Indaga-se: o que é o pedido de reconsideração e qual sua importância no processo administrativo fiscal?
Introdução
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, LV, assegura o contraditório e a ampla defesa para os litigantes em processo administrativo. A revisão dos julgamentos, utilizando-se do duplo grau de jurisdição, "atende a necessidade de qualidade e segurança da prestação estatal julgadora e é imperativo jurídico expresso no art. 5º, LV, da CF/88." [01]
Embora a instância administrativa esteja, para o administrado, relegada a condição secundária, como mera etapa rumo à definitividade dos litígios que ocorre somente na esfera judicial, [02] o processo administrativo tem sua importância assegurada e existe para facultar ao administrado o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como para a própria Administração sanar ou corrigir eventual ilegalidade ou irregularidade do ato por ela praticado. [03]
No âmbito administrativo, tem-se como uma prática reiterada o encaminhamento do recurso diretamente à autoridade superior, sem qualquer manifestação daquela que proferiu a decisão administrativa, não obstante a existência de previsão legal disposta no §1º, do art. 56, da Lei nº 9.784/1999, em sentido diverso.
2. O recurso administrativo
O recurso administrativo, "como todo meio hábil a propiciar o reexame da atividade da Administração, por seus próprios órgãos," [04] é uma das mais importantes manifestações do princípio do contraditório e da ampla defesa em que se caracteriza o conflito de interesses, e é nesse momento que o interessado apresenta sua resistência formal. [05]
A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, disciplina:
"Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.
§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior." (Grifamos).
Por esse excerto legal, denota-se que todo recurso contra decisão administrativa será encaminhado inicialmente à autoridade que exarou a decisão. E, após apreciar as alegações recursais e documentos acostados, poderá ela reconsiderar a decisão, dando o trânsito em julgado administrativo, sem a necessidade de encaminhar o recurso à autoridade superior; em não sendo reconsiderada, só então o recurso será enviado à instância superior.
3. A Lei nº 9.784 de 1999 e seu alcance
A Lei nº 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, ou seja, tem seu alcance, a princípio, limitado à esfera federal. Contudo, em havendo legislação que a recepcione, não há nada que impeça sua aplicação em outro ente federativo. [06]
Nesse sentido, no âmbito do Distrito Federal - DF, a Lei nº 9.784/99 foi recepcionada pela lei distrital nº 2.834, de 7 de dezembro de 2001, nestes termos:
"Art. 1º Aplicam-se aos atos e processos administrativos no âmbito da Administração direta e indireta do Distrito Federal, no que couber, as disposições da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999." (Grifamos).
Assim, se não houver norma legal distrital dispondo expressamente sobre determinada matéria, o DF está autorizado a utilizar as disposições da Lei nº 9.784/99, nos atos e processos administrativos no âmbito da sua administração direta e indireta.
4. A aplicação da Lei nº 9.784/99 no PAF do Distrito Federal
Tendo em vista a recepção da Lei nº 9.784/99 no ordenamento jurídico do DF, a aplicação de seu art. 56, §1º, no processo administrativo fiscal do DF, está condicionada à observação de alguns requisitos, se não vejamos:
1º) há que se notar que o mencionado art. 56 da lei federal está a tratar de recurso, e assim somente caberá sua aplicação onde houver previsão legal para a interposição de recurso. Ou seja, para uma decisão administrativa irrecorrível proferida pela autoridade no grau hierárquico máximo, não cabe tal dispositivo.
A título de ilustração, no intuito de melhor esclarecer essas colocações, levantamos o seguinte exemplo:
(1) Em um processo de reconhecimento de imunidade tributária de IPTU, o Secretário de Fazenda do DF, com base no art. 70, II, do Dec. 16.106/94, [07] proferiu a seguinte decisão em grau de recurso: "ementa: recurso conhecido e improvido, pela manutenção da decisão de primeira instância que indeferiu o pedido de imunidade."
