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A Súmula Vinculante nº 5 e as reações que provocou

Agenda 12/06/2008 às 00:00

A súmula diz que "a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição". Um dos entes legitimados poderá propor a revisão ou o cancelamento dessa súmula.

1. Preliminar

Freqüentemente, deparamo-nos com questionamentos sobre a "inconstitucionalidade" de alguma lei, decreto ou mesmo mero ato praticado por alguém: "isso é inconstitucional!"

Assim, tornou-se comuníssimo apontar e alegar inconstitucionalidade em várias matérias que, às vezes, nem são constitucionais, ou seja, não estão na nossa Constituição de 1988.

Inicialmente, cumpre observar que nossa Carta Magna de 1988 (prestes a completar, em outubro vindouro, 20 anos de vigência e tantas vezes já emendada, desde 1992; a EC nº. 1 é de abril de 1992) tem cerca de 2 mil dispositivos em seus hoje 250 artigos (mais os 95 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), tendo sido promulgada originalmente com "apenas" 245 artigos, no dito corpo permanente, e 70 artigos no ADCT.

O primeiro inciso do artigo que trata do processo legislativo (art. 59) se refere à elaboração de emendas à Constituição. No artigo seguinte, volta a disciplinar quem pode propor emendas à Constituição. E, pelo art. 3º. do ADCT, fixa uma revisão constitucional a ocorrer em 1993. Por que tanta preocupação com emendas, alterações, revisões?

Parece inegável que o texto de 1988 resultou do que foi possível aprovar, atendendo a todas as correntes e interesses, na base do "eu voto com você nesse ponto se você votar comigo naquele outro". A leitura dos Anais da Assembléia Nacional Constituinte mostra que muito pouca coisa foi decidida verdadeiramente "no voto", embora quase todos os dispositivos tenham sido aprovados com votos contrários (já dizia Nélson Rodrigues que toda unanimidade é burra).

Matérias polêmicas à parte, escreveu-se um texto abrangente em excesso, talvez. A Constituição Cidadã, na expressão de Dr. Ulysses, inclui temas e disposições, notoriamente, não-constitucionais, mas que foram constitucionalizadas, para se chegar a um texto aprovável em dois turnos. Isto é, inúmeros dispositivos poderiam ter ficado para serem objeto da legislação infraconstitucional. Se assim fosse, provavelmente, bem mais da metade das Emendas Constitucionais (que hoje passam de 60, se contadas as 6 da Revisão Constitucional de 1993, ditas Emendas Constitucionais de Revisão para diferençar das Emendas Constitucionais de iniciativa dos que podem propor emendas, nos termos do art. 60, I, II e III) teriam sido desnecessárias, tendo bastado Leis Complementares ou Leis Ordinárias.

Nosso processo legislativo, infelizmente, se rege pelas conveniências de ocasião, pelas maiorias temporárias, pela disputa do poder. Muitas propostas de um governo são bombardeadas pela oposição de então, que passa a defendê-las ao assumir o governo. Faz-me lembrar algo que ouvi de um chefe, quando eu comentei que deveríamos relatar uma falha encontrada para ser corrigida de imediato (enquanto estava na fase de implantação): "deixa assim, quando passar à nossa responsabilidade, corrigimos, para mostrar que somos competentes" (ou mais competentes).

Relativamente aos dispositivos constitucionais, em princípio, podemos ter o que seja "constitucional" (de acordo com a Constituição, ou o que não fere a Constituição) e o que seja "inconstitucional" (que está em desacordo ou fere a Constituição). Houaiss, em seu dicionário, fala ainda em "desconstitucional" (que contraria preceitos constitucionais).


2. ADI, ADC e Súmula Vinculante

O art. 103 do texto de 1988 já previa a possibilidade de surgir ação direta de inconstitucionalidade (que o STF chama de ADI em seus registros processuais e informativos, apesar de ser usual falar-se em ADIn ou ADIN), aliás, dita naquele artigo tão-somente "ação de inconstitucionalidade", embora, no art. 102, I, a, diga da competência do STF para, originariamente, processar e julgar toda e qualquer eventual ou suscitada "ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual".

