603) e Ordenações Filipinas, de Dom Felipe II (1603-1824). Ibid., p. 264-265.

25. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 207.

26. Lei 9455/97 define o crime de tortura, In: www.geocities.yahoo.com.br/adri_ferrari , p. 2, em 17.04.2004.

27. Alexandre de MORAES, Direito Constitucional, p. 69.

28. Neste ponto é interessante anotar que quanto à terminologia alguns autores atribuem a nomenclatura de ''crimes hediondos por equiparação ou equiparados ou figuras equiparadas'' à tortura, terrorismo e ao tráfico de entorpecentes, em face da dicção constitucional e ao sistema da Lei 8072/90 (v.g. Victor Eduardo Rios GONÇALVES, Crimes Hediondos, Tóxicos, Terrorismo, Tortura, p. 2.). Há outros, porém, que preferem a denominação de ''crimes hediondos constitucionais'' para tais figuras, considerando que a Constituição os teria dotado de tal qualidade de forma expressa e direta, deixando ao legislador ordinário a definição dos demais crimes que seriam etiquetados como hediondos, por isso denominados de ''crimes hediondos ordinários'' (v.g. João José LEAL, Lei dos Crimes Hediondos ou Direito Penal da Severidade: doze anos de equívocos e casuísmos, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 40/160.).

29. Paulo Lúcio NOGUEIRA, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 304.

30. José de Farias TAVARES, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 186.

31. Oscar DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, Volume 4, p. 1571.

32. Nelson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, Volume V, p. 167.

33. Direito Penal - Parte Especial, Volume I, Tomo IV, P. 81.

34. Edgard Magalhães NORONHA, Direito Penal, Volume 2, p. 23.

35. Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, Volume II, p. 72.

36. Sylvia Helena Steiner MALHEIROS, O Princípio da Reserva Legal e o crime de tortura na legislação brasileira, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 13/167.

37. Ver a respeito do tema: Flávia PIOVESAN, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, passim.

38. Sylvia Helena Steiner MALHEIROS, op.cit., p.170.

39. STF - Pleno - HC n. 70.389-5/SP, Rel. Min. Celso de Mello; j. 23.07.94, v.u. ''EMENTA: Tortura contra criança ou adolescente - Existência jurídica desse crime no Direito Penal Positivo brasileiro - Necessidade de sua repressão - Convenções internacionais subscritas pelo Brasil - Previsão típica constante do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90, art. 233) - Confirmação da constitucionalidade dessa norma de tipificação penal - Delito imputado a policiais militares - Infração penal que não se qualifica como crime militar - Competência da Justiça comum do Estado - Membro - Pedido deferido em parte''. No mesmo sentido: HC 74.332-RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, 24.09.96 - Informativo STF n. 47.

40. Crimes Hediondos, p. 63. Ver em contrário, afirmando a existência de descrição de conduta típica, apenas ensejando a necessidade de interpretação dos casos concretos pelo magistrado e avaliação de sua adequação ou não à conduta incriminada: Antonio Scarance FERNANDES, Aspectos da Lei dos Crimes Hediondos, In: Justiça Penal, p. 82. Textualmente: ''(...) submeter a tortura é o mesmo que torturar. Há, portanto, uma ação, consistente em torturar prevista no Estatuto e que constitui o crime de tortura. Assim como matar constitui a ação que tipifica o crime de homicídio. Se o tipo é indeterminado, aberto, não especificando os elementos da ação de torturar e, por isso, ofende a regra constitucional da legalidade é outro problema. Difícil, contudo, afirmar que inexiste a afirmação no Estatuto do crime de tortura, pois, se não foi esse o delito aí definido, qual então teria sido o crime aí elencado?''

41. A tortura como crime autônomo: necessidade de tipificação, In: Estudos Jurídicos em homenagem a Manoel Pedro Pimentel, p. 325-326.

42. Victor Eduardo Rios GONÇALVES, Crimes Hediondos, Tóxicos, Terrorismo, Tortura, p.95.

43. Exemplo ilustrativo inspirado na obra filosófica: Bruce V. FOLTZ, Habitar a Terra, p. 117.

44. Alberto Silva FRANCO, Tortura - Breves anotações sobre a Lei 9455/97, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 19/56 - 72. Mauricio Antonio Ribeiro LOPES, As crianças, a tortura, as leis e as salsichas, Boletim IBCCrim, 54/3. Eduardo Luiz Santos CABETTE, O Processo Penal e a Defesa dos Direitos e Garantias Individuais, p. 123-124.