(2) O interessado, inconformado com a decisão de 2ª instância, interpôs recurso, com fundamento no § 1º do art. 56, da Lei 9.784/99, requerendo, por fim, que se a autoridade não reconsiderar a decisão, seja o recurso encaminhado à autoridade superior, no caso, o Governador do DF.
(3) Tendo em vista que no ordenamento do DF, a decisão do Sr. Secretário é definitiva, não havendo previsão legal de outra instância recursal, não tem aplicação o § 1º do art. 56 mencionado, e nem o conseqüente encaminhamento do recurso ao Governador do DF.
(4) no caso concreto, o recurso não será admitido, por falta de amparo legal.
Desse modo, o recurso somente será encaminhado à autoridade superior caso haja previsão legal, sob o risco de todo ato decisório, que contrarie interesses do administrado, ser, a todo tempo e espaço, recorrível, por meio de pedido de reconsideração, o que poderá estar criando 3ª, 4ª ou até 5ª instância, em total afronta às normas processuais administrativas e judiciais. [08]
2º) a lei distrital receptiva utiliza o termo "no que couber", ou seja, havendo disposição legal que regulamente determinada matéria, não será possível sua aplicação.
A lei distrital nº 657/94, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal contencioso e voluntário no Distrito Federal, disciplina que para determinadas decisões não cabe pedido de reconsideração. [09]
Assim, havendo norma legal dispondo sobre o não cabimento do pedido de reconsideração, não será permitida a aplicação do dispositivo constante do § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784/99.
Importante ressaltar, no entanto, que o fato de não ser cabível o pedido de reconsideração para certas decisões, não significa que não possa haver manifestação da autoridade que proferiu a decisão, quanto ao pedido formulado. Apenas não terá competência para reconsiderar a decisão em si, devendo encaminhá-la, com sua manifestação, à autoridade superior.
5. O pedido de revisão do ato administrativo
É cediço que o recurso não é a única forma de se impugnar e/ou de se buscar a revisão de um ato administrativo. Assim, o simples fato de não haver previsão legal para interposição de recurso contra determinada decisão não quer dizer que não possa haver manifestação da autoridade e revisão do ato administrativo.
É comum, na esfera administrativa, interpor-se pedido de reconsideração contra decisão, mesmo após o trânsito em julgado administrativo. Em não existindo previsão para interposição de recurso, o mesmo não é, e não pode ser, considerado recurso, não sendo assim conhecido como tal.
Em homenagem aos princípios que regem o processo administrativo, em especial, o da legalidade e o da verdade material que orienta e autoriza a Administração Pública a aceitar e buscar as provas que entender necessárias, em havendo fatos novos ou circunstâncias que venham a demonstrar, a posteriori, a existência de vícios que tornem ilegal o ato administrativo, não há coisa julgada administrativa enquanto não extinto pelo tempo [10] o direito de a Administração rever os seus atos.
É o que vem disciplinando o art. 65 da Lei nº 9.784/99:
"Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada". (Negritou-se).
Dessa forma, apesar de já superada a fase recursal administrativa, para interposição de recursos, em razão de o requerente alegar suposta existência de fatos novos ou circunstâncias relevantes que possam justificar a inadequação da decisão proferida, ou ainda a existência de vícios que tornem ilegal o ato administrativo, o pedido interposto deve ser recebido e analisado pela autoridade administrativa, não como recurso e sim como uma revisão de ato a pedido da parte interessada.
6. A autoridade competente para a revisão do ato administrativo
O controle administrativo, segundo Hely Lopes Meirelles, [11] deriva do poder-dever de autotutela que a Administração tem sobre seus próprios atos e agentes, e que é normalmente exercido pelas autoridades superiores sobre as inferiores.
