4. EFEITOS DA REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL
Entrar-se-á nessa fase do trabalho em um tema que exterioriza opiniões conflituosas na doutrina política. Entretanto, expor-se-á apenas os efeitos mais importantes relativos ao tema.
A representação proporcional, de antemão, encarece o princípio da representação justa, uma vez que se distingue, como Nohlen o disse "pela sua representação mais ou menos proporcional das forças sociais e políticas existentes na sociedade, correspondente a uma relação equilibrada entre votos e mandatos" 39.
Dessa forma, pode-se dizer que esse sistema facilita a representação de todos os interesses e opiniões políticas no parlamento, tendo em conta o seu peso relativo no eleitorado. Ou seja, as minorias também serão representadas, porém de acordo com sua força quantitativa. Desta forma, como bem observou Stuart Mill, "os grupos menores dispõem exatamente do volume de poder que devem possuir. A influência que podem exercer é exatamente proporcionada pelo número de votos que obtêm, nem mais uma partícula" 40
Segundo os cálculos de Hermens, "se ignorarmos os aspectos qualitativos, que não é possível levar em conta em uma comparação quantitativa, pode-se dizer que é oito vezes mais fácil um novo partido ganhar num sistema de RP do que num sistema maioritário" 41. Não é preciso sublinhar que esta diferença é extremamente importante, "pois depois de cada eleição, o campo de batalha fica cheio de candidatos derrotados e partidos vencidos. No sistema de RP haverá muito mais vitórias" 42.
Sendo assim, ao contrario do que ocorre com o sistema majoritário, o sistema de representação proporcional favorece e até certo ponto estimula a fundação de novos partidos, "acentuando desse modo o pluralismo político da democracia partidária" 43.
Vale ressaltar também que John Stuart Mill é contrário à tese de que o efeito multiplicador que a representação proporcional enseja é negativo. Entende o autor que "referido sistema dá origem a um parlamento mais representativo das opiniões políticas dos eleitores, levam a formação de governos multipartidários que, precisamente pela sua composição, representam a maioria dos eleitores" 44.
Ainda, tem-se que os sistemas de representação proporcional "evitam mudanças políticas extremas como resultado de distorções" 45, causando assim uma estabilidade 46 política ideológica, o que proporciona uma maior certeza nos cidadãos nacionais e estrangeiros quanto a investimentos de ordem econômica e social.
4.1. Os Efeitos negativos
Vale iniciar o estudo sobre os efeitos negativos da representação proporcional com um tópico já discutido acima, porém agora visto sobre o ângulo negativo. Entende-se também que a multiplicidade de partidos produz fraqueza e instabilidade nos governos, principalmente no parlamentarismo. Desta feita, a representação proporcional "ameaça de esfacelamento e desintegração o sistema partidário ou enseja uniões esdrúxulas de partidos, cujo programas não raro brigam ideologicamente" 47. Tal fato tem sua importância, pois em certos casos pode ocorrer de a governabilidade (continuidade de um ministério no parlamentarismo ou a conservação da maioria legislativa no presidencialismo) depender das alianças feitas pelos partidos minoritários, chamados por alguns doutrinadores de "donos do poder" por essa influencia desproporcional, tendo em vista a quantidade de votos recebidos, que podem exercer sobre o governo.
Sendo assim, pode-se considerar, como Nohlen, que os sistemas de representação proporcional tem uma falha de concentração e eficácia gerada pela problemática da instabilidade governamental que o sistema produz.
Hermens também aponta como fator negativo a perda de vitalidade que a representação proporcional gera. Isto porque "só um número limitado de candidatos é que tem oportunidade de vencer as eleições. Se estiverem entre os primeiros nomes da lista, não precisam sequer lutar" 48. Sendo assim, seja como for, seu êxito quase nunca depende do seu esforço pessoal.
O autor em tela ainda ataca 49 o sistema de listas ao dizer que "neste caso, o dirigente nacional do partido torna-se uma espécie de ditador" 50, uma vez que ele pode exercer seu poder junto ao comitê provincial para recusar a inclusão na lista do partido, nas eleições seguintes, o nome dos membros do partido que não lhe obedecerem.
Entende, também, Nohlen, que nos sistemas de representação proporcional há um déficit participativo 51, uma vez que, os cidadãos não têm um voto personalizado, o que "diminui o grau de conhecimento, de responsabilidade e de identificação entre eleitores e eleitos" 52.
