3 ADOÇÃO DO PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO NA DEMANDA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A demanda principal de improbidade administrativa – que deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias da efetivação da medida cautelar (se houver) –, por explícita determinação do caput do art. 17 do regramento em pauta, é processada conforme as regras gerais do Código de Processo Civil (art. 270 e ss.), e tramita sob o procedimento comum ordinário. [25]
Dessarte, os requisitos, prazos, recursos cabíveis e demais normas procedimentais, salvo algumas disposições específicas (como as dos §§ 6º a 11 do art. 17 da lex vertente), se encontram em conformidade com a lei processual civil, que é de aplicação subsidiária in casu. [26]
Nesse viés, salientam JORGE e RODRIGUES: "Para evitar que a burocracia do procedimento ordinário tivesse um efeito deletério na efetiva realização da tutela jurisdicional, o legislador o temperou com algumas regras insertas na própria Lei 8429/92." [27]
Concorde com essa inteligência, porém enfatizando o predomínio das aludidas regulações típicas divisadas nessa lei (para o processamento da medida evocada) sobre as orientadoras do procedimento comum ordinário, explana Francisco de Almeida PRADO:
Conquanto a lei 8429/92 tenha se referido ao rito ordinário, ela própria consagrou algumas disposições especiais (as atinentes aos §§ 6º a 11 – do art. 17 –supramencionados) que peculiarizaram a ação de responsabilidade por improbidade administrativa, apartando-a do rito comum.
Ex positis, resulta que a demanda principal de improbidade administrativa deve seguir o procedimento comum ordinário (ao teor do art. invocado), contudo, de forma subsidiária – vale dizer, no que for compatível com os seus comandos procedimentais peculiares.
Dessarte, no capítulo seguinte far-se-á a apreciação do assunto relativo à legitimidade ativa para a propositura da demanda ora ventilada.
4 LEGITIMIDADE ATIVA NA DEMANDA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Ex vi do prenunciado pela legislação vertente (art. 17, acima transcrito), conclui-se que a legitimidade ativa para a promoção da demanda principal de improbidade administrativa cabe ao órgão do Parquet ou à pessoa jurídica de direito público interessada no caso.
Salientando dita ilação oriunda da norma em causa, MORAES aduz que:
A lei prevê expressamente em seu artigo 17 que a ação principal terá rito ordinário e será proposta pelo Ministério ou pela pessoa jurídica de direito público interessada. Na primeira hipótese, disciplina o § 3º, do artigo 17, com a redação dada pela Lei nº 9.366, de 16 de dezembro de 1996, que proposta a ação pelo Ministério Público deverá a pessoa jurídica lesada ser cientificada para integrar a lide, se entender necessário, podendo suprir omissões, falhas e indicar provas. Trata-se, pois, de litisconsórcio facultativo
Por conseguinte, de clareza solar que a argüida demanda principal poderá ser titularizada tanto pelo órgão ministerial quanto pelo ente (pessoa jurídica) prejudicado; se o for por aquele, este tem a opção de integrar o pólo ativo da lide, na condição de litisconsorte (situação de litisconsórcio ativo facultativo); se o for pelo último, o primeiro comporá obrigatoriamente o feito, na qualidade de fiscal da lei (custus legis), sob pena de nulidade do processo. [30]
Intentada a demanda principal, por um de seus co-legitimados, dentro do interregno de 30 (trinta) dias da efetivação da medida cautelar, é explicitamente vedada pela mens legis (§ 1º do art. 17) a transação, acordo ou conciliação na casuística – em homenagem ao princípio da indisponibilidade do interesse público. [31]
Sustentando essa ratio, eis o que alude DI PIETRO:
. PROPOSTA A AÇÃO, É EXPRESSAMENTE VEDADA PELO ART. 17, § 1º, A TRANSAÇÃO, ACORDO OU CONCILIAÇÃO. A NORMA SE JUSTIFICA PELA RELEVÂNCIA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO, SEJA ECONÔMICO, SEJA MORAL, PROTEGIDO PELA AÇÃO DE IMPROBIDADE. TRATA-SE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO. [32] (g. n.).A legitimidade ativa cabe ao Ministério Público ou à pessoa jurídica interessada (uma das definidas no artigo 1º), dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar (art. 17)
Donde, exsurge ululante a grandeza do patrimônio público (quer econômico, quer moral), como bem jurídico tutelado pela demanda de improbidade administrativa – o que equivale a dizer que a regra plasmada nesse § 1º do art. 17, é norma de ordem pública, eis que alça o interesse público (difuso) ali estampado ao status da indisponibilidade pela vontade (individual) dos particulares.
