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Requerimento de falência. Abusividade da medida. Indeferimento da petição inicial

Agenda 27/11/2008 às 00:00

A Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, conforme estabelece seu art. 1º.

O requerimento de falência do empresário ou da sociedade empresária tem por finalidade evitar um prejuízo maior aos credores, propiciando que todos recebam do devedor insolvente um valor proporcional ao seu crédito, após, evidentemente, o pagamento dos créditos que a lei considera prioritários e privilegiados.

O requerimento de falência está alicerçado no artigo 94 da Lei 11.101/05, o qual estabelece que será decretada quando o empresário individual ou a sociedade empresária:

I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;

As hipóteses mais comuns dos requerimentos de falência estão alicerçadas no inciso I do artigo 94, ou seja, pela impontualidade do devedor materializada em título executivo devidamente protestado cujo valor ultrapasse a quarenta salários mínimos.

Ocorre, todavia, que a esmagadora maioria dos pedidos de decretação do estado falimentar, não visa à instauração do processo de execução coletiva contra o empresário ou a sociedade empresária, pois o real objetivo é coagir o requerido a efetuar o pagamento evitando, assim, a decretação de sua quebra. Essa constatação é muito simples de se verificar na petição inicial. Geralmente a coação ao pagamento está evidenciada no requerimento do autor, quando este formula o pedido de pagamento como forma de se evitar a quebra.

Ora, essa postura denota que não há, evidentemente, qualquer intenção do requerente em um processo de execução coletiva, para salvaguardar os interesses dos demais credores, permitindo que cada um receba, pelo menos, uma parte proporcional de seu crédito.

O requerimento da decretação de falência só deve ocorrer quando o credor tem certeza da insolvência do devedor, pois este não está em condições de efetuar o pagamento porque insolvente está.

Se a sua intenção é receber a dívida, o procedimento judicial a ser adotado não pode ser o requerimento da instauração de um processo de execução coletiva, mas sim a propositura de um processo de execução individual, ou seja, o processo de execução por quantia certa contra devedor solvente.

Então, quando ficar evidenciado que a real pretensão do autor do requerimento de falência é apenas forçar o empresário ou a sociedade empresária a pagar, a qualquer custo, a dívida para evitar a decretação de sua quebra, evidentemente que a petição deve ser indeferida por expressa disposição do artigo 295, inciso V, do Código de Processo Civilo, verbis:

Art. 295. A petição incial será indeferida:

V – quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal.

A aplicação dessa hipótese legal ocorre porque o processo falimentar tem por fim maior a exclusão da empresa em dificuldade do mundo dos negócios, preservando, assim, o conjunto do empresariado e a credibilidade do mercado.

Ademais, a empresa, protagonista da cena econômica é geradora de riquezas, mão-de-obra e tributos, deve ser preservada e protegida pelo direito. O interesse social que a inspira, ao lado do interesse dos trabalhadores, leva a que sua liquidação, através de processo falimentar, seja uma opção excepcionalíssima.

Por ser execução coletiva, a declaração do estado de falência tem como pressuposto a caracterização, ou ao menos indício, da insolvência da empresa.

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A falência não tem como finalidade tutelar direito individual do credor. Seu objetivo é coletivo. Visa à liquidação da empresa em estado de insolvência irreversível, evitando a injustiça de uma execução individual, por que nela só receberia aquele credor mais rápido.

Se o empresário ou a sociedade empresária, simplesmente, não efetuou o pagamento de uma obrigação representada por título executivo protestado, não quer dizer que está insolvente, o que caracterizaria o estado falimentar. Pode acontecer que o não pagamento no tempo e modo devidos tenha ocorrido por questões de natureza negocial, de mercado ou ainda por questões sazonais.

Essas dificuldades pelas quais passam as empresas, podem, perfeitamente, ser enquadradas como relevantes razões de direito, numa interpretação mais teleológica da norma, em consonância com o espírito da atual lei, a qual de todas as formas tenta preservar a integridade desse ser gerador de riquezas, empregos, tributos e, por conseqüência, paz social.