Ademais, a doutrina faz críticas quanto à complicação das técnicas de contagem eleitoral destinadas à atribuição das cadeiras, pois, além de não serem bem compreendidas, gera desconfiança no eleitorado.
5. A REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL E O SISTEMA DE PARTIDO
Antes de analisar os sistemas de partidos, faz-se necessário defini-lo e também referir as múltiplas causas que lhes estão na base.
Duverger define que existirá um sistema de partidos quando: "em cada país o número de partidos, as suas estruturas internas, as suas ideologias, as suas respectivas dimensões, as suas alianças, os seus tipos de oposição, apresentarem uma certa estabilidade durante um período mais ou menos longo. Este conjunto estável constitui um sistema de partidos" 53
Já Gianfranco Pasquino entende que deve ocorrer uma "interação horizontal, concorrencial, entre um mínimo de dois partidos, bem como a interação vertical entre vários elementos: eleitores, partidos, parlamentos e governos" 54 para haver sistemas de partidos.
Os sistemas de partidos, caracterizado por um lapso temporal em que todas as influências internas e externas são levadas em conta, podem ser classificados em categorias que são uma das bases dos sistemas políticos.
Dessa forma, pode-se distinguir as democracias liberais dos regimes autoritários pelo sistema partidário, sendo as primeiras pluralistas (bipartidarismo e multipartidarismo), e os segundos regimes de partido único.
5.1. Classificação dos sistemas de partidos
A partir da distinção classificatória feita acima, passar-se-á ao estudo desses sistemas de partidos. Primeiramente, far-se-á a analise dos sistemas monopartidários e posteriormente os sistemas pluralistas.
Nos sistemas monopartidários, há existência de só um partido. O eleitor, nesse caso, fica sem alternativa ideológica, uma vez que "a eleição configura-se secundária, destituída já do caráter competitivo, sem diálogos das opiniões contraditórias" 55. Nesse sistema, pode-se dizer que o partido confunde-se com o poder. Como exemplo de Estados que suprimiram o pluripartidarismo face a um sistema de partido único, tem-se o PCC – Partido Comunista Cubano, a Turquia entre 1923 e 1946, e ainda presentes no final do século XX, a China, o Vietnã e a Coréia do norte.
Já os sistemas bipartidários, a princípio, são classificados teoricamente por possuírem dois partidos em disputa. Porém, na prática, dependendo da mecânica do sistema, os países com mais de dois partidos podem ser classificados como bipartidários.
Duverger entende que a distinção entre o sistema bipartidário e multipartidário se faz pelo número de partidos existentes. Uma análise superficial na teoria de Duverver leva a crer que ele descarta a possibilidade de haver bipartidarismo em Estados que concorram às eleições mais de dois partidos.
Essa falsa idéia é desmistificada quando Duverger, através de exemplos 56 empíricos, estabelece que quando houver um sistema com mais de dois partidos, como o inglês, em que ao lado dos partidos grandes (conservador e trabalhista) existem outros partidos pequenos (como o partido liberal e comunista), mesmo assim continua a ser um sistema bipartidário, isto por que "nenhum dos pequenos partidos pode impedir que um ou outro dos grandes obtenha a maioria absoluta dos assentos parlamentares" 57.
Após uma leitura mais aprofundada, conclui-se que Duverger considera por bipartidário o sistema em que "apenas um partido está seguro de reunir sozinho a maioria absoluta dos sufrágios eleitorais e dos assentos parlamentares" 58, formando assim uma maioria estável e homogênea.
Sartori entende que, para um sistema ser considerado bipartidário tem-se que observar quatro condições, são elas: "(i) Apenas dois partidos, e sempre os mesmos, estarem em condições de conquistar a maioria absoluta dos mandatos; (ii)- um deles conquistar efetivamente a maioria parlamentar para governar; (ii)- o partido vencedor decidir habitualmente governar só; (ii)- manterem-se em expectativa credível de rotatividade no governo" 59.
As condições de Sartori não se distanciam muito das de Duverger na prática, uma vez que este considera que será bipartidário o sistema quando exclusivamente dois partidos possuírem constitucionalmente, ou de fato, possibilidades de chegarem e alternarem-se no poder, e nenhum dos pequenos partidos puder impedir que um dos dois grandes obtenha a maioria absoluta do parlamento. Já Sartori, entende o sistema será bipartidário quando apenas dois partidos estão em condições de conquistarem o poder por maioria absoluta, sendo que, os partidos pequenos devem ser considerados parte do sistema político, somente quando tiverem possibilidade de chantagem ou de coalizão.