45. Direito e Razão, passim.

46. Ibid., p.305.

47. Ibid., p. 305.

48. Ibid., p. 306.

49. Neste sentido: Antonio Magalhães GOMES FILHO, O ''Modelo Garantista'' de Luigi Ferrajoli, Boletim IBCCrim, 58/6.

50. Ibid., p. 102.

51. Ibid., p. 309-310. Também mencionando o exemplo soviético, Zaffaroni e Pierangeli exemplificam com um caso real o curioso (ou trágico) uso que se fez da analogia: Tornou-se famosa uma sentença que, pretendendo condenar um camponês que realizara algumas circuncisões, e não encontrando tipificação legal adequada diretamente ao caso, acabou condenando-o por ''aborto analógico'', fundamentando tal ''decisum'' no fato de que teria agido em condições anti-higiênicas, e que, assim sendo, se equiparava ao crime de aborto, igualmente perpetrado em condições anti-higiênicas! Ver: Eugenio Raúl ZAFFARONI, José Henrique PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro - Parte Geral, p. 337.

52. Paulo QUEIROZ, A Justificação do Direito de Punir na Obra de Luigi Ferrajoli: algumas observações críticas, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 27/143. ''Para Ferrajoli, que define o direito penal como uma ''técnica de definição, comprovação e repressão da desviação'', o único fim que pode e deve perseguir, legitimamente o Estado, por meio da pena, é a prevenção geral negativa. Mas não apenas a prevenção de futuros delitos, como sói enfatizar as doutrinas utilitárias tradicionais. Em seu ''utilitarismo reformado'', com efeito, Ferrajoli dá especial ênfase à prevenção de penas informais, isto é, à prevenção de possíveis reações públicas ou privadas arbitrárias, que podem resultar da ausência ou omissão do sistema penal. Assinala, assim, que a pena não serve só para prevenir os injustos delitos, senão também os castigos injustos; que não se ameaça com ela e se a impõe só ''ne peccetur'', senão também ''ne punietur'', que não tutela só a pessoa ofendida pelo delito, e sim também ao delinqüente, frente às reações informais, públicas ou privadas. Confere-lhe (ao direito penal), portanto, uma dupla função preventiva, ambas de signo negativo: prevenção de futuros delitos e prevenção de reações arbitrárias, partam do particular ou do próprio Estado. Privilegia, porém, seu modelo de justificação do direito penal, essa segunda função, que considera como ''fim fundamental'' da pena''. No mesmo sentido: Antonio Magalhães GOMES FILHO, O ''Modelo Garantista'' de Luigi Ferrajoli, Boletim IBCCrim, 58/6. O autor esclarece que todos os princípios e axiomas garantistas enumerados por Ferrajoli ''são barreiras, obstáculos à utilização indiscriminada da punição, cuja transgressão torna ilegítima a sanção penal''.

53. Neste sentido: Rodrigo TERRA, Breves apontamentos sobre a Lei de Tortura (Lei 9455/97), In: www.jusnavigandi.com.br , p. 3, em 17.04.04.

54. Eduardo Luiz Santos CABETTE, O Processo Penal e a Defesa dos Direitos e Garantias Individuais, p.124 - 125.

55. Aliás, será que não é esse um dos fatores contribuintes para a parca aplicação da Lei de Tortura pela Justiça Penal Brasileira?

56. Op. cit. , p. 166.

57. A arte de calar, p. 12.

58. Ney Moura TELES, Direito Penal, Volume I, p. 148.

59. Ibid., p. 149.

60. Carlos MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 33. Segundo o autor trata-se de ''afirmativa sem nenhum valor científico'' na atualidade. E com plena razão, pois o mero afirmar que uma dada norma é clara já consiste numa primeira interpretação dessa norma.

61. Ney Moura TELES, op.cit., p. 149.

62. Nesse ponto é interessante lembrar que há controvérsias na doutrina quanto à obrigatoriedade de criminalização de certas condutas devido às previsões constitucionais nesse sentido ou de sua expressa proteção, como é o caso da tortura, do terrorismo, dos crimes hediondos, da vida etc. Há entendimento quanto a essa obrigatoriedade quando um bem jurídico é constitucionalmente tutelado e mais ainda quando a própria Carta Magna determina expressamente sua criminalização. Ver neste sentido: Mauricio Antonio Ribeiro LOPES, Direito Penal, Estado e Constituição, p.115. De outra banda há posicionamentos quanto a tratar-se a normatização constitucional de um indicador do máximo permitido ao legislador para a defesa desses bens, mas não a imposição da seara penal necessariamente como único meio de proteção daqueles bens jurídicos. Sobre o tema disserta Janaína Paschoal, optando pela segunda orientação. Entretanto, não afasta a existência de ''um mínimo irrenunciável'' a ser obrigatoriamente defendido pelo Direito Penal, como por exemplo, a vida. Apenas aduz que esse ''mínimo irrenunciável'' não é pautado somente pelo fato de que certos bens jurídicos sejam tutelados constitucionalmente, mas por uma análise concreta da efetiva necessidade do apelo à ''ultima ratio'' do Direito Penal para a sua proteção (um critério substancial e não meramente formal). Toma-se a liberdade de afirmar que o caso da tortura pode ser elencado nesse ''mínimo irrenunciável'' não por força somente da tutela Constitucional (em especial o art. 5º., XLIII), mas por sua própria natureza a impor a repressão penal mais drástica dessas condutas, sob o risco de que a omissão ponha por terra os próprios fundamentos previstos no art. 1º., II e III, CF, descaracterizando nosso almejado Estado Democrático de Direito. Ver para maior aprofundamento: Janaina Conceição PASCHOAL, Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo, passim.