Quem ganha com a decretação da falência de uma empresa? Ninguém.

Quem perde com a decretação da falência de uma empresa? Em geral toda a sociedade.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está afinada nesse mesmo tom, vejamos:

"Falência. Cobrança. Incompatibilidade. O processo de falência não deve ser desvirtuado para servir de instrumento de coação para a cobrança de dívidas. Considerando os graves resultados que decorrem da quebra da empresa, ou o seu requerimento merece ser examinado com rigor formal, e afastado sempre que a pretensão do credor seja tão somente a satisfação do seu crédito. Propósito que se caracterizou pelo requerimento de envio dos autos à Contadoria, para apurar o valor do débito, pelo posterior recebimento daquela quantia, acompanhado do pedido de desistência da ação. Recurso conhecido e provido" (RESP 136565/RS), Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, Julgado em 23.12.1999, DJ de 14.06.1999, pag. 00198).

"FALÊNCIA. INSTRUMENTO DE COAÇÃO PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS. INCOMPATIBILIDADE.

Não havendo real fundamento para o requerimento da falência, que, de procedimento indispensável à liquidação de patrimônio de empresa insolvente, transmuda-se em instrumento de coação para a cobrança de dívidas, a quitação do débito, descaracterizando o estado de insolvência, mormente quando comunicado ao juízo o desinteresse do credor único no prosseguimento do processo falimentar, impõe a extinção do processo.

Recurso especial conhecido e provido." (RESP 399644/SP, Rel. Min. Castro Filho, Julgado em 30.04.2002, DJ 17.06.2002, pag. 259).

No mesmo sentido caminha o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco:

"Direito Comercial. Pedido declaratório de falência. Impontualidade no pagamento de título. Inexistência de circunstâncias indicando a insolvência. Petição inicial indeferida. Apelação improvida. I – O pretesto alegado na exordial para pedir a decretação de falência, encontra-se eivado de fundamento jurídico. Assim, o fazendo, o magistrado poderia causar sérios danos de natureza social, não só porque com a decretação da falência traria prejuízos aos empregados, como também traria prejuízo em desfavor dos credores. Extinguindo-se o proclesso sem julgamento de mérito, acetou o juiz a quo. À unanimidade, negou-se provimento ao Recurso de Apelação (Apelação Cível 88438-0, Quarta Câmara Cível, DJ 166 de 03.09.2003, www.imp.org. Br/webnews/noticia.php?.id_noticia=348&."

Outro não é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vejamos:

"FALÊNCIA – Não pode servir como instrumento de coação – Litigância de má-fé reconhecida – Recurso provido (Apelação Cível n. 157.000-4 – São Paulo – 8ª Câmara de Direito Privado – Relator: Mattos Faria – 29.05.00

Como não poderia deixar de ser, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro também comunga com o mesmo entendimento:

"Direito Empresarial. Requerimento de falência. Depósito elisivo efetuado quatro meses após a citação. Súmu 29, do STJ. Utilização do requerimento de falência como meio de cobrança da dívida. Impossibilidade. Falta do interesse de agir superveniente. Aplicação da norma insculpida no art. 267, inciso VI, do CPC. Relcurso desprovido. Apelação Cível 2005.001.35455. Res. Des. Carlos Eduardo Moreira Silva. Julgamento em 16.02.06 – Nona Câmara Cível (http;//www.tj.rj.gov.br/)".

