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A carteira de previdência dos advogados paulistas.

Inconstitucionalidade e ética da irresponsabilidade

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Agenda 03/08/2008 às 00:00

3. ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA FUNDAMENTAÇÃO DA OAB/SP, DA AASP E DO IASP:

O maior erro do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1.994), resultante, aliás, de anteprojeto elaborado pela própria Ordem dos Advogados, está em seu art. 44, combinado com o art. 47.

O art. 44 do Estatuto atribui à Ordem duas missões, absolutamente incompossíveis: a institucional, de defesa da Constituição, constante do inciso I desse artigo, cujo núcleo é a ética; e a sindicalista, corporativa, muito mais própria de um sindicato, de filiação voluntária, constante do inciso II:

"Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;

II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil."

O artigo 47 do Estatuto, por sua vez, determinou que: "o pagamento da contribuição anual à OAB isenta os inscritos nos seus quadros do pagamento obrigatório da contribuição sindical".

A intenção, evidentemente, dos autores do Anteprojeto do Estatuto, foi a de fazer com que os dirigentes da OAB assumissem, também, as funções sindicalistas: promover, com exclusividade..., diz o inciso II do art. 44.

Com essas normas, dos arts. 44 e 47 do Estatuto da OAB, ficou praticamente inviabilizada, desde logo, a criação dos sindicatos de advogados, levando assim à absurda concentração, na Ordem, dessas duas funções, que se excluem, absolutamente, porque sempre que estiver envolvido o interesse sindicalista, fatalmente a finalidade institucional da OAB ficará em segundo plano. Isso tem acontecido em inúmeras oportunidades, o que depõe, aliás, contra a imagem de nossa corporação profissional, que deveria defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado democrático de Direito.

Os exemplos estão em toda parte: os convênios inconstitucionais da OAB com os Estados de São Paulo e Santa Catarina, para a Assistência Judiciária aos carentes, que dão emprego a mais de 50 mil advogados, sem concurso público, remunerados com verbas públicas; a defesa intransigente do Exame de Ordem, apesar de sua flagrante inconstitucionalidade; a crítica à Súmula Vinculante nº 5, do Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de ampliar o mercado de trabalho dos advogados; a defesa intransigente, pelos dirigentes da OAB, da própria Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo, que recebia participação nas custas processuais, cuja inconstitucionalidade será comprovada a seguir, etc...

O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu, através do Ministro EROS GRAU, relator da ADI nº 2.522, que a OAB é um sindicato:

"O texto normativo atribui à OAB a função tradicionalmente desempenhada pelos sindicatos, ou seja, a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, com a ressalva de que a defesa desempenhada pela Ordem ampara todos os inscritos, não apenas os empregados, como o fazem os sindicatos. Não há, destarte, como traçar relação de igualdade entre os sindicatos de advogados e os demais, já que as funções que deveriam, em tese, ser por eles desempenhadas foram atribuídas à Ordem dos Advogados."

Na minha opinião, a OAB/SP, a AASP e o IASP, bem como a FADESP e a própria OAB federal, na defesa que estão fazendo neste caso, da Carteira de Previdência dos Advogados Paulistas, com os Pareceres dos três ilustres juristas, com o Projeto de Lei e com as Ações propostas, "esqueceram", apenas, a função institucional da OAB, constante do referido inciso I do art. 44 do Estatuto. Esqueceram, também, que o próprio Advogado, aliás, de acordo com o art. 20 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia, no ato de sua inscrição na Ordem, presta o seguinte juramento:

"Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas."

Preocuparam-se, apenas, na minha opinião, todos eles, com a defesa dos interesses dos advogados.

A seguir, serão contestados os diversos argumentos "jurídicos" já relatados acima, constantes dos referidos Pareceres, do Projeto de Lei e das Petições Iniciais da ADI e da ACP. Para essa tarefa, será feita, inicialmente, a distinção, entre o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e o Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Nos tópicos seguintes, serão abordados os temas da "Ética da Responsabilidade", de que trata o Parecer do Dr DALLARI; do pretenso "direito adquirido" dos aposentados e pensionistas, em face da inconstitucionalidade da lei estadual; e da inconstitucionalidade da Taxa de Previdência, que era destinada à Carteira de Previdência dos Advogados Paulistas.