A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) passou a integrar a mesma alínea antes citada (art. 103, I, a) pela EC nº. 3, de 1993, que acresceu o § 4º. ao art. 103.

De minha parte, mais de uma vez, já disse que existem, a meu ver, "a-constitucionalidades", ou seja, temas (raros, admito, pois nossa CF/88 trata de praticamente tudo) não incluídos no texto da Carta Magna, que, por exclusão, logicamente não podem ser ditos "constitucionais", "inconstitucionais" ou "desconstitucionais".

Então, mesmo aquilo abjeto, imoral, indecente, contrário à sociedade ou ao bom-senso pode escapar à pecha de "inconstitucional" que justifique uma ADI, porque "contrário" à CF não é, e somente isso configuraria a "inconstitucionalidade" propriamente dita, no sentido estrito da palavra. Pela mesma razão (a CF nada dizer a respeito), o mesmo tema talvez não resistisse ou justificasse uma declaração de "constitucionalidade", se suscitada ao STF.

Isto é, a nossa Corte Constitucional diria que a CF não trata do tema, é omissa a respeito; logo não pode ser declarado nem constitucional nem inconstitucional.

Pela EC 45, de 2004, na chamada Reforma do Judiciário, foi enfim criada a Súmula Vinculante acrescida à Constituição Federal, verbis:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."

Somente em 30 de maio de 2007, foram discutidas e aprovadas as três primeiras Súmulas Vinculantes, discussão essa que o DJ de 13/08/2007 publicou na íntegra (DEBATES E APROVAÇÃO DE ENUNCIADOS DE SÚMULAS VINCULANTES PROFERIDOS NA SESSÃO PLENÁRIA DE 30 DE MAIO DE 2007....).


3. O caso concreto da Súmula Vinculante nº. 5

Em 30 de abril de 2008, durante uma Sessão de Julgamento do Pleno do STF, muitos ficaram surpresos quando, findo o julgamento de um processo, foi aprovada a Súmula Vinculante nº. 4 relativa ao que acabara de ser decidido. E, em seguida, mais outra, que não foi proclamada como tal de imediato, por uma questão meramente redacional (a melhor redação foi discutida na sessão seguinte, dia 7 de maio). E, circunstancialmente, ela ficou sendo a nº. 6, porque a Corte acabara de encerrar o julgamento de um Recurso Extraordinário. e também resolvera editar o decisum como Súmula Vinculante, numerada como a nº. 5:

"A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição."

Publicada no DJE de 16/5/2008, essa Súmula Vinculante nº. 5, desde logo, transformou-se em tema polêmico, a originar questionamento sobre sua "inconstitucionalidade" até. Ora, a meu modesto ver, ela pode ser muita coisa, menos inconstitucional. Sabe-se que é constitucional aquilo que o STF diz ser. E, tratando-se de uma dicção jurisprudencial, não se enquadraria no contexto de lei ou ato normativo, salvo melhor entendimento em contrário, passível de ADI (ou ADC).

Não se ignore também que diversas e ilustres vozes se levantaram sobre o próprio instituto criado pela EC 45. Li, por exemplo:

"A Reforma do Judiciário começou com uma pequena emenda proposta pelo deputado Helio Bicudo. O governo aproveitou a emenda e apresentou uma grande proposta em que embutia a súmula vinculante, numa espécie de avocatório envergonhada, de atrair todos os casos para o Supremo, a fim de que os juízes e tribunais não possam interferi." (entrevista dada por Dalmo Dallari à revista da Amaerj - Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro).