Enfim, de todo o argumentado, infere-se, pois, que a co-legitimidade ativa para o ajuizamento da demanda principal de improbidade administrativa, abarca também a cautelar acessória (como disposto no caput do art. sob exame), pelo que, por consectário, podem propor esta medida tanto a pessoa jurídica interessada, que, em regra, sofreu o ato ímprobo, como o Ministério Público – admitindo-se, inclusive, a formação de litisconsórcio entre os mesmos.
No entanto, como ressalva LOBO, no que diz com a pessoa jurídica lesada (interessada), em especial, tem-se que a natureza jurídica desta legitimação ativa é ordinária, eis que podem ser citadas as seguintes pessoas jurídicas como legitimadas ativas para a propositura da ação de improbidade administrativa: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista ou, ainda, associações civis que incluam dentre suas finalidades institucionais a proteção da probidade administrativa, ainda que essas pessoas jurídicas não tenham sido diretamente prejudicadas pelo ato de improbidade. [33]
Impende realçar, além disso, a possibilidade de representação popular consagrada no art. 14 do regulamento em tela, pelo que qualquer pessoa pode representar à autoridade administrativa competente a ocorrência de eventual ato de improbidade, a fim de que seja instaurada investigação para apurar tal incidente. [34]
Não obstante, quando a demanda de improbidade é movida pelo Ministério Público, este não é nem legitimado ordinário, tampouco representante ou advogado da Fazenda Pública.
Sob esse ângulo, enfatiza Hugo Nigro MAZZILLI:
, não por meio da legitimação ordinária (daquele que em nome próprio defende direito próprio); e só deve empreendê-Ia quando houver uma razão especial para isso: quando o sistema de legitimação ordinária não funcione. Nesse sentido admite-se até mesmo o litisconsórcio facultativo entre o Ministério Público e a Fazenda no pólo ativo, em defesa do patrimônio público. [35] (g. n.).O papel do Ministério Público é compatível com a defesa do erário, sim, mas por meio da legitimação extraordinária (daquele que, em nome próprio, defende direito alheio)
Desse modo, o Ministério Público pode, e deve, antes de ajuizar a demanda em objeto, exigir uma atitude repressiva daquelas pessoas jurídicas que foram diretamente prejudicadas pelo ato do agente ímprobo; mesmo porque, os órgãos da Administração Pública devem combater energicamente as condutas que afrontem a probidade administrativa. [36]
Por fim, passar-se-á, na seqüência, ao exame do tema da legitimidade passiva nessa demanda – à luz dos péssimos reflexos advindos do resultado final da votação de todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal na Reclamação nº 2138.
5 LEGITIMIDADE PASSIVA NA DEMANDA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AGENTES POLÍTICOS. REFLEXOS ADVINDOS DO JULGAMENTO FINAL DA RECLAMAÇÃO Nº 2138 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Quanto a esse aspecto, exsurge a seguinte indagação ainda hoje recorrente no meio jurídico-político: na hipótese da prática de atos de improbidade administrativa por agentes políticos aplicar-se-iam também a estes os ditames do regime legal em pauta?
Em outros termos: por exemplo, se porventura um ministro de Estado da Ciência e Tecnologia usasse, atualmente, jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB) em viagens de turismo e Hotel de Trânsito da Aeronáutica para fins privados; isso configuraria a prática de ato de improbidade administrativa?