3.1. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

O Dr. WAGNER BALERA, Professor Titular de Direitos Humanos e Direito Previdenciário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em seu Parecer, criticando a Nota do IPESP, que afirmou que a Carteira de Previdência dos Advogados, pelo fato de não ser integrada por servidores públicos titulares de cargo efetivo, não possui natureza de regime próprio, afirmou o seguinte:

"Quem disse ao IPESP que o regime previdenciário dos advogados não é próprio? Certamente não foi o constituinte nem tampouco o legislador. Sobre o conceito universalmente aceito pela doutrina de regime próprio, é noção cediça que o mesmo é aquele que contempla os dois benefícios básicos: aposentadoria e pensão. Rápida análise dos termos da lei estadual já citada demonstra que o regime dos advogados de São Paulo assim se acha configurado". (os grifos não são do original)

Data vênia do ilustre Professor Titular de Direito Previdenciário, eu não compreendi, absolutamente. No meu parco entendimento dos assuntos previdenciários, eu acreditava que o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) fosse, exatamente, aquele Regime Previdenciário instituído pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, em benefício de seus servidores, apenas.

Após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 20/1.998, somente os servidores concursados, os efetivos, podem ser filiados ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Antes dessa Emenda, qualquer tipo de servidor poderia ser abrangido pelo RPPS, ou seja, os comissionados, os temporários, e até mesmo os ocupantes de cargos eletivos.

Mas eu não entendi, sinceramente. Como é que pode, o Dr. BALERA, Professor Titular de Direito Previdenciário, afirmar que a Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo pode ser enquadrada no conceito de Regime Próprio de Previdência Social? Eu devo estar enganado, realmente.

De acordo com o Dr. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS, em artigo publicado ainda em 1.997, antes da Reforma da Previdência, não poderia existir dúvida a esse respeito (Veja o artigo):

"A regra do artigo 40 da CF, embora não se refira expressamente ao servidor efetivo, vincula-se de maneira indissociável e exclusiva ao servidor ocupante de cargo efetivo. Assim, é consentânea ao regime de cargo, e não se aplicam as regras a ele relativas, automaticamente, ao ocupante de emprego público, ainda que vinculado à Administração direta, autárquica e fundacional, remanescentes da ordem constitucional anterior que não exigia a unicidade de regime.

Nesse sentido, entende Carlos Ari Sundfeld que:

"Esse artigo está dirigido a disciplinar o regime jurídico dos servidores efetivos, providos em seus cargos por concurso público. Apenas eles têm direito à aposentadoria no regime previsto - isto é - com proventos integrais por tempo de serviço e assim por diante".

Os preceitos do art. 40 não se aplicam aos servidores em geral; apenas, repita-se, aos efetivos. Aliás, o seu § 2º, reconhecendo essa circunstância, dispôs que ‘a lei disporá sobre a aposentadoria em cargos e empregos temporários’.. Por isso, estou desde logo em desacordo com a idéia de que, pelo fato de o caput do art. 40 falar em ‘servidores públicos’ - expressão em princípio abrangente, designativa da generalidade dos atentes profissionais do Estado - a regra do seu inciso II atingiria os ocupantes de cargo em comissão. A meu ver, o caput do art. 40 deve ser lido como se dissesse que ‘o servidor efetivo será aposentado.." (os grifos não são do original)

Hoje, depois da Reforma da Previdência, pela Emenda Constitucional nº 41/2.003, a regra do art. 40 da Constituição Federal já se refere expressamente ao servidor efetivo:

"Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo."

Com o devido respeito, portanto, a não ser os advogados públicos, concursados, apesar de toda a importância da Advocacia, mesmo sendo o advogado "indispensável à administração da Justiça", nos termos do art. 133 da Constituição Federal, e data vênia do Dr. BALERA, os advogados não são servidores titulares de cargos efetivos, para que se possam beneficiar do Regime Próprio da Previdência dos Servidores do Estado de São Paulo. Os advogados são profissionais liberais e são contribuintes obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social, a cargo do INSS.

Portanto, Plano Previdenciário Oficial, com dinheiro público, apenas para servidores efetivos, porque para servidores comissionados, para servidores temporários, e até mesmo para os ocupantes de cargos eletivos, não se admite.

E a Ordem dos Advogados do Brasil sabe disso, como se pode comprovar com o ajuizamento, pelo Conselho Federal da OAB, de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, contra uma lei paranaense, que criava um plano de aposentadoria especial – com dinheiro público – para os deputados daquele Estado.

