3. A Terceira Geração (Dimensão) dos Direitos Humanos
Agamben (nascido em 1942), em seu livro "Homo Sacer – O Poder Soberano e a Vida Nua", irá descrever o surgimento dos Direitos Humanos de 1ª geração apontando justamente a identificação destes com os Direitos do Cidadão para, após, descrever as implicações perniciosas que tal identificação acarreta.
Diz o pensador: "As declarações dos direitos devem então ser vistas como o local em que se efetua a passagem da soberania régia de origem divina à soberania nacional. Elas asseguram a exceptio da vida na nova ordem estatal que deverá suceder à derrocada do ancien regime. Eu, através delas, o súdito se transforme, como foi observado, em cidadão, significa que o nascimento – isto é, a vida nua natural como tal – torna-se aqui pela primeira vez (com uma transformação cujas conseqüências biopolíticas somente hoje podemos começar a mensurar) o portador imediato da soberania. O princípio de natividade e o princípio de soberania, separados no antigo regime (onde o nascimento dava lugar somente ao sujet, ao súdito), unem-se agora irrevogavelmente no corpo do sujeito soberano para constituir o fundamento do novo Estado-nação. Não é possível compreender o desenvolvimento e a vocação nacional e biopolítica do Estado Moderno nos séculos XIX e XX, se esquecemos que em seu fundamento não está o homem como sujeito político livre e consciente, mas, antes de tudo, a sua vida nua, o simples nascimento que, na passagem do súdito ao cidadão, é investido como tal pelo princípio de soberania. A ficção aqui implícita é a de que o nascimento torna-se imediatamente nação, de modo que entre os dois termos não possa haver resíduo algum. Os direitos são atribuídos ao homem (ou brotam dele), somente na medida em que ele é o fundamento, imediatamente dissipante (e que, aliás, não deve nunca vir à luz como tal), do cidadão" [07].
A partir desta crítica, é possível vislumbrar uma atualização consistente acerca da idéia dos Direitos Humanos que não só acarreta em um retorno às idéias racionalistas dos Direitos Humanos de 1ª Geração como, também, engloba em sua crítica os déficits democráticos trazidos pelo nacionalismo extremado que se encontra no contexto histórico dos Direitos Humanos de 2ª Geração.
No decorrer da obra retro citada, Agamben irá demonstrar que o descolamento dos Direitos do Homem com os Direitos do Cidadão encontra-se em grau máximo na Segunda Guerra Mundial. A "vida indigna de ser vivida" é determinada, por exemplo, por meio dos decretos da Alemanha Nazista que, ao considerar a vida de uma determinada etnia não mais interessante do ponto de vista político, mandava para as fornalhas os judeus em nome da manutenção do corpo político puro da nação alemã. http://www.rafaeldeconti.pro.br
A expressão do problema de se considerar o Direito Humano de um indivíduo somente se este indivíduo for um cidadão, vem a tona com o fenômeno dos refugiados em massa. Populações inteiras vagando sem destino, fugindo da guerra. Se os indivíduos de tais populações são considerados apátridas, quem irá zelar pelos seus direitos?
Por isso, Hannah Arendt irá formular a famosa idéia de que o ser humano deve possuir direito a ter direitos. Na Segunda Grande Guerra, os apátridas não tinham quem garantisse os seus direitos, pois o Estado que deveria fazer isto não os acolhia ou não existe mais.
Note-se como é interessante (justamente por ser paradoxal) o desenrolar histórico dos Direitos Humanos. Primeiro, tem-se a defesa extrema do indivíduo particular que gera, em um segundo momento, a necessidade de uma defesa do coletivo, defesa esta justificada pela própria defesa do indivíduo face ao capitalismo. Assim, têm-se o surgimento do nacionalismo exacerbado que, por sua vez, irá massacrar o indivíduo. Pode-se dizer que nesta dialética entre os Direitos Humanos de 1ª e de 2ª Geração, tomando-se como foco a relação entre o indivíduo e o coletivo, tivemos o momento de síntese no Estado Democrático de Direito.
Tal Estado visa não apenas resguardar a igualdade formal e material do cidadão, mas, também, visa considerar o indivíduo como portador de um elemento que só o ser humano possui, a saber, a Dignidade. Vê-se, assim, o estabelecimento da Humanidade como Sujeito de Direito e um verdadeiro avanço para a concretização da idéia de um Direito Cosmopolita, aos moldes da "paz perpétua" kantiana.
3.2. A Terceira Transformação do Estado – Do Estado Social para o Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático de Direito, sucessor do Estado Social, visa propiciar um maior canal de comunicação entre aquele que é o destinatário da norma e aquele que faz a norma.
Além disso, em razão do déficit operacional democrático do Executivo (que chegou ao limite com os Totalitarismos) e do déficit operacional democrático do Legislativo (que tem a sua debilitação mensurada pela precariedade do sistema representativo) têm-se que o Estado Democrático deposita o seu foco no Judiciário e na sua função de limitar o abuso dos outros órgãos representativos do Poder Público.