"Requerimento de Falência. Cheque. Título emitido e apresentado na vigência do Código Civil de 1916. Não aplicação do disposto no inciso III do art. 202 do Código Civil de 2002, posto que a lei nova não pode atingir o ato jurídico perfeito, englobando este os elementos da obrigação, dentre os quais estão o prazo prescricional e as causas interruptivas e suspensivas. Se não havia na época da emissão a causa de interrupção, não há que se impor ao devedor um graveme advindo com a lei nova, sob pena de haver retroatividade constitucionalmente vedada. Aplicação da Súmula 153 do STF, com o reconhecimento da prescrição. Por outro lado, há que se reconhecer a imprestabilidade do título para fundamentar um decreto de quebra, diante da nebulosidade da negociação realizada entre as partes. Não é a falência instrumento adequado para cobrança de dívida, concluindo a sentença com acerto que as circunstâncias dos autos inviabilizam o decreto de quebra. Conhecimento e desprovimento da Apelação. (grifo nosso). Apelação Cível 2005.001.01750. Resl. Des. Mário Robert Mannheimer. Julgamento em 26.07.2005 – Décima Sexta Câmara Cível ( http;//www.tj.rj.gov.br/)" (grifamos).

A preservação da empresa, como ser econômico indispensável à manutençao da paz social e da distribuição de renda, é o fundamento da Lei 11.101/05, porque a falência é a antítese do emprego, da arrecadação fiscal, da indústria e da população em geral.

Quem ganha com a decretação da falência de uma empresa economicamente viável? A resposta é somente uma, NINGUÉM. Nem mesmo quem a requer. Qualquer credor, minimamente inteligente, jamais proporia um pedido de falência para ver o seu crédito rateado entre os demais credores. Com certeza, se fosse razoavalmente inteligente proporia o mais rápido possível a sua execução por quantia certa contra devedor solvente para tentar receber todo o seu crédito, antecipando-se aos demais credores.

Qual seria, então, a razão para alguém pedir a falência de um comerciante? Não seria outra que não a de COAGIR O COMERCIANTE A PAGÁ-LO para que este não tenha sua falência decretada, a não ser que efetivamente esteja diante de um devedor visivelmente falido, com inúmeras execuções não garantidas. Se não houvesse essa certeza, jamais ajuizaria um pedido de falência, pois se acreditasse realmente na insolvência do comerciante, com certeza jamais correria o risco de receber menos do que tem direito. Como já se disse, se anteciparia na execução, porque poderia receber primeiro que os demais.

É por essa razões, que o Instituto dos Magistrados de Pernambuco, através de seu Fórum Pernamente dos Juízes das Váras Cíveis, editou o Enunciado 17-FVC-IMP, pulicado em seu site www.imp.org.br/webnews/noticia.php?id=348&:

"Carece de ação falimentar o credor que, sem trazer qualquer circunstância indicativa da insolvência da empresa devedora, fundamente seu pedido na simples impontualidade de título" (unânime).

A lucidez do Poder Judiciário não se afasta dos reclames da sociedade, do interesse econômico das empresas, ao contrário, procura propiciar, dentro dos ditames da lei, a preservação dessas entidades econômicas que geram o progresso, silenciam a miséria e dão dignidade aos homens, dando-lhes emprego e cidadania.

Exemplo a ser seguido é a decisão da lavra do Eminente Juiz de Direito da Vara de Falências e Concordatas do Distrito Federal, Dr. Pedro Araújo Yong-Tay Neto, nos autos 2004.01.1.110034-2, que indeferiu a inicial de pedido de falência.

Permitimo-nos reproduzir parte das lúcidas fundamentações do Magistrado:

"Tendo em vista os efeitos sociais nefastos causados com a decretação da quebra, não se pode admitir a pretensão do autor, pois do contrário seria comungar com o desvirtuamento do processo de falência. Esta deve decorrer de uma situação de insolvência, sendo que, no caso dos autos, vislumbro que a medida está sendo utilizada apenas como forma de coação para recebimento da dívida".

"Neste Juízo têm ocorrido vários casos que demonstram o objetivo exclusivo do credor de cobrar a dívida através do processo falimentar, como forma de coação do devedor. Citada a requerida e efetuado o seu depósito, a requerente, imediatamente, desiste do feito requerendo a sua extinção, pois satisfeito o seu crédito, não importando o seguimento do proclesso porque presentes os pressupostos de insolvência a determinar a drástica decretação da quebra, substimando os seus efeitos econômicos e sociais, conforme seu pedido inicial. Cumpre ao Judiciário coibir tais abusos."