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Os dirigentes da OAB paranaense consideraram imoral esse plano de aposentadoria, devido à utilização de recursos públicos, e o Conselho Federal da OAB decidiu questionar, perante o Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade dessa Lei. (Veja aqui a notícia da página da OAB)

Assim, em agosto de 2.007, foi ajuizada, perante o Supremo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.948 (Veja aqui a ADI 3.948), impugnando a Lei Complementar nº 120, integralmente, em face do art. 202, caput e § 3º da Constituição Federal. Dentre outras razões, consta, na petição inicial da OAB, que:

"Os detentores de mandato eletivo não detêm cargo efetivo. A natureza do cargo é transitória. O artigo 40, caput, da Constituição Federal não lhes é direcionado. Em parágrafo do artigo 40, há norma que a eles é dirigida, qual seja, o § 13, que estabelece: "ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social." Os mandatos incluem-se na categoria "outro cargo temporário", pena de esvaziamento, por falta de incidência, desse próprio aspecto do comando constitucional." (os grifos não são do original)

O Supremo nada decidiu, ainda; nem mesmo concedeu a liminar, mas é evidente que a OAB tem razão. Aposentadoria com dinheiro público, somente para servidores efetivos. Não há nenhuma dúvida a esse respeito. Deputados não são servidores efetivos.

Seria lícito perguntar, portanto: E os advogados paulistas, por acaso, são detentores de cargo efetivo, para que possam ter, em São Paulo, a sua Carteira de Previdência Oficial? Será direcionada a esses advogados a norma do caput do art. 40 da Constituição Federal?

E mais: Por que será que a OAB questionou, perante o Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade da Lei paranaense, mas continua defendendo o Plano de Previdência Oficial dos Advogados Paulistas?

Se alguém souber a resposta, eu agradeceria. Pode ser que eu esteja enganado. Pode ser.

Portanto, se os dirigentes da OAB sabem, perfeitamente, que apenas os servidores efetivos podem ter uma aposentadoria com dinheiro público, ou uma aposentadoria oficial; se os dirigentes da OAB sabem, perfeitamente, que para os cargos em comissão, para os cargos temporários, para os detentores de mandato eletivo, e obviamente, com maior razão, para os profissionais liberais, para os advogados, a opção seria o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), como é possível que, em São Paulo, os advogados tenham direito a um plano oficial de aposentadoria?

É bem verdade que a FADESP, na fundamentação de sua Ação Civil Pública, declarou, solenemente, que a Advocacia é profissão de Estado.

No entanto, mesmo assim, o que quer que isso signifique, os advogados ainda são profissionais liberais, na minha opinião, e ainda estão sujeitos, apenas, ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Aposentadoria oficial, com dinheiro público, com o repasse de um percentual das taxas processuais e da taxa de mandato, não é possível, como será melhor explicitado em seguida.

Para maiores detalhes, a respeito da distinção entre RPPS e RGPS, VEJA ESTA AULA, de uma página especializada em concursos públicos.

3.2. A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE

Em seu Parecer, o Dr. DALLARI, Professor Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), tentando comprovar a responsabilidade objetiva do Estado de São Paulo em relação à Carteira de Previdência dos Advogados Paulistas, falou a respeito da "Ética da Responsabilidade", condicionada pela avaliação das conseqüências dos atos de governo, em relação aos direitos dos cidadãos.

Disse o Dr. DALLARI que, ao assumir a condição de gestor, ainda que por intermédio de uma autarquia (IPESP) o Estado assumiu, implícita e automaticamente, a responsabilidade disso decorrente.

Disse, ainda, o Dr. DALLARI, que ao criar uma Carteira de Previdência dos Advogados, por lei, o Estado de São Paulo deu ensejo a uma situação potencialmente causadora de dano, e que "Não importa a licitude da instituição da Carteira e seus nobres propósitos. O fato é que a lei estadual criou um mecanismo no qual os advogados passaram a confiar e aportar suas contribuições." (os grifos não são do original)

Verifica-se, portanto, que o Dr. DALLARI não acha importante a licitude da instituição da Carteira. Essa questão, que pode envolver a inconstitucionalidade da Lei estadual que criou a Carteira de Previdência dos Advogados, como um Plano de Previdência Oficial, bem como o repasse de custas processuais para essa Carteira, que há muito já é considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, será abordada posteriormente.

O que interessa, neste momento, é que o Dr. DALLARI afirmou que os governantes devem avaliar as conseqüências de seus atos, tendo em vista a doutrina denominada "Ética da Responsabilidade".

