5 DA INADMISSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DESTITUÍDA DE PROVA
Como exposto alhures, somente se poderia admitir a prevalência de uma presunção, segundo a qual a participação de parentes de membros da entidade promotora da licitação já consistiria, por si só, afetação à isonomia e moralidade, se se tratar de presunção legal.
Segundo o eminente processualista Cândido Rangel Dinamarco (2005, p. 113), "presunção é um processo racional do intelecto, pelo qual do conhecimento de um fato infere-se com razoável probabilidade a existência de outro ou o estado de uma pessoa ou coisa".
Com base no princípio da legalidade, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5°, II, CF), assim, só se poderá impedir alguém de participar de licitação sob a alegação do vínculo de parentesco, se tal possibilidade estiver prevista em lei.
Ora, constatado que não há previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro no sentido de ser o parentesco fator de impedimento de participação em licitação pública, não se pode presumir, sem qualquer ato ou fato objetivamente provado, a existência de vício no certame resultante de hipotética influência decorrente da relação de parentesco.
De fato, há que se observar a isonomia e a moralidade dos certames, devendo ser reprimidos quaisquer atos tendentes à afetar a igualdade de condições entre os concorrentes (art. 37, XX, CF c/c art. 3°, caput, e art. 44, §1°, ambos da Lei n° 8.666/93). Todavia, tal repressão deverá pautar-se na existência concreta de lesão à tais primados, tais como a ocorrência de informação privilegiada e a adoção de critérios subjetivos que, ilegalmente, elidam o princípio da igualdade entre os participantes.
Nessa via, vale colacionar brilhante trecho produzido por Uadi Lammêgo Bulos ao tecer comentários sobre decisões judiciais que confirmam o impedimento de participação em certames licitatórios com base na suposição de que o simples vínculo de parentesco afetaria a isonomia e moralidade do procedimento, in verbis:
Referimo-nos a certas sentenças, que, transcrevendo excertos que nada têm que ver com o tema, chegam à conclusão de que a mera ligação de parentesco já é o bastante para se fulminar certames licitatórios.
Tais decisões, entretanto, desconhecem que texto não é contexto, e, ainda quando não tenham tal propósito, acabam fomentando a febre do litígio nas licitações, onde os perdedores são estimulados a bater às portas do Poder Judiciário, enxudiando-lhe de pedidos e mais pedidos, abarrotando, mais ainda, a incomensurável carga de trabalho de juízes e Tribunais.
O resultado de tudo isso somente contribui para a existência de uma "República de suposições", onde todos são corruptos até quando se prove o contrário, transmutando-se, via mutação inconstitucional, o princípio da presunção de inocência (CF, art.5º, LVII).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A grande celeuma doutrinária e jurisprudencial em relação ao presente tema cinge-se quanto à possibilidade de constituir-se a relação de parentesco entre participante e membro da entidade promotora da licitação como fator objetivo de impedimento à participação nos certames licitatórios.
Debate-se, assim, sobre a possibilidade de ampliação das causas de impedimento previstas no art. 9º da Lei nº 8.666/93. De fato, o objetivo de proteção de tal dispositivo é o princípio da isonomia e da moralidade administrativa. Todavia, por resultar em restrição de direito e basear-se em entendimento apriorístico quanto à potencialidade de influência nociva ao certame, o rol constante no art. 9º da Lei nº 8.666/93 deve ser interpretado restritivamente, não podendo, pois, ser alargado pelo intérprete da lei (art. 37, XXI, da CF/88).
Ora, é cediço que qualquer interpretação tendente a restringir a participação de interessados em hipótese não prevista em lei, restará inadequada, por afrontar o princípio da isonomia e o próprio postulado da legalidade, ou seja, somente se poderia admitir a prevalência de uma presunção, segundo a qual a participação de parentes de membros da entidade promotora da licitação já consistiria, por si só, afetação à isonomia e moralidade, se se tratar de presunção legal.
De fato, há que se observar a isonomia e a moralidade dos certames, devendo ser reprimidos quaisquer atos tendentes à afetar a igualdade de condições entre os concorrentes (art. 37, XX, CF c/c art. 3°, caput, e art. 44, §1°, ambos da Lei n° 8.666/93). Entrementes, tal repressão deverá pautar-se na existência concreta de lesão à tais primados, tais como a ocorrência de informação privilegiada e a adoção de critérios subjetivos que, ilegalmente, elidam o princípio da igualdade entre os participantes. Em outras palavras: não se pode presumir, sem qualquer ato ou fato objetivamente provado, a existência de vício no certame resultante de hipotética influência decorrente da relação de parentesco.
Conclui-se, por fim, que o vínculo de parentesco, de per si, não pode servir de supedâneo justificar o impedimento de participação de determinada pessoa em um certame licitatório, visto que: a) não há previsão expressa contida em lei quanto ao impedimento de participação de pessoa física ou de pessoa jurídica da qual seja integrante sócio que possua relação com membro da entidade promotora da licitação; b) não se pode presumir, sem qualquer ato ou fato objetivamente provado, a existência de vício no certame resultante de hipotética influência decorrente da relação de parentesco.
REFERÊNCIAS
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BULOS, Uadi Lammêgo. Licitação em caso de parentesco. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1855, 30 jul. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11555>. Acesso em: 11.08.2008.
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