Outros doutrinadores e magistrados entendem que é uma "ceifa" à liberdade de o juiz julgar conforme sua consciência, seu saber jurídico; que esclerosa a Justiça e manieta os juizes das instâncias inferiores; limita a ação da base da magistratura e vai contra a independência do magistrado, além de promover o engessamento da jurisprudência; viola a independência jurídica do juiz; robotiza as decisões dos nossos magistrados de 1º Grau; a súmula "vinculante" foi criada por norma imperfeita, porque de preceito sem sanção; e que, uma vez sumulada, a matéria dispensa a presença do magistrado para decidir a causa, pois caso ela esteja de acordo com o disposto na súmula, o juízo a que a causa foi distribuída não tem alternativa senão a aplicação do conteúdo sumulado, sob pena de ver sua decisão impugnada por via de reclamação constitucional, feita diretamente ao Supremo Tribunal Federal.

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4. Requisitos para edição de Súmula Vinculante

Tomemos, para análise, as condições constitucionais para edição de súmulas com efeito vinculante, a que alguns preferem dizer com efeito vinculador:

a)devem tratar de matéria constitucional;

b)haver reiteradas decisões sobre o tema; e

c)ser aprovada por dois terços do Pleno do STF (8 votos favoráveis).

No caso da Súmula Vinculante nº. 5, foi entendido pela Corte que havia precedentes, a saber, AI nº. 207.197, RE nº. 244.027, MS nº. 24.961 além do RE nº. 434.059 que acabara de ser julgado. Não faltou quem levantasse a questão de ser apressada, ou açodada, a sua edição, porquanto não haveria reiteradas decisões uniformes. Os dois outros requisitos, evidentemente, estavam presentes.

Os que não se conformam com o teor, que afeta diretamente a classe dos advogados que perderam esse filão, ao declarar desnecessária ou dispensável sua atuação, alegam, por exemplo, que o primeiro daqueles precedentes não tinha por objeto um Processo Administrativo Disciplinar, mas apenas Processo Administrativo Fiscal (onde nunca se discutiu nos outros Tribunais a necessidade de advogado defendendo o contribuinte); que o segundo deles é, realmente, sobre direito disciplinar; enquanto o outro precedente (MS) também não é sobre PAD, e sim sobre um processo administrativo não disciplinar ocorrido na prestação de contas junto ao TCU. Ou seja, questiona-se se havia mesmo decisões reiteradas da Corte sobre a matéria sumulada.


5. A Súmula nº. 343 do STJ questionada junto ao STF

O que, a meu sentir, há de mais relevante é o confronto com a Súmula nº. 343 do STJ, de setembro de 2007 (DJ de 21/9):

"É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar."

Essa Súmula do Superior Tribunal de Justiça resultara de um único julgamento, qual seja, o do MS nº. 10.837, decidido em 28/06/2006 pela Terceira Seção, por maioria de votos, vencido o Ministro-Relator. Entendera o Relator que (excerto):

"A falta de procurador constituído durante a fase de instrução do inquérito não configura nulidade, pois ao servidor acusado foi dada a oportunidade de acompanhar o processo pessoalmente, ou por intermédio de procurador, não podendo, em razão de sua própria omissão, pretender ver reconhecida pretensa irregularidade a que teria dado causa",trazendo em defesa de sua tese precedentes do STF (Sepúlveda Pertence – MS nº. 23.192/DF, DJ de 06/4/2001: "É de se notar que o impetrante foi cientificado da instauração do processo e de que poderia acompanhar pessoalmente ou por defensor todos os atos e diligências; teve acesso aos autos e às provas, quando entendeu oportuno constituir advogado que ofereceu defesa escrita, tendo igualmente presenciado depoimentos de testemunhas. Não pode agora se valer de sua omissão em acompanhar diligências das quais teve ciências para inquinar de nulidade o processo" e um dos precedentes agora argüidos pelo STF, o RE nº 244.027, Relatora Ellen Gracie: "A respeito do tema em questão, essa Primeira Turma, ao julgar o AGRAG 207.197, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ de 05.06.98, firmou entendimento contrário à pretensão do recorrente, no sentido de que a extensão da garantia constitucional do contraditório aos procedimentos administrativos não tem o significado de subordinar a estes toda a normatividade referente aos feitos judiciais, onde é indispensável a atuação do advogado", além de citar precedentes do próprio STJ.