Esse é exatamente o caso subjacente à Reclamação nº 2138, cujo pedido de não-aplicação do instrumento vertente à espécie, nela formulado pela União Federal (através da Advocacia-Geral da União), fora, após longo tempo de tramitação (desde 16/08/2002) há pouco (aos 13/06/2007) julgado procedente (por maioria do pleno) do Supremo Tribunal Federal.
Isso, sob a assertiva de que aos agentes políticos não se destina a normatividade aludida, porquanto estes já respondem por crime de responsabilidade, ex vi do disposto no inciso I do art. 102 da Constituição da República Federativa do Brasil, c/c a Lei Federal nº 1.079, de 10 de abril de 1950. [37]
Corroborando essa ratio, eis o teor da ementa (e das sucintas decisões componentes da cronologia) do indigitado acórdão:
Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. Questão de ordem rejeitada. I.2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na seqüência da pauta de julgamentos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO. II.1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2.DISTINÇÃO ENTRE OS REGIMES DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA. O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO DISTINGUE O REGIME DE RESPONSABILIDADE DOS AGENTES POLÍTICOS DOS DEMAIS AGENTES PÚBLICOS. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição. II.3.REGIME ESPECIAL. MINISTROS DE ESTADO. OS MINISTROS DE ESTADO, POR ESTAREM REGIDOS POR NORMAS ESPECIAIS DE RESPONSABILIDADE (CF, ART. 102, I, "C"; LEI N° 1.079/1950), NÃO SE SUBMETEM AO MODELO DE COMPETÊNCIA PREVISTO NO REGIME COMUM DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI N° 8.429/1992). II.4.CRIMES DE RESPONSABILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COMPETE EXCLUSIVAMENTE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PROCESSAR E JULGAR OS DELITOS POLÍTICO-ADMINISTRATIVOS, na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. SOMENTE O STF PODE PROCESSAR E JULGAR MINISTRO DE ESTADO NO CASO DE CRIME DE RESPONSABILIDADE E, ASSIM, EVENTUALMENTE, DETERMINAR A PERDA DO CARGO OU A SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. II.5.Ação de improbidade administrativa. MINISTRO DE ESTADO QUE TEVE DECRETADA A SUSPENSÃO DE SEUS DIREITOS POLÍTICOS PELO PRAZO DE 8 ANOS E A PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA POR SENTENÇA DO JUÍZO DA 14ª VARA DA JUSTIÇA FEDERAL - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DOS JUÍZOS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA CONTRA AGENTE POLÍTICO QUE POSSUI PRERROGATIVA DE FORO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, POR CRIME DE RESPONSABILIDADE, CONFORME O ART. 102, I, "C", DA CONSTITUIÇÃO. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. Rcl 2138 / DF - DISTRITO FEDERAL RECLAMAÇÃO Relator(a): Min. NELSON JOBIM Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES (ART.38,IV,b, DO RISTF) Julgamento: 13/06/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJe-070 DIVULG 17-04-2008 PUBLIC 18-04-2008 EMENT VOL-02315-01 PP-00094Parte(s) RECLTE.: UNIÃO ADV.: ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO RECLDO.: JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DA 14ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL RECLDO.: RELATOR DA AC Nº 1999.34.00.016727-9 DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO INTDO.: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Decisão Preliminarmente, o Tribunal assentou a ilegitimidade da Procuradora Valquíria Oliveira Quixadá Nunes e da Associação Nacional do Ministério Público, vencidos os Senhores Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e o Presidente. No mérito, após os votos dos Senhores Ministros Nelson Jobim, Relator, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão, julgando procedente o pedido formulado na reclamação, para assentar a competência do Supremo Tribunal Federal e declarar extinto o processo em curso, na 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que gerou a reclamação, pediu vista o Senhor Ministro Carlos Velloso. Falaram, pela reclamante, o Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, Advogado-Geral da União, e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, Vice-Procurador-Geral da República. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 20.11.2002. Decisão: Renovado o pedido de vista, justificadamente, pelo Senhor Ministro Carlos Velloso, que não devolveu à mesa o feito para prosseguimento, tendo em vista estar aguardando a inclusão em pauta das Ações Diretas de Inconstitucionalidades nº 2.797 e nº 2.860, envolvendo temas a ela relacionada. Presidência do Senhor Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 28.04.2004. Decisão: Prosseguindo no julgamento, e colhidos o voto do Senhor Ministro Carlos Velloso, que julgava improcedente a reclamação, e o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso, que acompanhava o relator, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Não participaram da votação os Senhores Ministros Eros Grau e Carlos Britto, por sucederem aos Senhores Ministros Maurício Corrêa e Ilmar Galvão que proferiram votos. Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim. Plenário, 14.12.2005. Decisão: Renovado o pedido de vista do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, justificadamente, nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução nº 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim. Plenário, 22.02.2006. Decisão: Retomado o julgamento do feito, após a preliminar de conhecimento suscitada pelo Ministério Público Federal, apontando a incompetência superveniente desta Corte para a apreciação da matéria e propondo, portanto, o não-conhecimento da reclamação, acolhida pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa, que também suscitou preliminar, essa no sentido da perda do objeto da reclamação em face do afastamento do cargo que garantia a prerrogativa de foro, e do voto da Senhora Ministra Cármen Lúcia, que acolhia a preliminar do Ministério Público, no que foi acompanhada pelos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Britto, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Eros Grau. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 01.03.2006. Decisão: O TRIBUNAL, POR MAIORIA, DELIBEROU PELA REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE SUSCITADA PELO SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Carlos Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. Em seguida, o Tribunal também rejeitou a questão de ordem suscitada pelo Senhor Ministro Marco Aurélio, no sentido de sobrestar o julgamento, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello. Votou a Presidente. NO MÉRITO, POR MAIORIA, O TRIBUNAL JULGOU PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO, VENCIDOS OS SENHORES MINISTROS CARLOS VELLOSO, JOAQUIM BARBOSA, CELSO DE MELLO E SEPÚLVEDA PERTENCE, QUE A JULGAVAM IMPROCEDENTE. VOTOU A PRESIDENTE, MINISTRA ELLEN GRACIE, EM ASSENTADA ANTERIOR. NÃO PARTICIPARAM DA VOTAÇÃO, QUANTO AO MÉRITO, A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA, E OS SENHORES MINISTROS RICARDO LEWANDOWSKI, EROS GRAU E CARLOS BRITTO, POR SUCEDEREM, RESPECTIVAMENTE, AOS SENHORES MINISTROS NELSON JOBIM, CARLOS VELLOSO, MAURÍCIO CORRÊA E ILMAR GALVÃO, QUE PROFERIRAM VOTOS EM ASSENTADA ANTERIOR. PLENÁRIO, 13.06.2007. RETIFICAÇÃO DE DECISÃO: FICA RETIFICADA A DECISÃO DA ASSENTADA ANTERIOR, publicada no Diário da Justiça de 20 de junho deste ano, referente à ata da décima sétima sessão ordinária, para constar que, NO MÉRITO, FICOU VENCIDO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO, JULGANDO IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO, ACOMPANHADO DOS SENHORES MINISTROS CARLOS VELLOSO, JOAQUIM BARBOSA, CELSO DE MELLO E SEPÚLVEDA PERTENCE. Ausentes, nesta assentada, os Senhores Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 08.08.2007. [38] (sic). (g. n.).EMENTA: RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. I.1.
Sendo assim, prevalecera, no âmbito desse paradigmático julgado do Supremo – cuja votação, repise-se, levara tanto tempo para ser concluída –, a tese da não-responsabilização dos agentes políticos pela prática de quaisquer atos de improbidade, uma vez que os mesmos já respondem por crimes de responsabilidade (mutatis mutandis, teoria do non bis in idem).