Na minha opinião, isso é verdade, mas com um "pequeno detalhe". Não se pode falar em "Ética da Responsabilidade", quando o ato do governante é praticado com o intuito de beneficiar uma categoria profissional – por mais importante que seja a advocacia -, em detrimento do indispensável respeito à Lei Fundamental.

O sociólogo alemão MAX WEBER (A Política como Vocação, 1.918), de quem foi tomada essa idéia, distinguiu a ética dos fins, ou da responsabilidade, e a ética dos valores. A ética da responsabilidade, para ele, é a dos políticos, que devem medir as conseqüências de seus atos. É "o conjunto de normas e valores que orientam a decisão do político, a partir da sua posição como governante ou legislador."

Aliás, WEBER foi influenciado pelo "O Príncipe", e chegou a elogiar um trecho em que MAQUIAVEL louva a decisão de Florença, na Itália: ameaçados de excomunhão pelo Papa, os florentinos preferiram a salvação da cidade. Deixaram de lado, evidentemente, a ética religiosa.

No entanto, a ética da responsabilidade, própria dos governantes, leva – ou deveria levar - em consideração, em primeiro lugar, o bem coletivo, e não o de uma categoria profissional. Para MAQUIAVEL, "não é o interesse particular que faz a grandeza dos estados, mas o interesse coletivo". (Discursos, Livro II, Cap. II)

Também no "O Príncipe", de 1.513, MAQUIAVEL afirma que o Príncipe não deve usar o poder como meio para atingir fins pessoais, e sim para servir a uma causa maior, um projeto para a posteridade, algo que o torne digno de ser lembrado. "Nada faz tanta honra a um Príncipe novo, quanto as novas leis e os novos regulamentos por ele elaborados. Estes, quando são bem fundados e em si encerram grandeza, tornam o Príncipe digno de reverência e admiração". (O Príncipe, Cap. XXVI)

Para RUBENS APPROBATO MACHADO, ex-presidente da OAB-SP e do Conselho Federal da OAB, quando interesses pessoais, familiares ou corporativos sobrepujam o coletivo, o sentido democrático do Estado é destruído: "O exercício pleno da cidadania só é possível no Estado plenamente ético". (Veja o texto: OAB/SP lança campanha pela Ética na Política)

Assim, na minha opinião, não é possível defender, como o faz o Dr. DALLARI, com supedâneo na "Ética da Responsabilidade", a edição de uma lei inconstitucional.

Para BRESSER PEREIRA, em artigo publicado na Folha de São Paulo, "Ética e Política" (2.004),

"há três tipos de imoralidade na política: imoralidade quanto aos meios, quanto aos fins e quanto aos meios e aos fins. A imoralidade quanto aos meios é aquela que resulta de os meios utilizados serem definitivamente condenáveis. A imoralidade quanto aos fins é aquela que se materializa quando falta ao político a noção de bem público: ainda que seu discurso possa afirmar valores, ele realmente busca apenas seu poder ou seu enriquecimento, ou ambos. Nesse caso, configura-se o político moralmente oportunista, que não tem outro critério senão seu próprio interesse. Há certos casos em que a imoralidade é apenas em relação aos meios, outros, apenas quanto aos fins, mas geralmente são uma imoralidade tanto os meios quanto os fins: o político usa de quaisquer meios para atingir seus fins pessoais. Nesse caso, temos a imoralidade absoluta, o oportunismo, radical."

A Ética da Responsabilidade não tem nada a ver com isso, obviamente.

3.3. O DIREITO ADQUIRIDO

O Ilustre Magistrado Dr. WILSON LEITE CORREA, em seu artigo "Constituição, Direito Adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito" (Veja o artigo) analisa, com muita propriedade, a questão do direito adquirido, em face da inconstitucionalidade da lei.

Existem, diz ele, três hipóteses:

a) o direito subjetivo regularmente constituído, de acordo com a ordem constitucional vigente, mas lhe sobrevem uma nova ordem constitucional – poder constituinte originário;

b) o direito subjetivo regularmente constituído, de acordo com a ordem constitucional vigente, mas violado através do processo de reforma constitucional – poder constituinte derivado;

c) o direito subjetivo, "constituído" (?) sob a égide de uma determinada ordem constitucional, mas em confronto com essa ordem. É a hipótese do direito subjetivo irregularmente constituído, que vem a calhar para o caso da carteira de Previdência dos Advogados Paulistas.