63. A perícia na tortura, Revista Justiça Penal, 5/ 21.

64. Hoje, no âmbito da chamada ''Ecologia Profunda'' e dos movimentos de defesa dos Direitos dos Animais, denuncia-se que o tratamento diferenciado (cultural, jurídico, social etc) aos atos cruéis perpetrados contra animais e humanos, consiste num injustificável ''antropocentrismo'', de modo que no que se refere à capacidade de experimentar sofrimento, todos os seres sensíveis merecem o mais elevado respeito, sejam homens ou animais. Ver a respeito por todos: Peter SINGER, Vida Ética, passim.

65. Laerte Fernando LEVAI, Direito dos Animais, p. 40-41.

66. Ibid., p. 42-44.

67. Op. cit. , p. 320. No mesmo sentido: Nelson HUNGRIA, Heleno FRAGOSO, Comentários ao Código Penal, Volume I, Tomo I, p. 93.

68. Op. cit., p. 322-323.

69. Op. cit., p. 214-215.

70. Quanto à terminologia é importante salientar que há autores que diferenciam interpretação analógica e interpretação extensiva, reduzindo a primeira expressão aos casos em que a lei lista descrições casuísticas e depois apresenta uma fórmula genérica abrangente, como no caso dos homicídios qualificados. E atribuindo à segunda (interpretação extensiva) casos em que a lei usa uma expressão ou palavra cujo conteúdo não abarca certas situações, mas esta seria a vontade do legislador (''lex minus scripsit, plus voluit''). Outros estudiosos utilizam ambas expressões como sinônimas. Adeptos da primeira opção distintiva são v.g. : Nelson HUNGRIA, Heleno FRAGOSO, Comentários ao Código Penal, Volume I, Tomo I, p. 92-99. Flávio Augusto Monteiro de BARROS, Direito Penal, Volume 1, p. 20. Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, Volume I, p. 52-53. Fernando CAPEZ, Curso de Direito Penal, Volume 1, p. 35-36. Já na banda oposta, adeptos da sinonímia, encontram-se: Manoel Pedro PIMENTEL, O Crime e a Pena na Atualidade, p. 56. Damásio Evangelista de JESUS, Direito Penal, 1º. Volume, p. 52. José Frederico MARQUES, Tratado de Direito Penal, Volume I, p. 214-216. Francisco de Assis TOLEDO, Princípios Básicos de Direito Penal, p. 29. Fernando de Almeida PEDROSO, Direito Penal, p. 54.

71. Neste sentido: Ney Moura TELES, op. cit., p. 142-143. Nelson HUNGRIA, Heleno FRAGOSO, op. cit., p. 92-93. Fernando de Almeida PEDROSO, Direito Penal, p. 54. Francisco de Assis TOLEDO, Princípios Básicos de Direito Penal, p. 27-29. José Frederico MARQUES, Tratado de Direito Penal, Volume I, p. 215. Flávio Augusto Monteiro de BARROS, Direito Penal, Volume I, p. 20. Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, Volume I, p. 52-53. Damásio Evangelista de JESUS, Direito Penal, 1º. Volume, p. 52-53. René Ariel DOTTI, Curso de Direito Penal - Parte Geral, p. 248. Em sentido contrário, admitindo a interpretação extensiva ou analógica somente para os casos de benefício ao indivíduo, ver: Giuseppe BETTIOL, Direito Penal, p. 118-124.

72. Nelson HUNGRIA, Heleno FRAGOSO, op. cit., p. 97-99.

73. Op. cit. , p. 325.

74. Eugenio Raúl ZAFFARONI, José Henrique PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro - Parte Geral, p. 176.

75. Comentários à Lei dos Crimes Hediondos, p. 232-233.

76. Francesco CARNELUTTI, Direito Processual Civil e Penal, Volume II, p. 186.

77. Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, p. 129.

78. Raúl CERVINI, Os processos de descriminalização, p. 182-197.

79. Neste sentido: Nelson HUNGRIA, Heleno FRAGOSO, Comentários ao Código Penal, Volume I, Tomo I, p. 94. ''No caso de irredutível dúvida entre o espírito e as palavras da lei, é força acolher, em direito penal, irrestritamente, o princípio ''in dúbio pro reo'' (isto é, o mesmo critério de solução nos casos de prova dúbia no processo penal''.

80. Giuseppe Tomasi di LAMPEDUSA, O Leopardo, p. 52.

Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A definição do crime de tortura no ordenamento jurídico penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1789, 25 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11304. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!