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Algemados à hipocrisia

Agenda 17/08/2008 às 00:00

Na quarta feira, dia 13 de agosto, o Supremo Tribunal Federal aprovou em tempo recorde a Súmula número 11, que veda o uso de algemas determinando que "só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e fundado receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia por parte de preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e a nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

A medida foi editada imediatamente após nova operação da PF em que 32 pessoas foram presas e algemadas.

O posicionamento dos magistrados, além do absoluto desconhecimento do impacto de tal ordem no dia a dia das polícias, demonstra a nítida preocupação em "blindar" as classes mais abastadas que apenas recentemente começaram a freqüentar as delegacias do país.

Vamos por partes: O trabalho policial não se limita às operações que a mídia tanto gosta de noticiar. Ele é feito em sua imensa maioria de prisões, seja em flagrante delito ou em cumprimento de mandados judiciais, escolta e condução de presos a audiências perante o juiz e diversas outras atividades não relacionadas à imobilização de suspeitos. Burocratizar esta técnica operacional policial é colocar em risco a integridade de milhares de pessoas, especialmente policiais, que serão obrigados a conduzir portando suas armas, pessoas com liberdade de movimentos. A tensão resultante desta situação, por si só, já é capaz de causar sérios riscos para estes profissionais e para terceiros.

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Além disso, a idéia de que o uso das algemas pré-condena quem as porta é equivocada. Algemas existem para conter pessoas PRESAS, independentemente de já estarem CONDENADAS ou não. Se por fundadas suspeitas de infringências à lei um magistrado determina a prisão de alguém, tal ordem carrega implicitamente a mensagem "CONTER E CONDUZIR com segurança e sob a custódia do Estado", daí a necessidade de se utilizar a técnica operacional mais segura para o preso, a polícia e a sociedade. Isto nada tem a ver com a presunção de inocência do conduzido.

Igualmente chama a atenção o uso do argumento de preservação da dignidade da pessoa humana para justificar a anulação da condenação do pedreiro de Laranjal Paulista, que ficou algemado em seu julgamento após ter assassinado, a facadas, um marceneiro. Tal julgamento, ironicamente realizado pela filha do Ministro Peluso, teria sido influenciado pela ostentação das algemas pelo réu e deu origem à referida súmula.

As roupas que os presidiários utilizam em julgamentos e audiências, normalmente "calções" e "camisões" laranja ou bege, são o maior símbolo de sua exclusão. São verdadeiros "uniformes de marginal" que o sistema penitenciário lhes fornece. Seguindo-se o argumento do STF, a indumentária degradante influenciaria negativamente nas decisões dos processos de quem as ostenta. Para sanar tal problema seria necessária uma das duas medidas: Ou que juízes, promotores e advogados se vestissem com a "degradante indumentária", ou que o réu se vestisse de terno e gravata.

O mais grave disto tudo é a porta que se escancara para advogados pedirem relaxamentos de prisões, responsabilizações de agentes públicos e indenizações pelo Estado pelos casos em que o policial julgou necessário o uso de algemas baseado em sua vivência policial e sem a exigida fundamentação por escrito. Quem perde com isto? Certamente não o conduzido. Certamente não o advogado. Quem perde é a sociedade, cada vez mais à mercê daqueles que a assola, seja das ruas ou dos gabinetes, enquanto o Poder Judiciário deixa a polícia de mãos atadas. Ou seria algemadas?

Sobre o autor
Luiz Alécio Scarabucci Janones

Agente de Polícia Federal em São José do Rio Preto (SP). Mestre em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JANONES, Luiz Alécio Scarabucci. Algemados à hipocrisia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1873, 17 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11617. Acesso em: 22 dez. 2024.

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