Entretanto, prevaleceu o Voto divergente da Ministra Laurita Vaz segundo o qual:

"Conquanto lhe tenha sido oportunizado o acompanhamento de todo o processo pessoalmente ou por seu procurador legalmente constituído também durante a fase instrutória, tendo sido devidamente notificado para tanto, e inclusive comparecido a algumas oitivas de testemunhas, o Impetrante somente constituiu defensor após finda a instrução, já na fase da defesa final.

Cabe esclarecer que, no decorrer do inquérito administrativo, o servidor que figura como acusado tem o direito de acompanhar o processo, produzir contraprovas, reinquirir testemunhas, consoante estabelecem os arts. 156 e 159, § 2.º, da Lei n.º 8.112/90, em cumprimento ao mandamento constitucional inserto no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal.

Desse modo, apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído – como existe no âmbito do processo penal –, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica. Vale dizer, caso tivesse o Impetrante constituído advogado desde o início do processo, não se poderia cogitar de ofensa ao contraditório, na hipótese de nem o defensor nem o acusado optarem por não comparecer às audiências de instrução. Isso porque, embora os bens jurídicos envolvidos em ambos os casos sejam de valor relevante ("emprego" e "liberdade"), somente este último constitui direito indisponível, daí a obrigatoriedade da presença efetiva do defensor desde o início do apuratório em todos os atos do processo, sob pena de nulidade.

Entretanto, impende esclarecer que a constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental.

Dessa forma, por imperativo constitucional, à luz dos precedentes desta Corte de Justiça, com a qual não se compatibiliza a auto-defesa, em se cuidando de acusado sem habilitação científica em Direito, não há como deixar de reconhecer a nulidade ora pleiteada."

(Nesta e em outras transcrições, omiti dados que me parecem de menor importância, como o número da folha dos autos, nº. de processos e nomes das partes).

A Ministra foi acompanhada em sua divergência por três outros Ministros e encarregada de redigir o Acórdão, que assim ficou:

"EMENTA

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. DEFESA TÉCNICA CONSTITUÍDA APENAS NA FASE FINAL DO PROCEDIMENTO. INSTRUÇÃO REALIZADA SEM A PRESENÇA DO ACUSADO. INEXISTÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL INOBSERVADOS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO.

1. Apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído – como existe no âmbito do processo penal –, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica.

2. A constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

3. O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental. Precedentes.

4. Mandado de segurança concedido para declarar a nulidade do processo administrativo desde o início da fase instrutória e, por conseqüência, da penalidade aplicada."

Entendo merecer destaque a expressão "Apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído – como existe no âmbito do processo penal –", que fora destacado no Voto da Ministra antes transcrito.


6. Voltando à decisão do STF de 30/4/2008

E quanto ao STF, aludido como tendo entendimento contrário à Súmula do STJ?

O decisum relatado pelo Min. Sepúlveda, trazido pelo Relator vencido no STJ, sequer foi relacionado, porém os demais estão intrinsecamente correlacionados. Há ainda outro referido en passant (Min. Marco Aurélio) que também não veio à baila na sessão de 30/4/2008 do Supremo.

Em ordem cronológica, eis o que a Corte decidira anteriormente:

1) AI 207.197, DJ de 04/02/1998:

DESPACHO

:

Tendo sido intimado o impetrante para a apreciação de recurso administrativo, não parece razoável inferir-se, por aplicação direta do art. 5º, LV, da Constituição, nulidade decorrente da ausência de intimação de seu advogado.

Nego seguimento ao agravo.

Publique-se.

Brasília, 17 de dezembro de 1997.