Os sistemas multipartidários a rigor, adotam três ou mais partidos políticos em disputa pelo poder. Os simpatizantes desse sistema enaltecem-no por acreditarem que este faz representar o pensamento de um maior número de opiniões ideológicas, "emprestando ás minorias políticas, o peso de uma influência que lhes faleceria, tanto no sistema bipartidário como unipartidário" 60.
Duverger classifica o sistema multipartidário apenas pelo número de partidos existentes, diferentemente de Sartori que o classifica não só pela quantidade de partidos existentes, mas também pela sua qualidade.
Sobre a questão da predominância dos partidos mais fortes Lijphart entende que os sistemas multipartidários "subdividem-se em sistemas com61 e sem62 um partido predominante"63. Já Duverger estabelece que este sistema apenas excepcionalmente obtêm um partido com maioria parlamentar, caracterizando-o por ser um sistema mais heterogêneo e instável, pela necessidade de serem feitas coligações para sustentar o governo.
5.2. A influência da representação proporcional no sistema de partidos
Não podemos afirmar com certeza se é o sistema de partidos que exerce influência sobre a representação proporcional apresentada em determinado país ou mesmo região, ou se, ao contrário, é a Representação Proporcional quem exerce influência no sistema de partidos. De certo, podemos dizer que ambas exercem influência continuada, um sobre o outro. Isso porque é o conjunto de formação e desenvolvimento de todo o sistema eleitoral que vai determinar ou traçar o comportamento do sistema de partidos.
Duverger, por outro lado, afirmar de forma incisiva que os sistemas eleitorais exercem influência direta no sistema de partidos, nas palavras do autor "tal sistema eleitoral leva a tal sistema de partidos" 64. Douglas Rae também sublinha que "os distintos sistemas eleitorais têm diferente impacto sobre os sistemas de partidos, mas que podem ter também importantes efeitos em comum" 65
Referente à discussão de que a representação proporcional tem efeito de multiplicador partidário, Hermes, Duverger e Sartori estão de acordo, entendendo o primeiro que "a proporcionalidade facilita a multiplicação dos partidos" 66. O segundo sintetiza, através de sua lei sociológica, que "a representação proporcional conduz a um sistema de partidos múltiplos, rígidos e independentes"67, sendo que, para o autor, tal fenômeno ocorre tanto pela divisão dos partidos antigos como pela criação de novos partidos. Já Giovanni Sartori, em sua segunda lei tendencial, estabelece que "as fórmulas de RP facilitam o multipartidarismo e, inversamente, dificilmente podem conduzir ao bipartidarismo"68, entretanto, acentua o autor que há uma ilusão ótica quando diz-se que a representação proporcional tem um efeito multiplicador, pois, através de estudos históricos, sempre que a RP foi introduzida, resultou numa geral remoção de obstáculo69, facilitando assim a multiplicação do número de partidos.
Tais leis devem ter caráter meramente exemplificativo e não determinante. Isto porque ao analisarmos em especial o quadro eleitoral de alguns países ou mesmo regiões, podemos perceber que, mesmo sendo a representação proporcional tendenciosa ao multipartidarismo, é possível a constatação de um multipartidarismo que funcione de acordo com a mecânica rigorosamente bipartidária, como já explicado ao referir-se sobre o bipartidarismo.
Decerto, o princípio da representação proporcional perfeita prima pela multiplicidade partidária, uma vez que, garante a todas as diferentes organizações partidárias a oportunidade de conquistar cadeiras em disputa num determinado processo eleitoral. Desta forma, "qualquer minoria, por mais fraca que seja, está segura de vir a obter representação" 70.
Por outro lado, de acordo com Sartori, a representação proporcional terá efeitos redutivos sempre que for imperfeita, ou seja, "sempre que aplicados a círculos eleitorais de dimensão reduzida, quando estabeleçam uma clausula barreira ou quando atribuam assentos parlamentares suplementares aos partidos mais votados" 71.
Por seu turno, ao passo que a representação proporcional não se deixa influenciar por tendências passageiras ou modismos, ela garante que antigos partidos de grande importância continuem a existir, mesmo que sendo insignificantes para o contexto unitário do sistema.
Nos governos democráticos, podemos identificar que é a representação proporcional quem garante um direito de participação política mais amplo, assegurando em cada circunscrição uma representação das minorias na proporção exata dos votos obtidos, desenvolvendo-se assim sob a forma do multipartidarismo.