De acordo com o Dr. WILSON CORREA, nessa terceira hipótese – e não poderia ser de outra forma, obviamente -, a dissonância com a ordem constitucional vigente deve ser resolvida em favor da norma constitucional: "A constituição de determinado direito subjetivo pressupõe a observância da Constituição. Em ordenamentos jurídicos como o nosso, em que existe a supremacia da Constituição, todo ato administrativo, legislativo, judicial ou particular, deve guardar consonância com o texto constitucional, sob pena de invalidade". (os grifos não são do original).

Na verdade, diz ele, "em caso de ofensa à Carta Magna, o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, não chegam sequer a formar-se, uma vez que o pressuposto de validade de qualquer ato jurídico é a consonância com a Constituição. O que existe in casu é um suposto direito subjetivo, que do ponto de vista jurídico-constitucional inexiste juridicamente". (os grifos não são do original).

Em seu Parecer, disse o Dr. DALLARI que, "ao criar uma Carteira de Previdência dos Advogados, por lei, o Estado de São Paulo deu ensejo a uma situação potencialmente causadora de dano, e que "Não importa a licitude da instituição da Carteira e seus nobres propósitos. O fato é que a lei estadual criou um mecanismo no qual os advogados passaram a confiar e aportar suas contribuições." (os grifos não pertencem ao original)

Ora, é evidente que o Dr. DALLARI não levou em consideração o fato de que essa Lei era inconstitucional, porque a lei paulista não poderia criar uma Previdência Oficial para os advogados, nem poderia, muito menos, destinar parte da arrecadação de um tributo para a aposentadoria dos advogados.

A licitude da instituição da Carteira importa, sim. O direito adquirido somente se forma de acordo com a lei, mas é preciso que essa lei seja constitucional. É preciso que a lei seja regular, em face do padrão de regularidade de nossa ordem jurídica, ou seja, a Constituição Federal. Contra a Constituição, nada prospera, já o dizia Pontes de Miranda, em seus Comentários.

Não basta dizer, assim, que:

"o Estado pode alterar sua política previdenciária, mas desde que respeite os efeitos do ato jurídico perfeito e do direito adquirido". (...) "O IPESP, até sua extinção, e a SPPrev como sua sucessora, respondem diretamente perante os beneficiários da Carteira e, na hipótese de que estas entidades criadas pelo Estado não possam arcar com os pagamentos devidos, responderá o Estado subsidiariamente."

A questão é mais complexa do que possa parecer. Os direitos devem ser respeitados, claro, mas os advogados não podem dizer, agora, que desconheciam a inconstitucionalidade. Havia jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Não basta dizer que eles acreditaram no Governo do Estado.

Também o Dr. ARNOLD WALD, em seu Parecer, alegou a existência do direito adquirido, concluiu pela responsabilidade do IPESP em relação aos compromissos assumidos junto aos segurados da Carteira de Previdência dos Advogados e disse que "os deveres e obrigações a ela imputáveis deverão ser transferidos para o seu sucessor, in casu, a SPPREV."

O Dr. WALD citou GABBA, para dizer que o direito adquirido "é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se realizou..."

Ora, é evidente que as Leis paulistas, sendo inconstitucionais, não poderiam gerar direitos. Mas é evidente, também, que ninguém se preocupou com isso, nem os deputados que aprovaram as leis, nem os Governadores, que as sancionaram, nem os dirigentes da OAB/SP, que defenderam e defendem os direitos dos advogados paulistas a uma Previdência Oficial, nem, muito menos, os advogados que se associaram à Carteira de Previdência, "acreditando" nas leis paulistas.

Portanto, em um sistema como o nosso, de supremacia da Constituição, não existe alternativa: a inexistência de coisa julgada, direito adquirido e ato jurídico perfeito contra a Constituição.

A não ser que o Supremo Tribunal Federal, que já se transformou em um Tribunal político, em vez de ser um guardião da Constituição, utilizando a permissão – inconstitucional, a meu ver – de que dispõe, para a modulação dos efeitos de suas decisões, decida, se for o caso, que as leis paulistas que criaram a Carteira de Previdência dos Advogados e a Taxa de Previdência são inconstitucionais, mas essa decisão somente será aplicada dessa data em diante – ex nunc -, ou a partir de um momento determinado...

3.4. A INCONSTITUCIONALIDADE DA TAXA DE PREVIDÊNCIA

Em seu Parecer, o Dr. WAGNER BALERA disse que, quando o Estado de São Paulo "retirou os repasses de custas processuais, assumiu os riscos inerentes à sua imprevidente atitude política, que teve como conseqüência o agravamento do desequilíbrio financeiro e atuarial da já combalida Carteira de Previdência dos Advogados".