Ministro OCTAVIO GALLOTTI

Relator

2) RE 244.027, DJ de 18/02/2002:

DESPACHO

:

Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que considerou correta a punição aplicada a policial militar (desligamento do Curso de Formação de Oficiais), afastando a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa (art. 5º., LV, da Constituição Federal), por entender ser desnecessária a presença de defensor, "face à simplicidade do caso e ao fato de se tratar de uma questão ‘interna corporis’, que não envolvia a perda do cargo nem da função pública, mas, tão só, o impedimento à conclusão do curso de oficiais".

Sustenta o recorrente que a ausência de defesa técnica ofende o art. 5º., LV, da CF, sendo, por isso, inválido o processo administrativo em que não se fez representar por advogado.

A respeito do tema em questão, essa Primeira Turma, ao julgar o AGRAG 207.197, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ de 05.06.98, firmou entendimento contrário à pretensão do recorrente, no sentido de que a extensão da garantia constitucional do contraditório aos procedimentos administrativos não tem o significado de subordinar a estes toda a normatividade referente aos feitos judiciais, onde é indispensável a atuação do advogado.

No mesmo sentido, o AG 239.029, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 20.05.99.

Ante o exposto, nego seguimento ao recurso.

Publique-se.

Brasília, 09 de outubro de 2001.

Ministra Ellen Gracie

Relatora 

3) MS 24.961, DJ de 02/9/2004:

DECISÃO

:
- Vistos.. ..– 

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, fundado nos arts. 5º, LV e LXIX, e 102, I, d, da Constituição Federal e no art. 5º, V, do RI/STF, (..................) contra ato dos MINISTROS WALTON ALENCAR RODRIGUES e HUMBERTO GUIMARÃES SOUTO, integrantes da PRIMEIRA CÂMARA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, (......) objetivo de apurar a responsabilidade (................) em operações fraudulentas, realizadas por meio de lançamentos indevidos, via SIAPE, nas fichas financeiras de pensionistas (.......).

Inicialmente, informa o impetrante que, no curso das apurações, verificou-se que os valores desviados foram indevidamente creditados (.....), razão essa que motivou a condenação solidária dos referidos responsáveis (com o ele impetrante) ao ressarcimento dos valores desviados, sendo-lhes igualmente aplicada, na oportunidade, a multa prevista no art. 57 da Lei 8.443/92.

Do referido acórdão, o impetrante interpôs recurso de reconsideração, que foi desprovido. Inconformado, opôs embargos de declaração, que foram rejeitados.

Notificado do acórdão que rejeitou os embargos de declaração, o impetrante interpôs recurso de revisão, que se encontra pendente de julgamento pelo Tribunal de Contas da União.

Sustenta, mais, em síntese, o seguinte:

a) ofensa ao direito líquido e certo do impetrante pela condução do processo administrativo sem a devida defesa técnica, porquanto, "compulsando-se os autos do processo administrativo, verifica-se que o Impetrante produziu sua própria defesa, quando a Egrégia Corte de Contas deveria tê-lo designado um defensor para auxiliá-lo tecnicamente";

b) ofensa ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição), tendo em vista a ausência de notificação do impetrante de todas as sessões de julgamento do processo administrativo, o que o impediu de produzir prova oral, inclusive sustentação oral em plenário, valendo salientar que o próprio acórdão recorrido, ao mencionar que as notificações para as pautas de julgamento são feitas tão-somente através da "internet" ou do Diário Oficial da União, reconheceu que o impetrante jamais foi notificado pessoalmente. Ademais, infere-se dos arts. 22 e 30 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, 179 do Regimento Interno do T.C.U. e 26 da Lei 9.784/99 que a notificação para a audiência deveria ter sido realizada através de inequívoca ciência do responsável ou interessado, veiculada através de carta registrada com aviso de recebimento ou qualquer outro meio idôneo e comprovador do conhecimento da parte ou interessado acerca do ato processual a ser realizado, sendo ainda certo que "a publicação da sessão de julgamento na internet e no Diário Oficial da União tem apenas caráter subsidiário, consoante revela o regramento administrativo e a Lei Federal nº 9.784/1999. Vale dizer, somente poderá ser levada a efeito quando o destinatário não for localizado. No caso concreto, o endereço do Impetrante sempre foi conhecido pela Egrégia Corte de Contas (...)";