Foi neste modelo Constitucional de Estado (o mais desenvolvido do ponto de vista histórico-democrático) que os Direitos Humanos de 1ª Geração encontraram a sua máxima proteção e que os Direitos Humanos de 2ª Geração se firmaram como Direitos cuja eficácia depende, prioritariamente, da organização política da Sociedade Civil.
A Constituição Brasileira, por exemplo, possui os chamados remédios constitucionais para os Direitos de 1ª Geração (Habeas Corpus, Mandado de Segurança, Habeas Data, Mandado de Injunção, Ação Civil Pública, Ação Direita de Inconstitucionalidade) e, para os Direitos de 2ª Geração, a Constituição prevê Normas Programáticas, de eficácia limitada, ou seja, que dependem de lei. O Direito de Greve é um exemplo de norma programática. http://www.rafaeldeconti.pro.br
É importante atentar para a idéia de que os Direitos Sociais representam um custo para o Estado e que, portanto, mesmo em os mesmos estando previstos na Constituição Federal, eles só podem ser implementados com a observância do dinheiro em caixa que o Estado possui. É o que a Jurisprudência vem chamando de "reserva do possível". Por exemplo: A nossa Constituição Federal possui uma norma que diz que todos tem direito a moradia. Se um mendigo for ao Judiciário reclamar o seu direito a moradia, o juiz não poderá dar uma sentença determinando que o Executivo lhe dê uma casa para morar se o Estado não possuir recursos para tanto. Por isso, pode-se dizer que os Direitos Sociais são direitos de implementação progressiva. É dizer: Eles só serão providos em havendo possibilidade material do Estado de provê-los.
3.3. Terceira Conclusão
Como expresso acima, o foco no Estado Democrático de Direito é o Judiciário, pois é ele a última instância de controle do Poder Estatal.
Levando-se em consideração este dado, a necessidade de defesa do abuso do poder econômico e o desenrolar histórico mostrado acima, pode-se dizer que os Direitos Humanos de Terceira Geração possuem as seguintes características:
a.) os Direitos Humanos de 3ª Geração visam a proteção de coletividades latu sensu, como o consumidor, que sofrem abuso do Poder Econômico;
b.) os Direitos Humanos de 3ª Geração só se tornaram possíveis com o Estado Democrático de Direito, que é uma evolução do Estado Social, que por sua vez é uma evolução do Estado Liberal de Direito;
c.) os Direitos Humanos de 3ª Geração são marcados pela possibilidade do indivíduo interferir na Esfera Estatal por meio de uma ampla gama de remédios constitucionais.
4. A Quarta Geração (Dimensão) dos Direitos Humanos
A criação da ONU em 1.948 com o objetivo de manter a paz e de dar efetividade às normas de proteção existentes na esfera internacional, como a Convenção de Genebra, inaugura um novo marco nos Direitos Humanos.
A ONU surge como o órgão internacional que começará a dar maior efetividade aos direitos que beneficiam a Humanidade, e não apenas o cidadão. Tais Direitos são os chamados Direitos Humanos de 3ª Geração. A coletividade da nação (foco dos Direitos Humanos de 2ª Geração) abre passagem para a coletividade global (Aldeia Global).
A defesa dos bens que pertencem a todos não deve apenas se pautar nos Direitos Positivados pelos Estados, mas, também, pelas normas constantes nos tratados internacionais. É importantíssimo, neste ponto, lembrar do Tribunal Penal Internacional Permanente e nas Intervenções da ONU na soberania de alguns países por meio da justificativa de defesa da paz mundial. Este último caso mostra como a positivação de normas não é essencial para se invocar os Direitos Humanos como justificativa na tomada de alguma ação política por parte dos Estados e organizações internacionais.
Se por um lado, no âmbito da soberania interna dos Estados, têm-se o desenvolvimento de legislações como a consumerista e a ambiental, extremamente bem vindas, pois fazem a proteção de Direitos Coletivos (Direitos de Terceira Geração), por outro lado, no âmbito da soberania externa, têm-se a idéia de que os Direitos de Quarta Geração não apenas servem para a garantia da paz mas, também, tais Direitos servem como instrumento de manobra dos detentores do poder econômico (EUA).
4.2. Quarta Conclusão
O Estado Social de Direito criou as mais sangrentas guerras entre os homens, as Duas Grandes Guerras Mundiais. Por meio de tal Estado é que se construiu o nacionalismo exacerbado dos nazistas, facistas e de outros regimes totalitários ao redor do mundo.
A proteção da não nação acima do indivíduo humano gerou a necessidade de maior controle do Estado, pois a História mostrou que estes podem ir contra aqueles que deveria proteger (os cidadãos). A Ditadura no Brasil é um exemplo histórico recente.