Toda autoridade administrativa pode rever seus atos. Para a Administração Pública é amplo o dever de anular os atos administrativos ilegais, [12] tanto pelo agente que o praticou, quanto pela autoridade superior que venha a ter conhecimento da ilegalidade. De um modo geral, essa revisão pode se dar por meio de fiscalização hieráquica ou recursos administrativos. [13]
Entendemos que qualquer agente deve se manifestar quanto à legalidade do ato administrativo, porém somente a autoridade investida de competência legal pode revê-los, até para que se resguarde a lisura dos atos administrativos e a segurança jurídica do administrado e da própria Administração, evitando assim a prática e a revisão pelo próprio autor do ato, sem a devida competência e controle.
A título de complementação, colocamos as seguintes hipóteses a serem analisadas:
(a) revisão, de ofício, de ato administrativo
É o caso em que não há interposição de recurso e nem pedido de revisão contra decisão ou ato proferido.
Todo agente público, que detectar algum vício que torne ilegal o ato administrativo, tem a obrigação e o dever de comunicar o fato à sua chefia imediata, que por sua vez o representará à autoridade competente que, em regra, é o chefe da pasta, para efetuar a revisão do ato, caso assim entenda.
Pode-se colocar como exemplo, a lavratura de um auto de infração, sem que haja a interposição de recurso, e assim não se instala a lide administrativa. Se o agente público verificar ilegalidade no ato, deverá comunicar à chefia imediata para que o ato seja revisto de oficio, pela autoridade competente.
(b) revisão, a pedido, de ato administrativo
É o caso de haver a interposição de recurso intempestivo ou de pedido de revisão, onde não haja previsão de recurso, contra determinado ato administrativo.
O recurso intempestivo ou o pedido de revisão será dirigido à autoridade que houver expedido o ato ou proferido a decisão, que se manifestará, apenas, em face de razões de legalidade. Se o agente público não tiver competência para rever o ato o encaminhará, com sua manifestação, à autoridade competente. [14]
É a hipótese, por exemplo, de haver a interposição de recurso intempestivo contra um auto de infração, em matéria tributária. Devido sua intempestividade, não se instaura a fase litigiosa, não formando o contencioso administrativo. Nesses casos, o processo poderá ser analisado pelo órgão responsável pelo preparo processual, que se manifestará, quanto à legalidade do ato, encaminhando os autos à autoridade competente, que em regra é a chefia da pasta, ou a própria autoridade julgadora de primeira instância, se assim dispuser a legislação regente, para realizar a revisão ou não do ato administrativo.
(c) revisão, a pedido, de ato que não caiba pedido de reconsideração
É o caso de recurso ou pedido de revisão contra ato ou decisão administrativa que não caiba pedido de reconsideração, nos termos da legislação regente.
O recurso ou pedido de revisão será dirigido à autoridade que proferiu a decisão ou expediu o ato, e, se constatado algum vício que o torne ilegal, manifestar-se-á pela procedência do recurso ou pedido, encaminhando-o à autoridade superior, porquanto é defeso, por determinação legal, a reconsideração da decisão pela própria autoridade que a proferiu.
Temos, como exemplo, o recurso interposto contra decisão de primeira instância administrativa de julgamento de auto de infração. A legislação tributária [15] dispõe não ser cabível pedido de reconsideração contra decisão de primeira instância. Nesses casos, o recurso será encaminhado à autoridade que proferiu a decisão, que analisará o recurso quanto à legalidade do ato proferido, e mesmo que se manifeste pela procedência do recurso, deverá encaminhá-lo à autoridade de segunda instância, por expressa determinação legal.
7. O recurso administrativo e o princípio do formalismo moderado
Nos termos da Lei nº 9.784, de 1999, art. 27, parágrafo único, art. 28 e art. 56, toda decisão que resultar para o interessado "em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades, de seu interesse," será objeto de intimação. E ainda, mesmo havendo o desatendimento da intimação, o que não importa no reconhecimento da verdade dos fatos e nem a renúncia a direito pelo administrado, ser-lhe-á garantido o direito de ampla defesa, no prosseguimento do processo.