c) ilegalidade da decisão impugnada, visto que não observou o disposto nos arts 26 da Lei 9.784/99, 179 do Regimento Interno do T.C.U. e 22 da Lei Orgânica do T.C.U.;

d) ocorrência do perigo da demora, dado que, caso não seja suspensa a tramitação do processo administrativo, "o impetrante será, inevitavelmente, inscrito no CADIN, o que implicará na imediata restrição de sua atividade profissional, com o conseqüente comprometimento da renda familiar", sendo ainda certo que "a decisão administrativa que condenou o Impetrante a pagar, solidariamente a importância correspondente aos depósitos efetuados em sua conta corrente, tem a propriedade de transmudar-se em título executivo, podendo o Impetrante ser alvo de um fulminante processo expropriatório".

Ao final, requer o impetrante, liminarmente, a suspensão da tramitação do processo administrativo do Tribunal de Contas da União até o julgamento do mérito da presente ação mandamental.

Requisitadas informações, o Presidente do Tribunal de Contas da União as prestou, sustentando, em síntese, o seguinte:

a) inexistência de obrigatoriedade de nomeação de defensor para a realização de defesa técnica perante o T.C.U., uma vez que, além de não haver determinação legal nesse sentido, consoante o art. 3º, IV, da Lei 9784/1999, o processo de controle externo efetuado tem natureza eminentemente administrativa, sendo faculdade da parte ser ou não representada por advogado;

b) "inexistência de dispositivo legal ou regimental que determine a notificação pessoal ou por carta dos responsáveis ou interessados sobre a inclusão em pauta para julgamento por esta Corte de processos de seu interesse", sendo ainda certo que o art. 236, caput, aplicável subsidiariamente aos processos de controle externo do T.C.U. (Súmula 103/ T.C.U.), dispõe que no Distrito Federal e nas capitais dos Estados e dos Territórios consideram-se feitas as intimações pela só publicação dos atos no órgão oficial. Ademais, o anúncio sobre a inclusão em pauta para julgamento do Processo foi publicado na imprensa oficial "(...) nas três oportunidades que teve esta Corte de manifestar-se sobre as alegações do Impetrante – com antecedência mínima prevista no art. 141, § 3º, e art. 168 do Regimento Interno desta Casa (...)";

c) observância, na espécie, dos princípios do contraditório e da ampla defesa, valendo salientar que a condenação imposta ao impetrante, por força do acórdão 95/2002 - T.C.U. - 1ª Câmara, está solidamente respaldada na farta prova documental que compõe os autos da referida Tomada de Contas Especial;

d) inexistência do periculum in mora, visto que a exigibilidade da dívida demanda ainda o encaminhamento, pelo Ministério Público junto a este Tribunal, do processo de cobrança executiva à Advocacia-Geral da União, a quem incumbe adotar as providências necessárias ao ajuizamento da respectiva ação de execução, consoante o estabelecido no art. 81, III, da lei 8.443/1992.

Decido.

Não tenho como ocorrentes os pressupostos da liminar, merecendo a questão melhor exame quando da apreciação do mérito.

Ao parecer da PGR.

Publique-se.

Brasília, 21 de agosto de 2004.

Ministro CARLOS VELLOSO

- Relator –

Levado a julgamento pelo Pleno em 24/11/2004 (DJ de 04/3/2005), esse processo resultou na seguinte decisão:

EMENTA:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL: CONCEITO. DIREITO DE DEFESA: PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADO.