Isso seria verdade, se o repasse das custas processuais para a Carteira de Previdência dos Advogados não fosse inconstitucional, e se fosse possível, também, a existência de um Plano Oficial de Previdência para profissionais liberais, como os advogados.

O Dr. BALERA citou, em seu Parecer, dois dispositivos constitucionais, que segundo ele estariam sendo vulnerados, porque "exigem a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial dos planos de previdência", exatamente os artigos 40 e 201.

A respeito do §5º do art. 5º, que ele também cita, não posso me manifestar, porque esse dispositivo não existe na Constituição.

Mas os artigos 40 e 201 exigem, realmente, a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial, como afirma o Dr. BALERA, mas é preciso observar que o art. 40 se refere, exclusivamente, aos servidores titulares de cargos efetivos (RPPS), enquanto que o art. 201 trata do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), assunto que já foi abordado em tópico anterior.

Assim, é óbvio que, quanto ao "Plano de Previdência Oficial" dos Advogados Paulistas, nada estaria sendo vulnerado, porque: a) o art. 40 da Constituição Federal se refere, apenas, aos servidores titulares de cargos efetivos; b) era inteiramente inconstitucional o repasse de custas processuais para a Carteira de Previdência dos Advogados Paulistas, que o Estado de São Paulo retirou, em "sua imprevidente atitude política", como afirmou o Dr. BALERA.

A esse respeito, é interessante citar o fato de que, no artigo "Imoralidade Pública. Taxa de Previdência Cobrada em São Paulo é Inconstitucional", publicado em 2.003 (Veja o artigo), o Dr. RAUL HAIDAR afirma que deixou de ser Conselheiro da OAB/SP por não concordar com os seus dirigentes:

Essa taxa já foi por nós questionada mediante representação datada de 3/7/2001 perante o Conselho da OAB-SP. Lamentavelmente, seu Presidente resolveu encaminhar o assunto de forma irregular, não o submetendo à apreciação do Conselho, com o que a matéria terminou por ser arquivada, depois de examinada por ilustres advogados vinculados à Carteira de Previdência.

A Lei a que se refere o Dr. BALERA, que teria sido revogada graças à "imprevidente atitude política do Estado de São Paulo", é a Lei nº 11.608, que acabou com o repasse inconstitucional de custas processuais, que constituía a principal receita dessa "Carteira", algo em torno de 70% do total. A OAB/SP, inconformada, imediatamente provocou o Conselho Federal da OAB, para a propositura de uma ADI, visando a declaração da inconstitucionalidade dessa lei, conforme já foi explicado anteriormente (Veja a ADI nº 3.154).

No entanto, no julgamento da ADI nº 1.145, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido, ainda em 1.994, que "as custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal (...) e o produto de sua arrecadação não pode ser destinado a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advogados, porque isso importaria ofensa ao princípio da igualdade." (Veja a ADI nº 1.145). Veja o inteiro teor.

Ressalte-se que já existiam, naquela época, copiosos precedentes, nesse mesmo sentido: ADI 1772 (MC) – MG, ADI 1378 (MC) – ES, ADI 948 – GO, RE 116.208 – MG, ADI 2059 – PR, ADI 1709 – MT, ADI 1778 (MC) – MG, REP 1296 – RS, REP nº 1094, REP 1139 e ADI 2040 (MC) – PR.

Observe-se, ainda, que na Representação nº 1.139, de 1.986 (Veja o inteiro teor), tendo sido argüida a inconstitucionalidade de uma lei, que determinava o pagamento, em favor da Associação dos Magistrados da Bahia, de uma contribuição de 1% sobre os feitos distribuídos em todas as Comarcas daquele Estado, o Supremo Tribunal Federal já havia firmado o entendimento de que as custas processuais têm natureza tributária e não poderiam ser destinadas, especificamente, àquela Associação de Magistrados.

Sabe-se, no entanto, que as custas processuais, apesar de sua natureza tributária, têm sido utilizadas, em todo o Brasil, em muitos Estados, para beneficiar as associações de magistrados, de membros do Ministério Público e também as Caixas de Assistência dos Advogados.

Somente em 2.004, pela Emenda Constitucional nº 45, foi acrescentado ao art. 98 da Constituição Federal o § 2º, para dizer claramente que: "As custas e emolumentos são destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça". Uma tentativa, evidentemente, de acabar com os abusos, que se multiplicavam. E ainda se multiplicam, por incrível que isso possa parecer.