O que pretende, então, alguém que se utiliza do requerimento indevido de falência? Preservar os demais credores? Receber parte do seu crédito? Não, pretende receber a dívida integralmente para que não seja decretada a falência da empresa, forçando o empresário a buscar recursos a qualquer preço, principalmente quando sabe que este está totalmente capitalizado para as vendas em ocasiões especiais, como natal e etc.

Coage o empresário requerendo a sua falência, porque acredita que ele não vai permitir a decretação de sua quebra, principalmente em épocas de maior movimento, como datas festivas, quando os comerciantes "saem do sufoco" de um ano de vendas ruins.

Diante dessas ponderaçöes, dúvida não resta que a petição inicial de pedido de quebra com a intenção pura e simples de receber a divida deve ser indeferida liminarmente, pois ao requerente falta o interesse de agir em face da inadequação do meio escolhido.

Como se sabe para o exercício do direito de ação, que se configura pela obtenção de uma resposta de mérito do órgão juriscicional, há a necessidade de se observar as três condições da ação, quais sejam, legitimidade de partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido, conforme o contido nos artigos 3º e 295, III do Código de Processo Civil.

Na hipótese aqui aventada a utilização do processo de falência com o único objetivo de receber a dívida impõe o indeferimento da petição inicial ou a extinção do processo sem julgamento de mérito por carência de ação, porque não se encontra presente o pressuposto denominado interesse de agir.

Esse assertiva está configurada em face da compreensão do conceito de interesse de agir o qual deriva da análise do binômio necessidade e adequação ou utilidade, que segundo trecho de citação extraída da obra Curso de Processo Civil, vol. I, do Professor Luiz Guilherme Marinoni, fls. 171, verbis:

"O interesse de agir decorre da necessidade de obter através do processo a proteção do interesse substancial; pressupõe, por isso, a assertiva de lesão desse interesse e a aptidão do provimento pedido a protegê-lo e satisfaze-lo."

Nesse raciocínio podemos afirmar que somente se configura o interesse de agir quando se apresenta a necessidade de provocação do órgão jurisdicional, pois de outra forma não haveria a possibilidade de satisfação da pretensão, sendo imperiosa a adoção do meio processual adequado ou útil a produzir o efeito almejado.

Por conseqüência, dúvida não resta que o meio processual utilizado pela parte ao propor o pedido de falência com o fim único de obter o pagamento de crédito individual, não se tornando o autor sequer merecedor do exame de sua pretensão, resultando o indeferimento da petição inicial com fundamento no artigo 295, V, ou, após a resposta do requerido, a extinção do processo por carência de ação, nos exatos termos do disposto no artigo 267, VI, ambos do Código de Processo Civil.

Se não houver o indeferimento da inicial, e constatado na reposta do réu que o requerimento visa, unicamente, forçar o empresário a pagar a dívida para não ter sua falência decretada, deve o Magistrado julgar improcedente o requerimento falimentar por inadequação do meio, condenando, ainda o autor a indenizar o requerido em perdas e danos a serem apuradas em liquidação de sentença nos termos do artigo 101, a Lei 11.101.

Art. 101. Quem por dolo requerer a falência de outrem será condenado, na sentença que julgar improcedente o pedido, a indenizar o devedor, apurando-se as perdas e danos em liquidação de sentença.

§ 1º Havendo mais de 1 (um) autor do pedido de falência, serão solidariamente responsáveis aqueles que se conduziram na forma prevista no caput deste artigo.

Sobre o autor
Itamar da Silva Dutra

Advogado e Professor Universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUTRA, Itamar Silva. Requerimento de falência. Abusividade da medida. Indeferimento da petição inicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1975, 27 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12012. Acesso em: 18 dez. 2024.

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