I. – A Tomada de Contas Especial não constitui procedimento administrativo disciplinar. Ela tem por escopo a defesa da coisa pública. Busca a Corte de Contas, com tal medida, o ressarcimento pela lesão causada ao Erário. A Tomada de Contas é procedimento administrativo, certo que a extensão da garantia do contraditório (C.F., art. 5º, LV) aos procedimentos administrativos não exige a adoção da normatividade própria do processo judicial, em que é indispensável a atuação do advogado: AI 207.197-AgR/PR, Ministro Octavio Gallotti, "DJ" de 05.6.98; RE 244.027-AgR/SP, Ministra Ellen Gracie, "DJ" de 28.6.2002.

II. – Desnecessidade de intimação pessoal para a sessão de julgamento, intimados os interessados pela publicação no órgão oficial. Aplicação subsidiária do disposto no art. 236, CPC. Ademais, a publicidade dos atos administrativos dá-se mediante a sua veiculação no órgão oficial.

III. – Mandado de Segurança indeferido.

Indiscutível, a meu ver, que havia precedentes uníssonos e harmônicos, o que, aparentemente, não correra no STJ.

Por oportuno, leia-se o que consta do Informativo nº. 505 do STF que abordou o julgamento:

"Defesa Técnica em Processo Administrativo Disciplinar e Ampla Defesa

O Tribunal aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 5 nestes termos: "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.". Essa orientação foi firmada pelo Tribunal ao dar provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que concedera mandado de segurança para anular a aplicação de penalidade expulsiva, ao fundamento de ausência de defesa técnica no curso do processo administrativo disciplinar instaurado contra o impetrante, servidor público. Salientou-se, inicialmente, que a doutrina constitucional vem enfatizando que o direito de defesa não se resume a simples direito de manifestação no processo, e que o constituinte pretende garantir uma pretensão à tutela jurídica. Tendo em conta a avaliação do tema no direito constitucional comparado, sobretudo no que diz respeito ao direito alemão, afirmou-se que a pretensão à tutela jurídica, que corresponderia exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da CF, abrangeria o direito de manifestação (que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes); o direito de informação sobre o objeto do processo (que assegura ao defendente a possibilidade de se manifestar oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos contidos no processo); e o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar (que exige do julgador capacidade de apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas). Asseverou-se, ademais, que o direito à defesa e ao contraditório tem aplicação plena em relação a processos judiciais e procedimentos administrativos, e reportou-se, no ponto, ao que disposto no art. 2º, e parágrafo único, da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, enfatizando que o Supremo, nos casos de restrições de direitos em geral e, especificamente, nos de punições disciplinares, tem exigido a observância de tais garantias. Considerou-se, entretanto, que, na espécie, os direitos à informação, à manifestação e à consideração dos argumentos manifestados teriam sido devidamente assegurados, havendo, portanto, o exercício da ampla defesa em sua plenitude. Reportando-se, ainda, a precedentes da Corte no sentido de que a ausência de advogado constituído ou de defensor dativo não importa nulidade de processo administrativo disciplinar, concluiu-se que, o STJ, ao divergir desse entendimento, teria violado os artigos 5º, LV e 133, da CF. Alguns precedentes citados: RE 244027 AgR/SP (DJU de 28.6.2002); AI 207197/PR (DJU de 5.6.98); MS 24961/DF (DJU de 4.3.2005)."


7. Conclusão

Não tenho como prever se essa Súmula Vinculante nº. 5 vai sofrer alteração, ante a reação verificada. O próprio texto constitucional (art. 103, § 2º.) prevê a hipótese de sua revisão, e mesmo de seu cancelamento. Como sabido, o Poder Judiciário precisa ser provocado para se manifestar, e somente um dos entes relacionados nos nove incisos do art. 103 da CF/88 (o Conselho Federal da OAB é um deles) poderá propor a revisão ou o cancelamento dessa Súmula Vinculante nº. 5, sem poder, do meu ponto de vista, basear-se em falta de cumprimento dos requisitos constitucionais.

O tempo dirá.

Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. A Súmula Vinculante nº 5 e as reações que provocou. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1807, 12 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11374. Acesso em: 22 dez. 2024.

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