Não resta dúvida, portanto, de que todas essas leis, que criavam esses repasses, eram claramente inconstitucionais, no próprio entendimento do Supremo Tribunal Federal, desde 1.986! Há mais de vinte anos, portanto.

Ao que parece, somente os dirigentes da OAB/SP desconheciam essa jurisprudência.

Examinando a petição inicial da OAB, na ADI nº 3.154, verifica-se que as alegações se resumem ao fato de que o aumento das custas processuais dificulta o acesso da população ao Judiciário paulista. Em nenhum momento, o Supremo Tribunal Federal foi informado a respeito das conseqüências que teria a declaração da inconstitucionalidade dessa Lei, seja liminarmente, seja em definitivo, isto é, com efeitos ex tunc, voltariam a ser efetuados os repasses das custas processuais para a Carteira dos Advogados do Estado de São Paulo. Seria como se a Lei nº 11.608/2.003 nunca tivesse existido. Ela não teria produzido nenhum efeito jurídico, e continuaria em plena vigência a Lei nº 10.394, de 1.970.

Muito interessante é que a OAB, em suas alegações, na ADI nº 3.154, tentando provar, perante o Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade da Lei nº 11.608/2.003, que acabou com o repasse das custas judiciais, utiliza uma argumentação jurídica que comprova, perfeitamente, a inconstitucionalidade da Lei que vem beneficiando, há mais de trinta anos, a própria Carteira de Previdência dos Advogados. Vejamos:

"Releva salientar, no que se refere à destinação da Taxa Judiciária pela nova legislação paulista, que apenas 40% de seu montante é repartido aos fundos dos tribunais estaduais e custeio de diligências de oficiais de justiça, nos termos de seus artigos 9º a 11. Assim, 60% são administrados pelo Estado de São Paulo, não necessariamente em atividades voltadas para os serviços judiciários. Desse modo, a falta de destinação adequada contamina inapelavelmente todas as cobranças derivadas da lei atacada, exigindo-se seja ela declarada integralmente inconstitucional. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal acerca de tal tema:

"ADI 2040 / PR - PARANÁ

Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA

"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TABELA DE CUSTAS DOS ATOS JUDICIAIS DO ESTADO DO PARANÁ.

(...)

4. A vinculação das taxas judiciárias e dos emolumentos a entidades privadas ou mesmo a serviços públicos diversos daqueles a que tais recursos se destinam subverte a finalidade institucional do tributo." (os grifos não são do original)

Aliás, a própria ADI 2.040 (Veja aqui a ADI 2.040), citada pela OAB, na Petição Inicial da ADI 3.154, também teve como requerente o Conselho Federal da OAB, e deu entrada no Supremo Tribunal Federal em agosto de 1.999, o que comprova que os dirigentes da OAB já sabem, há nove anos, que "as taxas judiciárias não podem ser destinadas a serviços públicos diversos daqueles a que se destinam".

Na Petição Inicial da ADI2.040 (Veja aqui a petição), que pediu ao Supremo Tribunal Federal a declaração da inconstitucionalidade integral da Lei nº 11.960/1.997, que destinava a arrecadação das taxas judiciárias, no Estado do Paraná, à Carteira de Previdência Complementar dos Servidores do Poder Judiciário, dizia a OAB:

"Destinar recursos públicos para previdência complementar de servidores vulnera também a Constituição Federal. Por serem remuneratórias de um serviço, nos termos do próprio artigo 145, II, da Constituição, as taxas não podem ter destinação diferente dessa remuneração. Merece ser citado precedente deste Tribunal nesse sentido:

"ADIMC 1378/ES

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA CAUTELAR

RELATOR – Min. CELSO DE MELLO

Publicação: DJ DATA 30/05/1997 PP 23175 EMENT VOL 01871 -02 PP-00225

Julgamento 30/11/1995 - Tribunal Pleno

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS – NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) – DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS – INADMISSIBILIDADE – VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA – DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA TAXA – RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO – MEDIDA LIMINAR DEFERIDA – NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS.

- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade.

Precedentes. Doutrina.

SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS

- A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público.

A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada "em caráter privado, por delegação do poder público (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa.

-As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas "a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos" (Lei nº 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Doutrina e Jurisprudência.

-DESTINAÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS A FINALIDADES INCOMPATÍVEIS COM A SUA NATUREZA TRIBUTÁRIA.

- Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa – que é tributo vinculado – restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas. É que, em tal situação, subverter-se-ía a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilegiado (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de Magistrados e Caixa de Assistência dos Advogados) importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade. Precedentes."

Portanto, desde 1.995, pelo menos, quando foi julgada a "ADIMC 1.378/ES, citada pela OAB, na Petição Inicial da ADI 2.040, não havia mais nenhuma dúvida sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Seria lícito perguntar, então: se a OAB sabe – e já sabia, há pelo menos doze anos, que as taxas judiciárias devem ser destinadas às atividades voltadas para os serviços judiciários, e sabe também que essa é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por que será que ela pretende manter, mesmo assim, os repasses das custas para a Carteira de Previdência dos Advogados Paulistas?

Se alguém souber a resposta, eu agradeceria. Pode ser que eu esteja enganado. Pode ser.

Verifica-se, também, que a OAB fez questão de pedir ao Supremo Tribunal Federal, através da ADI nº 3.154, a declaração de inconstitucionalidade integral da Lei nº 11.608/2.003, para que os repasses de custas processuais para a Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo voltassem a ser feitos, e fundamentou juridicamente esse pedido, alegando existir uma "relação de dependência ou de interdependência entre as partes constitucionais e inconstitucionais..."

A respeito da inconstitucionalidade da Lei paulista anterior, a OAB preferiu manter o mais absoluto silêncio...

Até esta data, porém, não houve qualquer decisão do Supremo, na já referida ADI 3.154.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão é muito mais complexa do que possa parecer. Os direitos dos aposentados, pensionistas e contribuintes da Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo devem ser respeitados, é claro, mas os advogados não podem dizer, agora, que desconheciam a inconstitucionalidade dessas leis. Havia jurisprudência, antiga, do próprio Supremo Tribunal Federal. Não basta dizer que eles acreditaram no Governo do Estado.

Aliás, nada foi feito, pelo Governo do Estado de São Paulo, sem que para isso os dirigentes da OAB/SP, da AASP e do IASP tomassem a iniciativa de propor a criação desse "Plano de Previdência", mantido com o repasse de verbas públicas, para garantir o futuro dos advogados paulistas, tendo em vista que eles desempenham uma "profissão de Estado".

Não é possível dizer que o Governo de São Paulo, ao aprovar essa legislação, agiu de acordo com a "Ética da Responsabilidade", porque houve, na minha opinião, o intuito de beneficiar uma categoria profissional, em detrimento do interesse público e do indispensável respeito à Lei Fundamental.

É evidente que as Leis paulistas, sendo inconstitucionais, não poderiam gerar direitos. Mas é evidente, também, que ninguém se preocupou com isso, nem os deputados que aprovaram as leis, nem os Governadores, que as sancionaram, nem os dirigentes da OAB/SP, da AASP, do IASP, e da FADESP, que defenderam e defendem os direitos dos advogados paulistas a uma Previdência Oficial, nem, muito menos, os advogados que se associaram à Carteira de Previdência, "acreditando" nas leis paulistas. Essa é a verdadeira "Ética da Irresponsabilidade".

Mas os romanos já diziam – em, pelo menos, três versões:

"Errare humanum est; in errore perseverare, belluinum

." (Errar é do homem, perseverar no erro é da besta)

"Errare humanum est, perseverare autem diabolicum." (Humano é pecar, diabólico perseverar)

"Errare humanum est, sed in errore perseverare dementis." (Errar é próprio do homem, mas perseverar no erro é próprio do louco).

Na minha opinião, todos eles estão perseverando no erro, infelizmente.

A OAB/SP, a AASP e o IASP, bem como a FADESP e a própria OAB federal, estão perseverando no erro, na defesa que estão fazendo, neste caso, da Carteira de Previdência dos Advogados Paulistas, com os Pareceres dos três ilustres juristas, com o Projeto de Lei e com as Ações propostas, porque continuam "esquecendo" a função institucional da OAB: defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito.

Eles estão se preocupando, apenas, todos eles, na minha opinião, com a defesa dos interesses dos advogados. E isso depõe, evidentemente, contra a imagem da OAB, conquistada em tantos anos de lutas, em favor da Democracia e do Estado de Direito.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. A carteira de previdência dos advogados paulistas.: Inconstitucionalidade e ética da irresponsabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1859, 3 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11560. Acesso em: 22 dez. 2024.

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