Assim, quase que concomitantemente aos Direitos Humanos de 3ª Geração, têm-se a formação dos Direitos Humanos de 4ª Geração, cujas principais características são:
a.) a necessidade da proteção da espécie humana das crueldades que as Guerras podem ocasionar;
b.) a necessidade de inviabilizar sistemas totalitários que oprimem os próprios cidadãos;
c.) permitir a garantia de tais direitos por órgãos internacionais, visto que, se o Estado for contra o seu próprio cidadão, este não terá a quem recorrer senão a alguém maior do que o próprio Estado; http://www.rafaeldeconti.pro.br
CONCLUSÃO FINAL
Após tecer esta sucinta genealogia jusfilosófica dos Direitos Humanos, faz-se possível tecer um balanço contemporâneo da relação indivíduo-coletivo, tanto no âmbito interno dos Estados (cidadão-Estado), como no âmbito externo (indivíduo-Humanidade), bem como se faz possível responder as questões: "Como se dá a proteção dos Direitos Humanos na atualidade?" e "Há eficácia nesta proteção?".
Primeiramente, é preciso notar que todas as gerações de Direitos Humanos foram fundamentais para chegarmos ao ponto que estamos. Por esta razão, não podemos abandonar as idéias principais que permeavam estas Gerações mas, sim, apenas aparar os extremismos.
Assim, a 1ª Geração contribui com a racionalização, a conceituação, dos Direitos Humanos, a 2ª Geração contribuiu para trazer o ser humano novamente próximo da realidade, a 3ª Geração e a 4ª Geração, que tiveram um desenvolvimento quase que concomitante, contribuíram como momento de síntese das duas Gerações anteriores buscando estabelecer maior equilíbrio entre o indivíduo e a coletividade.
É importante lembrar também que no desenrolar histórico das Gerações o conceito de coletividade foi se transformando. Atualmente, coletividade se refere não apenas ao conjunto de indivíduos que pertencem a um determinado Estado, e que portam determinada nacionalidade, mas, coletividade se refere, também, ao Gênero Humano.
A relação indivíduo-coletivo, seja este coletivo uma nação ou a Humanidade, encontra, no mundo contemporâneo, o melhor equilíbrio que já foi experimentado por nós no decorrer de nossa História.
Quanto às perquirições supra, pode-se dizer que os Direitos Humanos de 1ª e de 3ª Geração encontram a eficácia de sua proteção no próprio ordenamento jurídico interno dos Estados e que os Direitos Humanos de 2ª Geração encontram a eficácia de sua proteção principalmente na ação política (os Direitos Sociais são direitos a serem implementados) e não na ação do Estado-Julgador. Já em relação aos Direitos de 4ª geração, faz-se plausível dizer que os mesmos estão começando a ser positivados em legislações supra-nacionais, como o Estatuto de Roma, que instaurou o Tribunal Penal Internacional Permanente. RDC. 07.2007.
Bibliografia
, Giorgio. Homo Sacer – O Poder Soberano e a Vida Nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002;- BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo: Unimarco Editora, 2001 BARRETO, Vicente de Paulo – ORG. Dicionário de Filosofia do Direito. Editora Unisinos: São Leoppoldo, RS e Editora Renovar: Rio de Janeiro, RJ;
- HOBBES, Thomas – Leviatã – Ou matéria, Forma e Poder de uma República Eclesiástica e Civil. Organizado por RICHARD TUCK. Tradução de JOÃO PAULO MONTEIRO e MARIA BEATIZ NIZZA DA SILVA. Tradução do Aparelho Crítico de CLAUDIA BERLINER. Revisão da Tradução de EUNICE OSTRENSKY – São Paulo: Martins Fontes, 2003. – (Clássicos Cambridge de filosofia política). p. 115.
- KEYNES, John Maynard. General Theory of Employment, Interest and Money. p. 3;
- LOCKE, John. Political Essays. Edited by Mark Goldie. CAMBRIDGE University Press;
- MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus, Supervisão e Notas de Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2005;
Notas
- LOCKE, John. Political Essays. Edited by Mark Goldie. CAMBRIDGE University Press
- HOBBES, Thomas – Leviatã – Ou matéria, Forma e Poder de uma República Eclesiástica e Civil. Organizado por RICHARD TUCK. Tradução de JOÃO PAULO MONTEIRO e MARIA BEATIZ NIZZA DA SILVA. Tradução do Aparelho Crítico de CLAUDIA BERLINER. Revisão da Tradução de EUNICE OSTRENSKY – São Paulo: Martins Fontes, 2003. – (Clássicos Cambridge de filosofia política). p. 115.
- BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo: Unimarco Editora, 2001.
- "O jusnaturalismo moderno...fundamentará o direito na natureza do homem racional e passível de socialização, quer esteja inscrita de maneira inata na sua natureza, quer se apresente como uma espécie de superação dos obstáculos que sua natureza individual não consegue superar. Por essa mesma razão, poderíamos denominar o Direito Natural moderno de Direito Natural racional, já que tem como referência a natureza racional do homem, fundadora das leis que deverão comandar o direito, a moral e a política" (BARRETO, Vicente de Paulo – ORG. Dicionário de Filosofia do Direito. Editora Unisinos: São Leoppoldo, RS e Editora Renovar: Rio de Janeiro, RJ).
- MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus, Supervisão e Notas de Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2005.
- KEYNES, John Maynard. General Theory of Employment, Interest and Money. p. 3.
- AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O Poder Soberano e a Vida Nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.