Com efeito, tal ilação é severamente objurgada por Alexandre Jésus Queiroz SANTIAGO, consoante o escólio que a seguir expende (em que profetizara a total impossibilidade de oposição de eficaz resistência à improbidade que grassa no meio político hodierno, caso fosse atribuída pelo invocado precedente – ao fim de seu julgamento – absoluta inoperabilidade à norma específica sob apreço):
Na luta exaustiva contra a corrupção, estamos às portas do Hades. Em vias de termos que depositar algumas de nossas esperanças no Pórtico do Inferno, qual descrição de Dante Alighieri ("Depositai aqui, vós, que entreis, toda a esperança" – diz a placa na narrativa "A Divina Comédia", do italiano). Prestes a assistir ao sepultamento de um dos mais eficazes instrumentos legais postos à disposição do Ministério Público e da sociedade, de forma mediata, para o desmantelamento de práticas de corrupção. Avizinha-se a conclusão, no Supremo Tribunal Federal, do julgamento da Reclamação nº. 2138, em que se discute a extensão dos efeitos da Lei nº. 8.429/92 aos reputados atos de improbidade administrativa praticados por agentes políticos. Essa Reclamação é um tipo de expediente processual-constitucional que visa a assegurar a competência daquele Tribunal, evitando usurpações. Busca-se, na espécie, como finalidade mediata, conseguir o cancelamento, forma de dizer, da condenação do ex-ministro Ronaldo Mota Sardemberg (Ciência e Tecnologia) por ter usado jatinhos da FAB em viagens de turismo e pela utilização de Hotel de Trânsito da Aeronáutica para fins particulares
Nessa medida, de clareza solar a tamanha relevância do aresto ora trazido à baila, haja vista a nefasta repercussão que o mesmo pode vir a ter em outros casos análogos que forem postos sob o julgamento da Corte Excelsa, eis que se criara através dele um fatal antecedente capaz de aniquilar dita lei, outrora idealizada como o mais poderoso e eficiente instrumento de combate à corrupção administrativa já inserto e disponibilizado no ordenamento jurídico pátrio.
Com certeza, o Supremo andou mal nesse decisum, forte nas razões transcritas, eis que por intermédio deste, apesar de se constituir no guardião do Texto Magno, atribuíra mínima eficácia a uma de suas mais proeminentes normas de força limitada, vale dizer, àquela inscrita em seu invocado § 4º do art. 37, e, obviamente, de modo reflexo, também ao diploma em exame – até então, excelente contraveneno ao odioso mal da desonestidade –, que viera para regulamentá-lo.
Tal exegese adotada pelo Pretório Maior, portanto, é de todo incongruente com a sua ratio essendi e, por ululante, com a mens constituticionis estampada no dispositivo constitucional vertido.
Nesse viés, sublinha o mencionado doutrinador:
Qual a vontade da Cidadã, da nossa Constituição? Sem dúvida instalou-se uma tensão dialética de princípios e de valores. É possível, e muito salutar, a mutação constitucional, feita através de novas e modernas interpretações a fim de acompanhar as evoluções políticas e sociais. Na hipótese, mais parece é que assistiremos a uma mutação legal (diferente de alteração legislativa), operada com a consagração de nova interpretação judicial que se pretende evolutiva. Estar-se-ia por promover uma redução teleológica do teor da norma constante do art. 2º da Lei nº. 8.429/92, a fim de compatibilizá-lo à Constituição Federal. É claro que não podemos ficar estacionados sempre na mesma trilha interpretativa. Mas não se pode permitir que certos objetivos maiores da Constituição da República, que reservou partes relevantes do seu texto para enaltecer a necessidade de defesa da moralidade administrativa, sejam aniquilados num processo de autodestruição hermenêutica, escorpiônico
Enfim, com supedâneo em todo o argumentado, infere-se que, deveras, o Supremo (ainda que em composição díspar da hodierna), data maxima venia, andou mal na votação dessa casuística, tendo, como ressaltado, laborado em equívoco na mesma, eis que a sua decisão nela proferida transbordara e contrariara igualmente os princípios constitucionais consagrados no mencionado caput do art. 37 (a que o § 4º deste deve obediência), da Carta Política em vigor. [41]
No próximo capítulo far-se-ão as últimas considerações a respeito da temática explorada neste estudo, o qual, por óbvio, longe de exauri-la, apenas se dedicou a abordar, dessa feita, alguns de seus pontos processuais de maior relevo.