Desse modo, ocorrendo qualquer decisão administrativa, resultado ou não de uma revisão de ato, a pedido ou de ofício, e que resulte em sanção ou implique em situações de litígio, é garantido ao administrado o direito de interpor recurso (Lei nº 9.784/99, art. 2º, caput e seu parágrafo único, inciso X). [16]
Extrai-se pelo exposto, que todo ato administrativo pode, a qualquer tempo, ser submetido à revisão, a pedido ou de ofício, desde que não tenha ocorrida a preclusão administrativa.
Indaga-se então: havendo o inconformismo do administrado pelo ato administrativo, deve ele necessariamente interpor um recurso, ou basta, tão-somente, apresentar, antes do recurso, um simples pedido, "menos elaborado", de revisão ou de reconsideração do ato?
Quando o prazo recursal se expira ocorre o que se denomina preclusão, no sentido de não poder ser conhecido o requerimento. Ora, quem perde prazo definido em lei, deixa de ter o direito de ver examinada a matéria substantiva, ou seja, a análise do mérito, limitando-se ao exame da legalidade do ato.
Assim, para que o interessado possa usufruir o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, relevante que se cumpra o prazo para interposição de recurso, disposto na legislação regente.
No antigo Código de Processo Civil, de 1939, em seu art. 810, [17] acolhia-se o princípio da fungibilidade, em que se podia, em determinadas situações, conhecer de um recurso por outro, mesmo quando não cabível para certa decisão, considerando-o válido.
No processo administrativo, com fundamento no princípio do formalismo moderado, dispensam-se ritos sacramentais e formas rígidas, buscando-se beneficiar o administrado, para que, por defeito de forma, não se rejeitem atos de defesa e recursos mal qualificados. [18]
O princípio do formalismo moderado tem como objetivo maior o de facilitar a atuação do administrado, de modo a não prejudicar o contraditório e a ampla defesa, eliminando formalidades desnecessárias.
Em respeito aos princípios da celeridade dos autos processuais, da economia processual e do formalismo moderado, o pedido de reconsideração, nos termos do art. 56, § 1º, da Lei nº 9.784/99, veio para eliminar e suprir formas outras de se peticionar a revisão e a reconsideração de atos administrativos, não sendo razoável que se interponha, inicialmente, um pedido "menos elaborado" para depois oferecer o recurso em si.
8. Conclusão
As reclamações relacionadas à demora na tramitação dos processos administrativos são muito freqüentes, tendo, por vezes, como fundamento o excesso de formas recursais. Porém, como regra geral, os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente as exigir. Em verdade, o formalismo somente se justifica na medida em que seja essencial à garantia do administrado, nos termos do art. 2º, parágrafo único, VIII e art. 22, caput, da Lei nº 9.784/99. [19]
À primeira vista, pode-se alegar que o encaminhamento do recurso diretamente à autoridade que proferiu a decisão implicaria em um aumento da morosidade, e, assim, haveria mais demora no julgamento dos processos administrativos, abalando ainda mais o princípio da eficiência administrativa, tão almejado por toda a sociedade.
Contudo, o fato de a autoridade que proferiu a decisão receber o recurso, antes de ser encaminhado à autoridade superior, com a faculdade de poder reconsiderar sua decisão, vai justamente ao encontro ao princípio da eficiência administrativa, senão vejamos.
Esse procedimento está a oferecer maior celeridade ao processo, porquanto:
(a) há a possibilidade de haver a reconsideração da decisão, dispensando o encaminhamento do recurso à autoridade superior;
(b) é relevante ao agente administrativo, que proferiu a decisão, tomar conhecimento das alegações recursais do recorrente sobre o fato praticado, para poder contra argumentá-las e/ou sanear eventuais deficiências ou equívocos ocorridos;
(c) evitam-se trâmites administrativos desnecessários ao processo, como a baixa em diligências e encaminhamentos para pronunciamentos e manifestações quanto às alegações recursais; e ainda,
(d) oferecem-se mais subsídios à autoridade superior para a tomada de uma decisão mais célere e fundamentada, entre outros.